Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 17: Possessão

— Aquela vadia… Pensando que vai se livrar de mim desse jeito…

Jacob andava sozinho pelas ruas nas imediações da escola, sem um ponto de parada definido. Passo por passo, via as diferenças nas calçadas, sentindo o fraco calor do sol da tarde em meio ao frio.

Uma coluna de vento levou embora algumas folhas secas, junto com os restos de um folheto de “desaparecido” com a foto de uma garota qualquer, coisa normal se tratando de Elderlog.

O final de tarde era sempre um momento preguiçoso para a pequena cidade, onde a movimentação já lenta das coisas se tornava ainda mais vagarosa. 

Uma ou duas pessoas voltavam do trabalho a pé. Era uma vida um tanto medíocre.

— Essa merda…

Chutou uma pedrinha do meio da estrada, que rolou por uns cinco metros, parando na sombra de uma árvore.

Logo ali embaixo, protegido do sol, viu um banco de madeira, e apenas então se deu conta de onde havia chegado.

Era uma pequena pracinha onde ficavam um monte de velhos desocupados. Nesse dia não estava movimentada e, por isso, sentiu que podia continuar falando alto, sob a proteção das sombras.

— Ela nunca vai encontrar ninguém melhor nessa porcaria aqui. Não tem pessoa melhor para ela do que eu.

Não tinha uma explicação lógica ou uma linha de raciocínio para seguir. A questão de Jacob com a popular garota de fios roxos era puramente emotiva.

Caso o pedissem para explicar sua obsessão, acabaria apenas dando um soco na cara do indivíduo que teve a audácia de questionar seus sentimentos. 

— Eu não vou deixar ela ficar com mais ninguém. Abigail, você vai ser minha, não importa como.

A primeira pessoa que o ouvisse de certo chamaria a polícia, mas isso só acabaria resultando em sua soltura. O pai de Jacob era um dos responsáveis pela coordenação do ineficaz serviço policial da cidade.

Qualquer coisa e ele apenas o acabaria soltando, nem mesmo se preocupando com dar um aviso ou dois. Não era um homem de querer saber muito sobre a vida do filho.

A vida de seu pai era fácil demais. Bastava sentar na cadeira, fazer nada o dia inteiro e por raras vezes, fingir que preencheu alguma papelada. 

Não era à toa que a cidade era tão abandonada por qualquer milagre; não havia quem estivesse disposto a fazê-los, prova disso sendo a mais recente série de crimes.

O tal “Perfurador de Elderlog” acabou de vitimar sua quarta família ontem. E o que eles fizeram? Precisamente nada.

— Eu tenho que bolar o meu plano. Não posso deixar nenhum outro cara tentar nada com ela. Ela tem que ser minha e só minha.

Mastigou em sua frustração, tentando firmar alguma ideia sólida o bastante, podendo ser qualquer coisa desde uma simples próxima tentativa ou até mesmo um sequestro.

Sua única preocupação era em ter Abigail Halsey e guardá-la como uma bonequinha de pano na estante do quarto. A obsessão que tinha pela pobre garota não tinha como sequer ser descrita.

Era algo grande, uma coisa no fundo da alma, dizendo-o contínuas vezes para tomá-la a todo custo. Nunca tentou lutar contra isso, mas já julgava ser incapaz disso.

Não era capaz de dizer sequer em que ponto começou. Só sabia que, um dia qualquer, se encontrou mesmerizado pela visão tão pura daquela criatura divina.

Aqueles cabelos roxos, reluzentes como o céu noturno…

Os olhos azuis, oceanos profundos e inexplorados, prontos para um mergulho…

A pele tão clara e frágil, macia da mesma forma que veludo…

E sua voz, cantando uma melodia angelical… Uma que apenas ele deveria ter o direito de ouvir.

— Só eu. Só eu posso — repetiu, para o nada. — A voz dela, aquela cara, aqueles olhos… Aquele corpo… São coisas que só eu posso ter.

Não questionava suas intenções, querendo-as satisfeitas. No fundo, sabia que não era e nunca seria amor. A profundidade de seus sentimentos era tanta quanto nada, um poço de luxúria irrisória.

O pensamento de que alguém mais iria, algum dia, tocar aquele corpo já o fazia furioso. A cada vez que pensava na menor das possibilidades de que aquela criatura tão bela o fosse apenas jogar de lado por outro qualquer…

— Eu tenho vontade de esganar aquela puta…

A Abigail de seus pensamentos sempre acabava pedindo desculpas pela afronta e era assim que ele julgava ter de ser na realidade também. 

Caso um dia o pior acontecesse e ela arrumasse mais alguém…

— Então eu a faria ter que se desculpar até não ter mais voz para isso.

Chamar aquilo de “atração” já era demais, a ponto de nem ser um amor animalesco. Era uma caricatura distorcida do desejo e nada mais que isso.

