Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 28: Rota para Basin-C

 

PLAYER: [Juniorai]

 

 

— Arf! Arf! arf! ...! — A fumaça ainda estava espessa, escondendo todo um cenário arruinado. — Arthur! Arthur!

Nenhuma resposta. Aquela espera já estava me matando e a tensão só aumentava. A única coisa que respondeu a minha voz naquele caos era o maldito do Picker, aquela bolinha olhuda sacana!

— Você não viu nada por cima? — perguntei pra ele.

Wiwiwiwi! — acho que ele queria dizer que estava muito escuro mesmo lá de cima, zunindo daquele jeito.

Ótimo... — suspiro.

Caminhei um pouco com Picker pousado no meu ombro como um papagaio pirata — ou um pokemon, vejam como preferem —, observando cuidadosamente tudo em volta. Temia por haver buracos ou pilares que ainda não despawnaram totalmente.

E eis que encontro uma surpresa:

— ...! Que merda...

Era a pequena chefe loli da Torre do Maquinário, estatelada no chão. Estava completamente derrotada. Seu pequeno corpo mecânico estava despedaçado e queimado.

“Isso significa... que acabou?”, imaginei, já que ela não tinha mais capacidade de lutar. Não! Espera! Não é ela o chefe da Raid! Ela não é minha inimiga. Veio de supetão na minha mente instante depois. Não demorei em pensamentos e segui caminhando até encontra-lo.

A fumaça ia se dissipando devagar, se esvaindo pelas frestas do mapa.

E agora? Notei uma silhueta andando torto na minha direção. Se Arthur ainda estivesse descontrolado, como revidaria.

— Tsc!

— Junior?

Era ele mesmo. Porém, não estava mais possuído. Seu rosto estava normal e as escamas escarlates haviam sumido de seu corpo.

— Arthur?

— Cara... o que foi que aconteceu? Estou com uma dor desgraçada no meu pescoço... — disse Arthur, a mão repousada sobre a nuca enquanto mexia a cabeça pra lá e pra cá.

— Como assim?

— “Como assim” o que? Só estou com dor no pescoço!

“Ele realmente não se lembra de nada?”

— Onde está Riful? E os golens? O que aconteceu com eles?

Eu fiquei com certo receio de tentar explicar aquilo, então só deixei pra lá. Arthur não entende minha reação e antes que prosseguisse com alguma pergunta, ele se depara com Riful caída no chão. — Oh! Você a derrotou?! Sério? — Arthur grita apontando para ela.

— Bom... mais ou menos... — respondi, meio sem jeito.

— Wiwiwi! Wiiiii! — zumbiu Picker, rodopiando minha cabeça.

— Ai, ai! Droga, Picker! O que foi agora?! Pensa que eu esqueci o que você fez comigo antes?

Ele voou em direção à loli quebrada no chão. Algo preto escorria dos seus olhos estáticos, lembrando lágrimas.

— Pa... pai...

— Ainda está viva?

— Eu... fa... lhei...

— O que ela está dizendo? — inquiriu Arthur sem entender a cena.

No entanto, eu já tinha mais ou menos uma ideia do que estava acontecendo. A batalha do chefe de Raid se encerrou e agora estávamos presenciando outra cutscene. Já aparecia um sinal em minha visão que a missão principal foi cumprida.

Me aproximei dela e fiquei de cócoras ao seu lado, a observando.

— Não... pude... pro... te... ger...

Permaneço em silêncio. Arthur e Picker também fazem o mesmo.

— Me... per... doe... pa... pai...

Em algo praticamente automático, eu repousei minha mão em sua testa. Seus olhos estavam baixos e escuros, como se não pudesse enxergar nada — além de que escorriam aquele óleo preto.

— Não diga isso, sua idiota. — Comecei a falar. Sua expressão muda de repente, sinal de que ela escutava minha voz. — Você foi incrível. Papai está orgulhoso de você!

“O que? Por que eu estou dizendo isso?”

Ela torceu os lábios.

Mais óleo escorreu de seus olhos moribundos. Esse é o meu papai, é o que ela devia estar pensando naquele instante.

— Eu... fui... uma... boa... menina? — perguntou, sua voz falhando bastante.

— Você foi a melhor! — Respondi, afagando sua testa. — Sempre acreditei em você e até o final... você nunca me decepcionou. Você... é a melhor, Riful!

