Volume 10

Capítulo 369: A responsabilidade de ser querido

Eu saí do banho.

Haru e Carol ainda estavam no banho, então eu joguei Reversi1 com Sheena Nº3 enquanto esperava.

Como compramos o tabuleiro em Mallegory, em vez de ser algo que Miri trouxe com ela em sua bolsa de itens, ele era feito de metal e o preço era bastante alto.

Havia até ímãs embutidos nas pedras, mas, por algum motivo, as pedras não eram pretas e brancas, mas sim vermelhas com a cor preta na outra face.

O proprietário alegou que este era o Reversi original, mas Carol disse que devia ser porque a tinta vermelha era mais barata que a branca.

Aliás, aquela partida de Reversi... não foi nada divertida.

— Três vitórias consecutivas para Sheena Nº3! Campeã!

Eu não consegui vencer.

Foi uma derrota completa.

Talvez porque ela ainda mantinha vestígios de ser uma Autômata (Boneca-Máquina de Alto Desempenho)?

Este jogo de Reversi poderia revelar o caráter da pessoa que estava jogando.

Haru atacava com rapidez. Mas seus ataques eram fracos.

Isso não significava que ela era um cérebro de músculos, mas era suscetível a armadilhas.

Ela não achava irritante perder para mim e ficava bastante orgulhosa, mas normalmente se sentia relutante em terminar um jogo no meio da partida. Ela não iria expressar, mas seu rabo dizia isso. Por causa disso, jogamos Reversi por mais de uma hora, então decidi não jogar antes de nossas atividades noturnas.

Carol era um pouco melhor que eu. Ela era o tipo de pessoa que pensava com cuidado e usava uma abordagem bastante sólida. Além disso, Carol tende a conversar durante os jogos de Reversi. Ela usava isso não como um jogo, mas como uma ferramenta de comunicação.

Pionia e Neete eram tão fortes quanto Sheena Nº3. Era impossível para eu vencê-las.

Pionia colocaria as pedras nos locais, venceria e partiria. Não havia espaço para conversas.

Neete sugeriria que o perdedor teria que se despir. Ela era tão persistente que aceitei com a condição de que o limite fosse até nossas roupas íntimas, foi então que Neete perdeu de propósito. Consegui vencer mesmo quando tentava desesperadamente perder. Então, ela tirou as roupas. Uma exibicionista... ou melhor, ela estava me tentando.

Eu pensei que teria sido perigoso se ela tivesse um corpo um pouco mais adulto.

— Você quer outra partida?

Propus enquanto guardava as pedras no tabuleiro e devolvia-as a caixa (a regra oficial do Meu Mundo era que a pessoa que perdia o jogo deveria guardar as pedras).

Eu pensei que ela com certeza iria aceitar outra partida, mas, para minha surpresa, Sheena Nº3 balançou a cabeça.

— Vamos parar. Mestre, você não apenas é fraco, como também não pode vencer Sheena Nº3 se sua cabeça estiver nas nuvens.

— Estou distraído? Sem chances…

Eu não poderia dizer que ela estava errada.

Estava tudo bem jogar sem preocupação enquanto Mallegory estava nessa situação? Pensei comigo mesmo, mas isso era uma tarefa para os funcionários do governo da cidade.

No entanto, depois de ouvir o desejo desesperado de Flute e considerar os demônios que estavam envolvidos nesse incidente, estava mesmo tudo bem não fazer nada? Não havia nada que eu pudesse fazer? Eu não pude deixar de pensar nisso.

Tudo o que eu podia fazer era dissipar a maldição sempre que uma pessoa atingida por ela fosse encontrada.

— O Mestre entende a situação até certo ponto, desu. Você está pensando se pode fazer algo, desu?

— Neete me disse que não precisava me envolver em tudo.

— É mesmo, desu? Se fosse Effie, o personagem principal de Nyapiece, tenho certeza... o que ele faria?

Sheena Nº3 parecia estar prestes a dizer algo bom, mas as palavras não vieram à mente.

Bem, eu sabia o que ela queria dizer, então suspirei e respondi:

— Não me compare a personagens de anime. Os protagonistas de animes e mangás têm rotas que podem ser resolvidas desde o início. Por exemplo, em um romance policial, não haverá criminoso que possa cometer um crime perfeito e sempre haverá algum tipo de evidência sendo deixada para trás. Mas, na realidade, é difícil encontrar qualquer evidência e é raro um único detetive ou policial resolver um caso por conta própria.

