Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Nova cidade, Nova vida

Capítulo 21: Erro Irreparável

O único olho brilhante em azul profundo reluzia por entre as paredes do corredor escuro, mostrando todo o seu peso.

— Nem mesmo pense em gritar — lambeu os lábios ao dizer. — Você vai ser perfeito para ser minha próxima obra prima.

Ele, enfim, estava lá: aquele que Ryan não queria pensar em ter que confrontar.

Era o homem — ou melhor, o garoto — que toda a Elderlog procurava incansavelmente, o responsável por todas as mortes artisticamente macabras ocorridas nas últimas semanas.

Ryan tentava ao máximo manter sua calma, focando entre as tachinhas no chão e a vista desse mero adolescente. Não negava estar surpreso com sua identidade.

— Eu pensei que fosse alguém mais velho, Perfurador de Elderlog...

Era um blefe, e seu então oponente sabia disso como ninguém. Seu rosto se encheu em regozijo e felicidade imensos ao se deparar com esses tremores. 

Isso era bom. Ele gostava que suas presas tentassem se fazer de fortes.

— Me sinto lisonjeado — levou a destra ao peito. — Falando a verdade, você não é o primeiro que pensa assim.

“É de se imaginar”, pensou, mordendo seu lábio inferior. — Eu não diria que isso foi um elogio...

Não tinha a mínima noção do que estava fazendo. Suas decisões na hora de falar algo não lhe pareciam certas, mas só entendia isso segundos depois de já ter dito. 

Felizmente, o assassino parecia gostar desse jeito de guiar as coisas.

— Hahahaha! Você é uma coisa e tanto comparado com os outros...! — riu, claramente se divertindo. — Eu me pergunto como você vai ficar depois que...

Sua mão direita levantada fez moverem os objetos no ar. Como em um passe de mágica, as várias tachinhas sobre o chão começaram a se mover.

Os objetos flutuaram no ar, sustentados por algum tipo de força invisível. Não eram muitas, mas as seis tachinhas prontas para atacar faziam parecer que podiam matar qualquer um.

— Oh...? Isso é novo...

No entanto, parou de repente, e logo ao baixar sua mão, os objetos caíram de volta para onde estavam.

— Esse olhar no seu rosto... Isso é um pouco mais especial do que eu imaginava...

O responsável por tantas mortes se mostrou por inteiro, para além dos limites do escuro banheiro masculino. Em nenhum momento, tirou o olhar de quem julgou ser tão interessante.

E quando mostrou seus dois olhos enfim, restou o braço esquerdo estendido para dentro.

— É um tipo diferente de surpresa, essa sua...  É uma que eu ainda tinha de ver...

A visão de Ryan vacilava entre três pontos distintos, não sabendo se deveria focar mais no cara, nas tachinhas ou no braço esquerdo e seu segredo.

Mas ouvir isso o fez ganhar um alvo específico, o forçando a focar com intensidade no adolescente de cabelos castanhos desgrenhados.

— Você... Não pode ser o que eu estou pensando, certo? Você não pode ser um deles, não é mesmo...?

“Merda”, mordeu a ponta de sua língua, já antes tendo chegado à mesma conclusão.

Qualquer pessoa comum reagiria de um modo bem mais extremo a objetos voando, e não precisava pensar muito para chegar a essa conclusão.

— Eu não conheço esse olhar, mas ele me diz que você já viu isso antes... Interessante! Bem, nesse caso...

Abriu um sorriso ainda mais louco, mirando diretamente no centro do peito de Ryan.

— Então deixa eu te mostrar uma coisa, amigo de poderes...!

Revelou o corpo inteiro enfim e, como suspeitado, ele de fato carregava algo, coisa essa que, há não muito tempo, foi alguém conhecido do novato na cidade.

Cabelos castanhos ondulados, agora manchados de sangue... Olhos castanhos da cor de mel, que não podiam ser vistos... Uma atitude um tanto irritante, mas que cuja voz jamais seria ouvida…

Era o corpo de Ashley Brown.