E então ela fechou os olhos, um sorriso sendo desenhado em seu rosto pela primeira vez.

— Es... tou... tão... feliz...

E seu corpo se desfaz em vários cubinhos minúsculos que vão ficando cada vez menores até desaparecerem por completo, deixando para trás apenas uma coisa: um item!

 


ITENS

 //TERMONÚCLEO ARDENTE DE RIFUL(LENDÁRIO)// x1 ADQUIRIDO!

 //IDIOTITA// x75 ADQUIRIDO!


 

 

//IDIOTITA//? Que raios de recurso é esse? E por que tem um nome tão... sugestivo?

Eu me surpreendia cada vez mais com esse jogo. E principalmente com seus nomes.

Apanhei o item do chão e coloquei em meu inventário. Só podia ser aquele que Bazz7 estava esperando. Dei uma rápida conferida nele e mostrava que era um item [LENDÁRIO], o que não devia ser nada fácil de conseguir.

A chance de dropar um item daquele devia de 1 em 10.000 —, mas nessa o roteiro deu uma ajudinha pra gente, não é?

— Juniorai... — Arthur finalmente falou algo.

— ...?

— Você está bem? — perguntou ele com um rosto nitidamente preocupado.

— Estou de boa, cara! Só... — A garganta emperrou de repente. Era como se aquele acontecimento tivesse impactado em mim de alguma forma que nem mesmo eu podia dizer. —... que estou um pouco cansado. A batalha foi bem longa.

Arthur nada respondeu. Picker planou do ombro dele até mim e empurrou minha brafoneira, indicando que queria voltar para sua “toca”. Acho que depois de tudo isso, ele merecia também.

A fumaça finalmente se dissipou completamente e nos mostrou um espaço aberto. O corredor onde estávamos sumiu e deixou apenas um salão vazio e devastado pela batalha feroz de antes. Na parte mais para Oeste do lugar um pilar luminoso surgiu, se mostrando para nós como a saída do lugar.

Uma espécie de portal que nos levaria para o acampamento de novo.  

 

 

 

Entramos pelo portal e saímos bem mais longe do que pensávamos. Tipo... bem mais longe mesmo!

Nos deparamos com um piso arenoso e quente assim que passamos pela passagem, além de um sol causticante que até então nossas peles não se lembravam mais do calor.

— Estamos na praia?! — perguntei, escondendo meus olhos da claridade do lugar com as mãos.

— Parece que sim, mas... qual praia exatamente? — Arthur fez outra por cima.

Demorou algum tempo para meus olhos se acostumarem à claridade do ambiente. Olhei para um lado e para outro, mas não vi um sinal de uma alma viva que pudesse nos indicar onde estávamos.

Tive que apelar para meu mapa. Fechei os olhos e pus dois dedos nas têmporas, imaginando visualiza-lo. Em minha mente, uma planilha da região se mostrou para mim em modo cartográfico, partes reveladas, partes escuras — sendo as escuras as regiões e cantos que eu ainda não tinha explorado — e me mostrou exatamente onde estávamos.

— Praia Skin — digo o nome do lugar. Arthur dá de ombros.

— Nunca ouvir falar desse lugar.

— Estamos na costa, bem no extremo da região.

— Isso dá pra saber porque estamos em uma praia, né cabeção? — retrucou Arthur, seco.

— Ah, meu chapa, não quero saber. Podia ter praias no centro dessa bodega, iam continuar sendo praias! — rebati com a mesma aspereza.

— E por que saímos tão longe do acampamento? — perguntou Arthur já começando a suar.

— Não acha que está fazendo perguntas difíceis demais?

— Ué... não foi você que criou esse mundo todo? Deve saber coisas assim, não é? — interpelou o maldito, usando do argumento fatal.

— Sei lá, porra. Eu também não sou o Todo-Poderoso que tudo sabe não! Na verdade, a grande maioria das coisas ou eu não sei, ou não tenho certeza.

— É... você realmente não tem muita cara de ser um deus ou algo do tipo... — disse Arthur, provocando.

— Wiwiwi. — Picker pareceu concordar com ele, com aquele “wiwi” abafado de dentro da brafoneira.

— Ora, seus...!

— E então... o que nós fazemos agora? — Arthur volta ao cerne da questão depois de me zoar com aquele maldito limão olhudo.