— Se você quiser usar esse exemplo, é raro para um detetive se deparar com um assassinato toda semana, desu.

Isso já havia sido dito milhares de vezes antes, então não havia necessidade de perdermos tempo agora.

Com isso dito, não pude negar com veemência, porque estive envolvido em algum tipo de incidente em todas as cidades e países que visitei.

— Em resumo, a menos que Deus manipule o destino, uma pessoa comum não pode resolver tudo.

Nesse caso, Deus era o autor e o roteirista.

— Mas o Mestre é capaz de invocar Deus, não é, desu?

Sheena Nº3 não pôde entender a metáfora.

— ... embora estritamente falando, são Deusas, não é?

Eu só poderia refutar o argumento inesperado dela com isso.

Tet-sama disse que as pessoas da Terra invocadas para este mundo eram existências destinadas a proteger o mundo do destino da destruição. Por isso fui transferido do Japão...

Eu era o agente da manipulação.

Mesmo assim, não me foi dada nenhuma missão especial e parecia que apenas vivendo livremente eu poderia salvar o mundo.

— Só me disseram para viver com liberdade... não havia nada sobre o destino.

— Se o Mestre quer viver com liberdade, o que o Mestre deseja fazer, desu?

— Eu quero flertar com Haru e Carol.

— Sheena Nº3 estará sempre aberta a flertar com o Mestre, desu. Afinal, o Mestre ama a Sheena Nº3.

— Sim, sim, eu gosto de você.

— Isso é tão superficial que é ainda mais difícil do que ser totalmente rejeitada! Chega, desu!

Sheena Nº3 disse e agiu como se estivesse chorando.

Isso me fez lembrar quando ela me disse que seu cabelo foi comido pelo Centauro. Agora, ele foi restaurado lindamente.

Parecia que ela estava cansada de agir como se estivesse chorando, pois olhou nos meus olhos e perguntou:

— O que Sheena Nº3 precisa fazer para ser aceita pelo Mestre, desu?

— …

— Sheena Nº3 ama o Mestre. Sheena Nº3 está apaixonada pelo Mestre desde o dia em que você lutou contra o Leviatã para salvar minha vida, desu.

— ... você me chamou de intruso e me atacou quando eu estava em Deijima.

— Não me lembro disso, desu.

Parecia que este ciborgue de alto desempenho foi instalado com a função de esquecer, de forma muito conveniente, qualquer coisa que fosse inconveniente.

— O Mestre deve assumir a responsabilidade por salvar Sheena Nº3.

— A responsabilidade por salvá-la, hein...

— Você não assumiu a responsabilidade por salvar as Elfas-Negras?

— Bem, as circunstâncias delas eram diferentes. Eu as salvei seguindo minha própria vontade...

Na realidade, as situações eram as mesmas.

Sheena Nº3 estava preparada para morrer na ilha do sul naquela época.

E eu a salvei porque quis.

E foi o mesmo com Flute.

— Se você quiser salvar uma pessoa, tem que ajudá-la até o fim? Não se arrepender no meio do caminho, algo assim?

— Totalmente errado, desu.

Sheena Nº3 olhou para mim com um olhar espantado e balançou a cabeça.

Fiquei um pouco zangado ao vê-la tirar sarro de mim.

— Hã? Foi você quem me disse para assumir a responsabilidade.

— A responsabilidade que mencionei era a responsabilidade do Mestre de ser querido, desu. Sheena Nº3 e as Elfas-Negras amam o Mestre, desu! Então o Mestre tem a responsabilidade de responder a esses sentimentos, desu.

— Assumir a responsabilidade de ser amado aceitando a todas? Que tipo de mangá de harém é esse?

— Aceitar as Elfas-Negras e Sheena Nº3 não nos engravidará, então recomendo isso ao Mestre que odeia a palavra responsabilidade, desu.

Como acabamos com eu odiando a palavra "responsabilidade"?

... embora eu realmente não gostasse dela.

— Fugimos muito do assunto! Esta conversa era sobre como eu deveria viver com liberdade.

Eu pensei que era ruim para eu dizer que queria passar meu tempo flertando com Haru e Carol, mas achei melhor empurrar a responsabilidade para Sheena Nº3 por enquanto.