— Mas eu faria qualquer coisa para poder segurar aquela pele macia e sedosa entre os meus dedos de novo… Ah, como eu sinto falta daquela sensação…!

Tudo que lhe restava eram as memórias dos dias em que a garota ainda era tola o suficiente para crer na possibilidade do relacionamento. O cheiro de flores e morangos em seus cabelos nunca lhe escaparia a memória.

— Se ao menos houvesse um jeito de recuperar isso o quanto antes…

Não queria ter que esperar um minuto a mais. Não tinha palavras para dizer o quão bom seria caso uma solução apenas caísse do céu…

— O desejo humano é mesmo um motivador potente. Vejo esse exemplo ilustrado em carne quando olho para você, Jacob Egan.

Espantado pelo susto da nova voz, o rapaz alto e forte quase pulou do banco, buscando encontrar a origem.

— Você é maluco, e eu gosto de gente do seu tipo. Indivíduos do seu perfil são o tipo de pessoa que eu estou procurando, pode-se dizer.

— Quem é você?! E o que você quer?!

Sem hesitar, Jacob partiu na direção da estranha pessoa que se revelou detrás de uma árvore. Ele mirou um soco que seria perfeito, e quando estava prestes a atingir...

“Ele sumiu...?!”

Bem diante de seus olhos, desapareceu sem cerimônia como uma ilusão. Seu corpo meramente transpareceu, abandonando esse plano.

— Como eu disse, eu não desgosto desse tipo de postura e posso dizer que estou aqui para te ajudar. Sei qual é o seu objetivo, Jacob… E acredito que possamos nos ajudar mutuamente.

O corpo inteiro dele tremeu em pavor ao escutar a voz vinda de trás de si. Olhou aceleradamente para trás e viu que o mesmo rapaz estava ali, em cima do banco de praça, oculto quase por inteiro nas sombras.

— Mas... Como… COMO CARALHOS VOCÊ FEZ ISSO, SEU FILHO DA PUTA?!

— Relaxe, Jacob Egan — falou, revelando conhecimento acerca de coisas que sequer foram ditas. — Eu não estou aqui para brigar com você. Na verdade, o que eu mais quero é te ajudar a alcançar os seus objetivos.

O jovem pálido saltou do banco, arrumando seus cabelos pretos que caíam sobre o olho esquerdo, cobrindo-o por inteiro. 

Sua imagem muito mais lembrava um vampiro de ficção adolescente. Parecia adoentado, a julgar pelo físico fraco e magro, complementado pela única olheira profunda visível sob seu olho à mostra.

Havia um tipo de charme incomum e especial sobre alguém tão acabado, algo que fazia desejar ambos bater nele até que sangrasse e ao mesmo tempo, escutar atentamente a cada palavra que tivesse para dizer.

A eloquência daquela voz suave era venenosa, mas nem mesmo a ciência disso tirava seu valor sedutor.

— Como disse, eu gostei de você, vi potencial na sua pessoa e, em especial, nesse seu desejo.

— Quem é você...? Responde logo, seu arrombado!

— Calma, calma! Um passo de cada vez — acenou, sorrindo. — Você pode me chamar de um "amigo'', afinal, amigos gostam de ajudar uns aos outros, não é? E, Jacob, aqui entre nós, eu sei que você precisa de ajuda com uma coisa e isso é algo que eu posso fazer. Eu só preciso de sua colaboração em troca.

O baderneiro, por outro lado, não ia engolir nada disso.

— Como se eu fosse precisar da ajuda de um emo para alguma coisa...! A tua moda já passou faz sei lá quantos anos…!

Mais uma vez tentou acertar aquele estranho e enigmático jovem, mas do mesmo modo como ocorreu antes, ele apenas sumiu em pleno ar.

— Como eu dizia… — Mais uma vez, apareceu detrás dele. — Você quer a garota, não é? Eu sei que quer, já que estive observando esse tempo inteiro. Digo, o modo como você começou a fantasiar em voz alta sobre forçar ela foi bastante... Vamos deixar isso como “peculiar”, sim? Não quero arriscar ser ofensivo.

Ele aproximou-se, deixando sua voz ser escutada como um suspiro.

— Você quer ser ouvido, não é? Quer ter ela para você e fazer com que entenda tudo o que sente, cada pedaço do que guarda por dentro. É isso que você quer, não é?

Ouviu um breve som de algo feito de papel a dobrar em si mesmo.

— E se eu te disser que, felizmente, sei como te ajudar? Que eu sei precisamente o modo mais apropriado e certeiro de te auxiliar a chegar nisso?

Ele estendeu o papel na direção de Jacob. Trêmulo, o rapaz pegou o envelope branco, sem remetente, destinatário, ou qualquer outra informação que o identificasse.

Era apenas um invólucro branco, sem nada especial.

Se considerar minha proposta, peço que abra esse envelope. Pense na chance que estou te dando, Jacob. Abra esse envelope e você poderá ter tudo que sempre desejou.