— Era pra gente se encontrar com a Justine em algum canto, não é? — disse aquilo esperando que o Arthur me confirmasse a memória.

Ele pendeu a cabeça um pouco para a esquerda, levantando uma sobrancelha.

— Sei lá...

— Que merda, Arthur!

— E aquele navio ali? A gente pode perguntar para eles, não é? — Ele apontou ao longe, um barco que lembrava mais um veleiro que um navio, se aproximando bem próximo da praia.

— JUNIOOOOOOOOOORAI! — Uma voz irritantemente familiar chamou por mim, vindo do navio.

Outras vozes podiam ser escutadas de fundo, mas a que se destacava era aquela.

— Espera aí... — Corri pela faixa de areia até chegar na água, onde as ondas respingavam sua água salgada em mim. Com o tempo ensolarado que estava, aliada ao cansaço e a sujeira no corpo, estava tentado a mergulhar ali mesmo.

E então que a voz ficou finalmente distinguível e eu pude saber quem era. Era a protótipo de aventureira, Justine, o trio de aventureiros beberrões coadjuvantes, a maga tampinha com uma caixa de parafusos a menos e uma novidade: um coelho — um menino coelho para ser mais exato.

Ela veio nos encontrar de forma até... inesperada, eu diria. Pelo menos fiquei tranquilo quanto ao horário marcado.

Agora era só embarcar rumo à ||CIDADE DOS COMERCIANTES|| novamente.

 

 

 

— Ai, que bom! Conseguiram mesmo! Sobreviveram à ||TORRE DO MAQUINÁRIO||! — Justine veio saltitando até nós e me abraçou. E então me deu um tapa na cara logo em seguida. — N-n-não que e-eu estivesse preocupada com vocês, é óbvio! Q-que fique bem claro isso!

— Ai, ai, ai! E precisa me bater, criatura?! — gritei.

— Como ousa gritar com um membro da grande família Lidooberry, seu mendigo sujo e caricato?! — ela gritou de volta.

— “Grande família Lidooberry”, o caralho! E “caricato”?! Você tem o que?! 90 anos?!

— Eu vou fazer você engolir essas palavras, seu plebeu do lixo, com minha mais nova habilidade!

— Que habilidade? Se esgoelar até eu morrer?!

Ela soltou um riso maldoso, como se estivesse debochando das minhas palavras.

— Então você vai comtemplar meu mais novo poder! Observe bem, escória, o poder com o qual a filha unigênita e a aventureira mais forte de todos, Justine, irá dominar o mundo! Ajoelhe-se perante o meu poder!

Ela estendeu a mão para a frente e ficou parada com uma pose pomposa de Ojou-sama e uma expressão confiante, talvez esperando que eu voasse longe ou algo assim.

Ótimo! Além de complexada e estranha, ainda tinha problemas mentais.

— Então... era pra acontecer alguma coisa?

E então aquela postura de superioridade e arrogância é quebrada por uma cômica careta de surpresa. Ela ficou apontando sua mão espalmada para mim de novo e de novo, movendo os dedos em direções aleatórias e sem entender nada.

— N-n-não estou entendendo... por que eu... não consigo usar meu poder?

Segurei um riso.

— Vai ver é porque não tem! Hahahaha! — gargalhei.

— Ah... Junior? — Arthur me chamou atenção.

Os olhos de Justine brilharam, seu rosto corou e ela fez uma cara de quem iria chorar. Me fez até parecer um monstro — senti até um pouco de culpa, mas depois passou quando lembrei que ela era bipolar.

— Como... pode ser tão cruel?

— Ah...?

— Eu te odeio! — E mais um tapão na cara o qual o estralo pôde ser ouvido até pelas aves que voavam no céu.

— AAAAAHHH!

Após uma série de gritos, xingamentos e tapas na cara depois, finalmente pudemos conversar como pessoas civilizadas e normais — até porque conversar com o rosto vermelho e esquentado à tapa era ótimo.

— Muito bem... como foi lá? O que Bazz7 mandou vocês pegarem para ele?

Eu retirei o item do meu inventário e o materializei em minha mão. O pequeno prisma metálico e extremamente luminoso ofuscava nossas visões. Não era possível ver ao certo seus traços e distinguir ao certo como era de fato o objeto, mas sabia que era um prisma pela forma do ícone que aparecia no inventário.