Ela tinha incontáveis objetos a perfurarem cada ponto. Eram facas de corte, lápis, pedaços de giz branco, cacos de vidro e até mesmo pequenas colheres de sobremesa somadas a palitos de grafite. 

O que antes foi um dia uma vivaz e alegre garota agora não passava de um alvo para tiros que precisava ser substituído.

Nem mesmo sangrava, pois os objetos tapavam as saídas de forma cirúrgica, trazendo uma morte lenta e agonizante, excessivamente brutal.

E ali estava ela, imóvel, sendo arrastada por aí como uma boneca quebrada.

— Ah… Tô vendo que você conhece ela…!

— Ashley… — suspirou seu nome. — Você… Matou a Ashley…

— Ah, então o nome dela é Ashley...? É bonito, assim como ela!

O Savoia não tinha palavras, seu corpo falhando em processar as inúmeras sensações pelas quais passava em simultâneo.

Não era sua primeira vez diante da morte, embora, para uma coisa, de fato fosse.

— Ashley… Ashley… Ashley…! Um lindo nome para uma linda garota! — cantarolou, extático. — Olhar para você agora me faz perguntar o motivo de ela estar chorando quando a encontrei, sabia?

Sentiu os lábios tremerem.

— Chorando…?

O rapaz o fitou com certa seriedade.

— Eu encontrei ela no banheiro feminino, depois de me esconder por ter feito uma baguncinha a mais…

A menção de outras mortes o fez soltar ar por entre os dentes, mas não tentou impedi-lo de continuar.

— Quando eu entrei, lá estava ela, com o rosto todo vermelho e molhado, chamando alguém de todos os tipos de nomes possíveis… Foi uma baita cena, porque eu acho que nunca ouvi tantos palavrões diferentes seguidos!

Ryan respondia inexpressivo, embora, por dentro, se remoesse em agonia.

O assassino foi veloz em tomar nota disso, por mais oculto que fosse.

— Ah…? — ergueu a sobrancelha. — Não me diga que…

Outra vez, o sorriso foi o que tomou seu semblante. Ele apontou um dedo para Ryan, caçoando do recém-chegado na cidade.

— Então foi você que fez ela chorar…! Ha! Que reviravolta de eventos! Cara… Eu me pergunto que tipo de merda você falou com ela para deixá-la daquele jeito…! Puta que pariu, você é podre!

Parou para admirar sua obra de arte, levando sua mão direita até a mandíbula do cadáver. Foi naquele momento que Ryan sentiu o mais absoluto terror perfurar seu peito.

— Olhe para mim...! Olhe para o que você fez comigo! Você me feriu e por isso eu fiquei sozinha! Foi por sua causa que ele me encontrou!

A imitação forçada e caricata ao extremo de uma voz feminina era apenas a cereja no topo do bolo, já que o olhar morto de Ashley era o que havia de mais frio.

Apenas o esquerdo sobrava, pois no lugar do direito, uma caneta azul comum estava fincada.

— Por quê? Por que você fez isso comigo? Por que me disse aquelas coisas? Por que teve de me machucar tanto?

Ele a controlava como um boneco de ventríloquo, movendo a mandíbula já rígida da menina para cima e para baixo, em um ritmo nauseante.

“Eu… Eu não fiz isso…”

— Você me matou e sabe disso!

Não era para ser desse jeito; não era parte do plano. Claro, ele não negaria ter sido mau com Ashley em suas palavras, mas…

“Eu só… Precisava fazer ela esquecer de tudo depois…!”

Apenas um toque seu e ela voltaria a ser amigável e próxima a ele, mesmo que apenas pelo puro interesse de alguma fama a mais. 

Um toque, e tudo seria esquecido… Qualquer dor, raiva ou ressentimento, ele apagaria de sua existência.

“Não era para acontecer assim…! Isso tá errado…!”

Durante quase seis anos, Ryan usou de seu poder para consertar qualquer problema. Com sua maestria sobre memórias, bastava voltar alguns segundos no passado.

Ele nunca se preocupou em ser educado ou calcular suas palavras, ciente de que qualquer inconveniente poderia ser resolvido com um toque e alguns segundos de concentração.