Encarou a carta por um momento, ainda um tanto assustado com a aparente capacidade sobrenatural dele de sumir e se materializar em outro lugar.

Em alternância, sua mente correu pelo pensamento de ter Abigail, de conquistar a garota que sempre tem em mente a cada minuto do dia.

Será que isso iria de fato ajudar com esse sonho?

— Quando se sentir pronto, abra a carta. Ah, e não precisa se preocupar muito com o favor que quero de você. É algo bem fácil, que eu tenho certeza de que você conseguirá fazer. Vamos falar sobre isso caso considere.

Ele tomou distância do rapaz alto, caminhando devagar no rumo da mesma árvore de onde surgiu, ainda mais oculto nas sombras a cada segundo.

— A sua felicidade ao lado da garota depende apenas de sua escolha, Jacob Egan. Eu tenho certeza de que você não quer apenas viver de memórias do odor dos cabelos dela, não é? É por isso que peço que faça sua escolha.

Cobriu o rosto com seu capuz, enviando um último sorriso venenoso para seu mais novo parceiro.

— Vejo você por aí.

E com isso, a figura espontaneamente desapareceu, fazendo o lugar voltar a ser o que antes era, deixando-o sozinho com seus pensamentos, ou talvez nem tanto.

Estava sem palavras; não fazia ideia de quem era aquele cara e nem tinha interesse de descobrir, mas não iria ignorar aquela loucura que seus olhos o mostraram.

“Como ele conseguiu fazer aquilo?! Como aquele filho da puta sumiu assim?!”

Não sabia a resposta e não iria procurar. Não interessava de verdade saber. O único pensamento que tinha circundava aquela proposta.

Uma oportunidade de ter tudo o que sempre desejou... Não havia razão para não tentar, não é?

Pensar em todo o seu futuro com Abigail se tornando realidade já seria o suficiente para fazê-lo aceitar vinte vezes seguidas.

— O que será que tem dentro dessa coisa?

Olhando por fora, era só um pedaço dobrado de papel. De toda forma, tinha um certo peso e a coisa dentro não parecia ser outra página.

— Melhor olhar isso em casa.

Só jogou a coisa no bolso de qualquer jeito, dando seus passos pesados e largos para longe.

[...]

— Ryan…! Ryaaaan! Vamos lá, não seja assim comigo, seu chato…!

— Não, eu já disse que não vou te comprar doce nenhum.

— Não fala assim! Eu sei que você tá podre de rico aí! E nós somos amigos! Considere isso como um pagamento por ter te ajudado a estudar!

E ali, na saída da escola, estava o novato, tentando escapar das garras suplicantes de Ashley, que o seguia por cada canto, forçando seu máximo para extorquir alguma coisa.

— Não seja tão mau assim, Ryan! Vamoooos!

“Eu não imaginei que ela pudesse ser tão infantil”, pensou o Savoia. “Com que tipo de pessoa eu acabei me envolvendo?”

A sempre tão competente Ashley Brown se revelava como nada além de uma máscara… E isso não era uma surpresa, ao menos até esse ponto.

— Vai, eu tô pedindo com jeitinho! Ryan…! Huh…?

Foi então que focou sua atenção no mesmo lugar que ele olhava. Na rua, marchando pensativo, viram um rapaz alto e forte, de semblante irritado.

— Aquele não é o namorado da Abigail…? — levantou a sobrancelha. — Eu sempre achei esse cara muito esquisito… Espera aí…

Seu foco mudou para Ryan, que mirava em sua forma a sumir na pista.

— Não me diga que você vai arrumar briga com ele também…!

Para alguém que acabou de chegar na cidade, Ryan já tinha sua grande cota de inimigos e ficar fazendo mais deles não era lá muito sábio, isso sem citar todos os outros vários fatores envolvidos.

“Não posso continuar chamando atenção assim. Isso vai atrair o que eu menos quero ver.”

Tentava fortemente não deixar a paranoia tomar conta, porém não era como se isso fosse fácil, ao menos não com o pensamento de que qualquer um ali podia ser como ele.

“Eu ainda não sei bem o que pensar de tudo isso.”

Podia sentir o peso da noção sobre seus ombros. Não eram apenas Mark ou Lira, e em primeiro lugar, pensar assim seria ilógico.

Haviam outros e esses estavam por aí, apenas esperando por um comando ou deslize.

— Ashley.

A firmeza em sua voz assustou um pouco a garota, que notou o leve amargor de preocupação em seu semblante.

— Vamos, eu te compro um sorvete de manga.

Seria melhor desse jeito.

— Huh?! De onde foi que a sua atitude mudou tanto? E… Como é que você sabe que eu queria um sorvete de manga?!

Tinha de evitar se envolver em problemas. Não precisava de mais preocupações ainda.

— Ryan…! Me responde…! Droga…! — Em seus passos impacientes, se pôs a segui-lo.



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