— Uou! — o grandão Ludwig exclamou, espantado.

— Que é isso? — perguntou Laimonas, cobrindo os olhos com as mãos.

— Que quantidade absurda de mana é essa? Essa coisa é perigosa! — disse Lucy, o rosto virado evitando contato direito com o item.

— Esse é o //TERMONÚCLEO ARDENTE DE RIFUL//. Ele é um núcleo criado com tecnomagia muito antiga e que não existe aqui no continente. É o resultado de vários experimentos unidos com magias de absorção proibidas os quais gera, em quantidades praticamente ilimitadas, mana aos dispositivos que estão ligados a ele. — expliquei, categoricamente e com detalhes.

Os olhos de todos brilharam, principalmente os da maga tampinha.

— Nossa! Que objeto fantástico! Queria ter um tempo para estudar essa belezinha! — exclamou Lucy, quase babando.

— E como você sabe disso tudo?

Eu estiquei o canto da boca em um sorriso petulante.

— Hehehe... Na verdade, pode não parecer, mas eu sou alguém muito sábio e poderoso! — disse, estufando o peito enquanto ria.

“Na verdade, eu só li a descrição do item mesmo”.

— Então o que um comerciante iria querer com algo tão poderoso como isso? — Arthur levantou uma boa questão.

— Talvez eu tenha a resposta. — Justine retirou um maço de papéis de sua bolsa. Me perguntava onde ela tinha andado esse tempo. Em uma biblioteca?

— O que é isso? — perguntei.

— Documentos — responde ela, rápida e direta. — Dê uma olhada neles com atenção.

Ela me falava aquilo com um ar estranhamente mais sério do que eu estava acostumado. Estava até com medo.

Abri os documentos.

Folheei, folheei. As imagens e as coisas que tinham escritas naquelas folhas não eram nem um pouco bonitas.

— Que merda é essa? Onde achou isso?

— Em um laboratório... do Culto Manju.

— ...! — Eu e Arthur ficamos sem fala.

— Sim, senhor Juniorai. Sei que é difícil para acreditar, mas... — disse Ludwig, os dedos cruzados.

— Desde quando você ficou tão educado assim? É o mesmo que eu conheci na cidade? A Justine tá dando aulas de etiqueta pra vocês ou algo do tipo?

Ele fez esboçou uma expressão desconcertada. Laimonas riu e Stuz — como sempre — soluçou.

— Juniorai. Eles não foram derrotados ao destruirmos aquele templo. Na verdade, acho que não chegamos nem perto de acabar com eles. — relatou Laimonas, voltando à postura séria.

— Eles estão, YUP, planejando coisa grande! O atentado à senhorita Justine, YUP, não foi nada comparado ao que eles estão pretendendo fazer. — Se Stuz estava soluçando mais que o normal daquela forma, realmente devia ser algo bem sério.

Mas a pergunta que não quer calar é: Por que eu deveria me preocupar com uma seita conspiratória em um jogo? Acho que não devia — e nem teria porquê — haver algo tão complexo como isso em um mundo tão preto no branco como aquele.

Entretanto, mesmo se tratando de algo no mínimo absurdo, era algo que eu não podia ignorar.

— Certo... é muita coisa pra processar... — murmurei.

— Os planos para fazerem essa máquina são apenas artifícios para algo bem maior. Ainda não sei ao certo o que isso tem haver com o que aconteceu em Lidooberry, mas é bem provável que Bazz7 esteja envolvido nisso. E isso... — Justine apontou para o item lendário que caiu de Riful. —... deve ser a fonte de energia que vai mover isso tudo!

Tudo apontava para isso. Era uma realidade que não dava para negar, mesmo se eu quisesse.

Arthur me encarou com certo receio.

— E agora, Junior? Se o que está nesses papéis é verdade, não podemos entregar isso para Bazz7 de forma alguma!

— Esse objeto contem uma energia extremamente poderosa e perigosa. Com certeza seria mais do que o suficiente para dar vida a todas essas máquinas que estão descritas aí. — observou Lucy, incomodada. — O processo de conversão de energia demanda uma alta quantidade de mana e um suporte que se mantenha durante todo o processo. Com o material o qual é descrito nos documentos e com as técnicas certas, não seria difícil criar um maquinário mágico capaz de suportar os efeitos da transmutação.