Não havia situação da qual não pudesse escapar ou coisa que fosse incapaz de fazer quando bem quisesse. Não lhe existiam impedimentos.

— Eu tive tanto medo do Perfurador de Elderlog e das mortes dele passando na TV... Seria melhor se eu nem tivesse vindo para a escola hoje, não acha? Ah, mas isso não importa mais, agora que eu estou morta… Por sua culpa!

Agora, no entanto, não tinha como voltar atrás.

“Isso… Não era… Não era para ser desse jeito… Eu ia consertar… Eu… Ia…!”

De repente, passou a sentir nojo de si mesmo.

“O jeito como ele lida com isso... Com as vidas das outras pessoas…”

Olhando para trás, não foi isso o que ele sempre fez? Ryan pode não ter matado, porém o pecado permanecia o mesmo.

“Esse jeito que ele trata as pessoas…!”

A sensação disso se tornou espontaneamente horrível, agora que não era mais inocente.

— Olhe para mim agora! Tem uma ponta de lápis atravessando a minha língua...! Não ficou engraçado?!

“Para de ficar mexendo esse corpo desse jeito, seu filho da puta desgraçado…”

Não havia como escapar. Por bem ou por mal, seus dias de brincar com esse poder de modo tão inconsequente há muito tempo já haviam chegado ao fim.

Ele apenas demorou tempo demais para notar isso.

— Olá, eu sou Ashley! A mais recente vítima do Perfurador de Elderlog! Eu demorei exatamente 2 minutos e 48 segundos para morrer!

— Para com isso... Seu doente do cacete...

— Hein? Disse alguma coisa? — questionou em sua voz normal. — Ouviu alguma coisa, Ashley?

E de novo mudou seu foco para o cadáver.

— Não! Não ouvi nadinha, Sr. Perfurador de Elderlog!

— Eu mandei... Você largar a porcaria desse corpo e cair para dentro...!

Foi a vez de Ryan revelar o seu segredo. Erguido por completo, o mais novo aluno da escola respondeu ao assassino na mesma moeda, mostrando seu próprio par de olhos brilhantes.

— Ooh...! Eles não me contaram sobre você... — encheu-se de antecipação com isso. — Não era de você que eu estava atrás...! Mas que surpresa boa!

O Perfurador de Elderlog levantou o corpo de sua mais recente vítima à frente de si em resposta à proposição do outro estudante.

— Tudo bem... Vamos nessa! — entoou em voz alta. — Se prepare para virar a minha próxima obra de arte!

De repente, todas as facas, canetas e demais aparatos com pontas deixaram o cadáver de Ashley, sendo todos puxados simultaneamente.

Como em várias torneiras sendo abertas, isso liberou a passagem do sangue, que se acumulou em uma poça enorme, abaixo dela, escorrendo em volumes exorbitantes.

— E essas aqui também...!

Largou o corpo da menina no mesmo chão sobre o qual sangrou, usando de seu braço esquerdo agora livre para levantar as tachinhas do chão com a mesma força sobrenatural.

— E mais essas!

Outras tachinhas vindas dos informativos presos ao longo do corredor também se uniram à soma. Isso fez todos os folhetos que mantinham presos caírem, sem rumo.

Cada coisa o orbitava como uma lua circula seu planeta designado, criando ambos ataque e defesa de aparência inabalável.

— Agora eu tô perfeitamente pronto...! — anunciou, abrindo um sorriso largo.

Moveu sua mão em um gesto de batida, jogando uma parte das tachinhas. As pontas se ajustaram, flutuando imóveis no ar como se existisse uma parede invisível à qual estivessem presas.

“... Droga...!”

Não tinha como dar tempo aos olhos. Antes mesmo de qualquer sinal, rolou desesperadamente para a esquerda, ouvindo o choque das agulhas, à distância.

— Reflexos rápidos, cara! Mas vamos ver quanto é que isso dura!

Mal teve tempo de se orientar quando viu seu oponente no mesmo espaço que ele, mirando um conjunto de cacos afiados de vidro e algumas canetas comuns.

— Tenta se defender dessa aqui...!



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