— Eu pensei que poderia fazer qualquer coisa com o poder obtido da trapaça do Desempregado e do Crescimento. Mas isso não era verdade. Como no seu caso, o Leviatã acabou com a ilha. Na Ilha Deijima, protegi o local do ataque do monstro, mas Miri foi levada. No Principado de Nicplan, no final, não pude atrasar as tropas para permitir que elas escapassem. Mesmo que eu pudesse escolher o caminho ideal, eu não poderia encontrar a melhor rota. Mesmo que não fosse um game over e eu pudesse ter um fim normal, eu não poderia chegar ao final verdadeiro.

Fiquei pensando sobre isso.

Eu poderia ter feito melhor?

Se fosse Miri, que conseguiu esse poder em vez de mim, ela provavelmente poderia ter pensado em métodos que eu não pensaria e todos ficariam felizes.

Meus pensamentos estavam nessas linhas.

— Mestre? Será que o "verdadeiro" no final verdadeiro significa "real", desu?

— Isso é algo óbvio que não precisa ser dito. É uma figura de linguagem...

— Eu não entendo, desu. Não entendo qual é o melhor final que o Mestre busca, mas Sheena Nº3 e as Elfas-Negras estão satisfeitas e este é o verdadeiro final para todas, desu. E é um final feliz, desu. É por isso que não quero que o Mestre pense que essa realidade não é verdadeira, desu. Não quero que o Mestre pense nisso como não real, mesmo que seja uma figura de linguagem, desu.

Sheena Nº3 disse e me circulou para envolver seus braços em volta de mim.

— Por favor, não negue a realidade (felicidade) que o Mestre nos deu.

Ela falou com uma voz suave que poderia ser ouvida por causa da nossa proximidade.

— Você... o que aconteceu com o final de sua frase...

A atitude de Sheena Nº3 não tinha precedentes, então só conseguia pensar nessa resposta.

Então, perguntei a ela:

— Sheena Nº3, o que você acha que eu deveria fazer?

— Primeiro, o Mestre deve pensar no que você quer fazer. Não pense se é realmente possível ou se vai incomodar alguém, desu.

— O que eu quero fazer...

Eu tinha três coisas que queria fazer para este incidente.

Queria resolver a questão da maldição do frenesi.

Queria ajudar os demônios levados para a igreja.

Queria devolver Flute à sua família e companheiros.

Deixando tudo isso junto, nenhuma dessas opções parecia alcançável.

— Essa é uma expressão sóbria, desu.

— Meio que sim. Eu estou derrotado pela minha impotência.

— A impotência do Desempregado, desu.

— Cale a boca! Então, o que devo fazer a seguir?

— Vamos fazer todos pensarem nisso juntos, desu. Todo mundo sem dúvidas pode ajudar de alguma forma, desu.

Depois que Sheena Nº3 disse isso, de repente, ouvi vozes atrás de nós:

— Sim. Eu sou a espada e o escudo do Mestre. Se o Mestre desejar, eu vou fazer o meu melhor.

— Carol também vai dar o seu melhor para qualquer coisa que Ichino-sama desejar. Por favor, vá em frente e peça.

Haru e Carol apareceram atrás de mim sem que eu notasse.

Eu não percebi.

— Eu poderia emprestar sua força?

— Não é emprestar. Minha força sempre pertenceu ao Mestre.

— Além disso, o que quer que Ichino-Sama queira é provavelmente o que Carol e as outras também querem.

Haru e Carol disseram.

Carol, não, as duas deviam saber o que eu queria fazer. No entanto, elas disseram que pensariam na melhor estratégia comigo.

Eu parecia um idiota por me preocupar e decidir que seria impossível.

"A responsabilidade de ser querido..."

Eu me lembrei.

Responsabilidade era uma prova de confiança.

Haru e Carol, não, todas aqui confiavam em mim. Era por isso que elas não hesitariam em me ajudar.

Eu passei a gostar um pouco mais da palavra "responsabilidade".


Nota

[1] Reversi, ou Othello, é um jogo de tabuleiro de estratégia para dois jogadores, jogado em um tabuleiro 8×8, normalmente da cor verde. Há sessenta e quatro peças de jogo idênticas chamadas discos, que são claras de um lado e escuras do outro. Os jogadores se revezam colocando peças no tabuleiro com a cor atribuída voltada para cima. Durante uma jogada, quaisquer peças da cor do adversário que estejam em linha reta (horizontal, vertical ou diagonal) e limitados pelo disco acabado de colocar e outro disco da cor do jogador atual serão revertidos (viradas) à cor do jogador atual.



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