— Vem cá... desde quando você ficou tão esperta assim? Eu te conheço, por acaso? — perguntei, sem entender de onde saiu tanta inteligência.

Uma veia estourou na testa da pintora de rodapé.

— Como é?! Eu sempre fui muito esperta e inteligente, mas vocês não souberam reconhecer minha genialidade! Perderam uma grande conhecedora das artes mágicas, seus otários! — disse ela, infantilmente mostrando a língua.

— Eu saberia reconhecer se me tivesse sido útil! — retruquei.

— Vamos parar com isso?! — Justine já corta a discussão. — Não vamos perder o foco! Estamos diante de algo sério!

Ela deu um suspiro prolongado antes de continuar.

— Hunf! Como eu estava dizendo... se supormos que eles já têm os materiais necessários para construir os tais “Receptáculos”, só precisariam então de uma fonte consistente e duradora para manter essa máquina funcionando por muito tempo. — explica ela, gesticulando com os dedos.

— Ou “essas” — apontou Justine, intrigada. — O que nós vimos é que eles já tinham uma em pleno funcionamento no laboratório.

— Já?! — exclamei, chocado com a velocidade que os fatos iam se mostrando.

— Sim. Vários fauneses estavam desaparecendo na região de aldeamentos próximos à ||CIDADE DOS COMERCIANTES|| e da própria floresta. E era uma espécie de “máquina teste”.

“Desgraçados...”, pensei sentindo uma raiva profunda penetrando meu coração.

Ficava pensando do que havia servido tudo isso. Por que eu e Arthur fomos para a ||TORRE DE MAQUINÁRIO||? Por que tivemos que matar uma bonequinha automática que só queria proteger sua casa, apenas para pegar uma droga de um item?

Quando pensava em todas aquelas informações, a vontade que eu tinha era de partir Bazz7 ao meio — isso seu eu ainda tivesse machado, é claro.

— Então temos que resolver uns assuntos com esse Bazz7 quando chegarmos lá. — Inquiri com a cabeça e a voz baixas.

Justine cruzou os braços, suspirando.

— Tenha paciência, Junior. Não temos como saber ou provar nada, pois não há assinaturas dele em nenhum documento desse. Mesmo que o confrontemos, não há garantia que ele vai cooperar conosco. — ponderou ela.

— Senhorita Justine está certa — Ludwig assentiu e assinou embaixo. — Talvez ele só se faça de desentendido e acabe não dando em nada. Isso pode dar ruim até para nós. Por bem ou por mal, ele ainda é uma autoridade máxima da ||CIDADE DOS COMERCIANTES||. Acusações contra ele é algo bem sério de se fazer.

O que eu ficava mais puto é que eles tinham razão! Por mais que eu quisesse ir lá e dizer que ele estava por trás de tudo aquilo, era impossível.

— O que percebi nesse documento é que ele se trata de uma licitação. Um pedido expresso para as guildas mercantes da cidade. — Ela fez uma pausa, andando pelo convés até se apoiar na balaustrada de madeira. — Isso significa que não só ele, mas todas as guildas mercantes podem estar envolvidas nesse esquema.

— Isso vai, YUP, complicado. — comentou Stuz.

— Então temos que começar de algum lugar, não é mesmo? — levantei a voz.

— O que está querendo dizer, Juniorai? — perguntou Ludwig, confuso.

— Que vamos contar tudo à Bazz7. Vamos explicar a situação para ele.

Justine se virou de uma vez e veio até mim, parecendo levemente irritada.

— Você não ouviu o que eu falei, não?! Não sabemos se ele está do nosso lado ou não e eu prefiro não arriscar revelar nossa posição! — berrou ela.

— Vamos ter que prestar contas da nossa missão suicida de qualquer forma, não é? Se mostrarmos isso a ele sem a intenção de incriminá-lo, mesmo se ele estiver dentro do esquema, ele não vai poder fazer ou dizer nada que possa demonstrar que ele está envolvido, não é mesmo? Assim, vamos força-lo a “manter sua postura inocente” e cooperar conosco de qualquer jeito.

— Como é? — questionou Justine, sem entender.

— Isso até que pode dar certo... — Arthur finalmente falou depois de muito tempo. — Se colocarmos as cartas na mesa, ele não terá escolha além de ficar refém da sua própria farsa.

— Isso supondo que ele esteja de fato envolvido. — avaliou Ludwig.

— E porque não estaria? São tudo faria do mesmo saco! Não confio em nenhum deles! — disse Justine, estreitando os olhos.

— Eu também não... — Fiz uma pausa, avistando a grande cidade ao longe. —, mas por enquanto, essa é a melhor escolha que temos.

 

 

 

      

___________________________________________________________

Finalmente, na ||CIDADE DOS COMERCIANTES||, era hora de confrontar o apostador louco e metódico cara-a-cara.

 

Centro da [COMERCA], lotado como sempre...

Gritarias, correrias, anuncio, venda, compra... essas coisas não paravam um momento sequer naquela cidade.

Eu e Arthur íamos na frente, Justine e seus homens um pouco mais atrás para não dar na vista; Lucy e Reks nos acompanhavam um pouco mais isolados, fingindo serem clientes curiosos com as mercadorias — naquele caso, Reks não precisava nem fingir.

— Eu vou na frente com eles. Meninos, vocês ficam aqui e deem cobertura. Fiquem de olho pelas redondezas e me avisem qualquer coisa pela //JOANINHA COMUNICADORA//. — ordena Justine. — Lucy, você vem comigo.

— Ah, sim!

— Onde está o menino coelho? — perguntei, não vendo ele em canto nenhum.

— Deve estar olhando as barracas por ai! Vamos indo.

Chegamos em frente ao prédio de pedras onde era a sede da guilda mercante de Bazz7 e a sede administrativa de toda aquela cidade. Haviam dois guardas no portão — sempre dois e que não aguentam uma mãozada — nos olhando da cabeça aos pés.

— Quem são vocês? — perguntou o da direita.

Eu saí na frente de Justine, entregando uma ordem de serviço do próprio Bazz7. Ele entortou os lábios.

— Muito bem. Podem passar. — Ele abriu caminho para nós.

Andamos um pouco pelo prédio, passamos por galerias e subimos vários lances de escadas de pedra até chegarmos a sua sala, no último andar. Era um grande salão suntuoso de pedra com várias estantes de livros e pergaminhos, mapas e quinquilharias de sua coleção pessoal.

Se parecia muito mais uma pequena biblioteca do que um escritório.

Ele jazia sentado em sua poltrona de couro vinho de costas para nós. Talvez estivesse resolvendo algo sério e nós o interrompemos bem na hora.

— Bazz7, eu...

— Xiu! — ele emudeceu Justine antes que conseguisse falar. — Estou em um assunto extremamente delicado nesse momento.

— Temos algo para tratar de urgência. Será que não...

— Que menina mais pé no saco! Será que não dá para esperar um pouco? — retruca, irritado.

— Eu concordo... — Arthur cochichou lá detrás.

Justine fuzilou o coitado com olhos, vermelha de raiva. Com a sala tão silenciosa como estava, fazia qualquer ruído parecer dez vezes mais alto do que era.

— É sobre a missão. — disse.

Ao ouvir minha voz, a cadeira se virou na hora mostrando um Bazz7 descabelado, de roupa amassada, olheiras e marcas na pele. Do outro lado, dava para ver ele montando uma torre de cartas.

— Não... A-C-R-E-D-I-T-O! Vocês estão aqui mesmo?! Não é nenhuma ilusão criada por vocês, nem nenhuma projeção astral nem nada disso, não é?

“Esse maluco bebeu? Por que ele está falando como se estivéssemos mortos?”, pensei, um pouco incomodado com tal reação.

— Não, meu tio! Somos nós mesmo! Agora deixe dessa putaria e vamos logo... — Ele veio até mim e começou a me tocar e tocar o Arthur, com um rosto espantado. — ... e que merda que tu tá fazendo?!

— Não acredito! São vocês mesmo! Estão vivos! E isso significa que perdi outra aposta! Raios!

— Ah, Junior... o que deu nele? — perguntou Justine, com uma divertida expressão de “Que merda é essa?!”.

— Ah, não se preocupem. É só minha forma de viver. Claro que sou uma pessoa fissurada em apostas, mas também detesto perde-las. Principalmente se forem relacionadas aos negócios! — concluiu ele, rindo.

— Entendi... — responderam Justine e Lucy ao mesmo tempo.

— Mas realmente não esperava que sobrevivessem à ||TORRE DO MAQUINÁRIO||! É um feito único o qual até hoje ninguém havia conseguido! Vocês devem ser abençoados pelos deuses, com certeza!

“Imagina se ele soubesse que os deuses somos nós.”, pensei, segurando um riso.

— E então, trouxeram o que pedi? Lembrando que só irão completar a missão se tiverem trazido o que eu pedi. — reafirmou ele, relembrando o que foi acordado entre nós.

— Aqui está — retirei o //TERMONÚCLEO ARDENTE DE RIFUL// do meu inventário.

O objeto refulgiu na minha mão, iluminando todo o salão de Bazz7 com uma luz mais forte que a luz do dia. O comerciante colocou as mãos na frente do rosto meio virado, protegendo os olhos.

— Nossa! Como... é magnífico! — exclamou ele, maravilhado com o item.

— E então? Acho que ganhamos essa aposta, não é? — disse com uma clara expressão de triunfo.

Ele suspirou.

— Sim. Detesto admitir, mas vocês venceram. — Quando ele ia pegar o prisma luminoso da minha mão, eu o detenho. — ...?!

— Ainda não — fiz o objeto desaparecer e continuei: — Você vai primeiro cumprir com sua parte do acordo.

— Só pode ser brincadeira, não é? Quem você pensa que é para dizer o que eu posso ou não fazer? — disse ele, alterado.

— Simples... sou o cara que ganhou a aposta. — rebati. Ele se calou no mesmo instante, soltando uma lufada de ar furiosa das narinas.

— Certo... vocês não são mais da minha guilda. Agora me...

— Epa! Calma aí, meu guerreiro! Ainda tem mais uma coisa! — interrompi novamente.

O comerciante franziu o cenho.

— O que?! Vocês não queriam a liberdade de vocês? Não podem exigir o que não foi apostado!

— Na verdade, não sou quem vai exigir isso. — retruquei, recuando alguns passos.

— Como assim?

Justine se aproxima dele, retirando o capuz.

— Oh, que agradável surpresa! A que devo a honra da visita da herdeira do meu melhor cliente? — inquiriu Bazz7 em um tom baixo e sórdido.

Com certeza, era algo que não estava em sua agenda.

— Lembra-se do nosso acordo? Então, está na hora de cumpri-lo.

E então Justine e Bazz7 conversam e nós três ficamos do lado de fora. Sabíamos que Bazz7 era um trapaceiro e um maníaco por apostas, mas também tínhamos ciência de que sabia honra-las.

Justine, apesar da aparência jovem e inocente, não era alguém tão ingênua quanto aparentava ser; sendo filha de um comerciante, sabia como se virar à sua maneira na hora de pesar a balança. Eles conversaram por vários minutos. Justine contou a ele tudo que sabíamos, mas omitiu nossas suspeitas.

Demorou não mais do que alguns minutos e Justine nos chamou para dentro de novo.

Nós entramos. A expressão de Bazz7, diferente de antes, agora estava obscura.

— E então? — Cheguei um tanto ansioso para saber o que tinha dado quase 30 minutos de conversa.

— Então realmente me fizeram de trouxa, não é? — Eu acho que ele queria que confirmássemos.

Eu dei um leve meneio de cabeça, nem concordando, nem discordando.

— Agora, como podemos evitar isso, senhor Bazz7? — perguntou Justine, direta e seca.

— Eu já enviei o pedido de solicitação para Basin-C, então creio que seja impossível uma retratação agora.

Basin-C? — repeti, não entendendo.

— É a capital dos anões e o berço de todo o ferro e minério do continente. — explicou rapidamente Bazz7, os dedos cruzados sobre a mesa. — Ela é nossa principal fornecedora.

— De todo o continente, inclusive. — adiciona Justine.  — É lá onde estão todas as mais famosas e tradicionais ferrarias. Não me surpreenderia se vocês achassem o ferreiro que procuram lá.

— É... acho que tem razão. — repensei.

— Então creio que seja melhor irmos lá falar com eles pessoalmente, não é? — sugeriu Arthur.

— Como assim? — Já estava sentindo cheiro de viagem e anão suado no ar.

— Se fomos até lá e explicarmos a situação nós mesmos, talvez seja mais convincente, não acham? Podemos ir como representantes do Bazz7.

“Qual é? Ele já está sentindo falta do cargo de ‘capacho de comerciante’?”, pensei com uma cara nauseada. Justine notou minha reação e notei, de canto de olho, um risinho discreto.

— Acho que é uma boa ideia. — concorda Justine.

— Creio que não haja outra forma. — Bazz7 novamente mirou os papéis espalhados em sua mesa com as mãos tremendo. — Isso daqui é algo sério demais para ignorarmos. Não podemos deixar que mais desse ferro mágico chegue até aqui. A Guilda Comerciante de Bazz7, [A TEMPESTADE DE AREIA DOURADA], vai fazer tudo que for necessário para que nenhum Faunês ou Demi sofra nas mãos desses monstros!

Todos sorriram com o discurso, apesar de ninguém ali confiar em nenhuma palavra sequer. Pelo menos a tática havia dado certo e agora tínhamos um apoio; Bazz7 iria garantir que nossa viagem até Basin-C fosse a mais rápida e tranquila possível.  

E sem ele saber de nada, nossa última aposta havia sido feita.

 

 

 

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Naquele mesmo dia, durante o crepúsculo, na saída da cidade.

 

— Tem certeza que vai voltar para sua cidade? Você não tinha dito que era perigoso? — perguntei mais uma vez.

— Tenho sim — Justine fechou os olhos, brincando com uma mecha de seus cabelos enquanto sorria. — Tem muita coisa que eu ainda tenho que investigar. Muitos podres do meu pai que estão encobertos. Acho que não vou descansar enquanto não souber de tudo mesmo.

— E não se preocupe, senhor Juniorai. Nós iremos proteger a senhorita Justine em sua ausência! — disse Ludwig, batendo no peito.

A “Ojou-sama” bipolar corou subitamente.

— N-n-não que em algum momento e-eu precisei d-de sua proteção! — gritou ela, virando o rosto.

Eu somente ri. Ia passar um bom tempo sem vê-la de novo, então tinha que aproveitar o máximo de tempo que eu tinha pra irrita-la ainda mais!

— Certo, certo! Quando precisar de mim, nós iremos nos encontrar de novo! — retruquei com um sorriso.

Ainda com a cara amarrada, ela apontou na direção do meu rosto com um olhar firme e um rosto vermelho, gritando:

— E f-fique sabendo q-que... da próxima vez, eu irei salvar a sua vida com meu grande poder! Ouviu bem?! — berrou ela, a voz tropeçando a cada meia sílaba.

— Vou cobrar isso, hein? — respondi.

E então ela junto do trio de aventureiros, Lucy e o menino coelho que adotaram, subiram no barco deles e zarparam, descendo o rio que cortava a cidade.

Eles acenavam para nós e nós para eles, enquanto suas imagens desapareciam entre os muros altos da cidade, cobertos pelo véu da noite que se aproximava — falei até de forma poética, não é mesmo?

E mesmo de longe, era como se eu ainda pudesse ouvir a voz de Justine me cobrando.

— Quando nos encontrarmos de novo, você vai pagar a minha armadura que você perdeu, seu idiota! — gritou ela bem de longe.

“Nem na hora da despedida ela deixa de mandar uma dessas...”

E já era hora pegarmos nossa carona para nosso próximo destino: A cidade dos anões, ||BASIN-C||!

 

 

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Enquanto isso, na abandonada ||VILA JECHT||...

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Passos abafados...

Não restara mais nada do que um dia foi o esconderijo do Culto Manju. Era uma passagem enterrada para sempre. Não havia mais nada lá; não havia mais ninguém lá.

Somente ela.

— Huhuhu...

A cidade permanecia deserta, apenas a velha senhora sentada em sua cadeira de madeira, rindo.

— Muito bom, muito bom... Huhuhu...

Ela se levantou e começou a caminhar normalmente pelo meio da rua vazia e poeirenta da vila, como se suas dores e limitações físicas tivessem sumido por completo.

Aos poucos, a imagem da senhorinha ia se dissipando junto com a poeira que era levada pelo vento, sobrando apenas sua voz sibilando no ar. A cidade não mais existia; tudo havia se tornado o “nada”.

Assim como ela.

 

“Huhuhu... o que será que nosso ‘herói’... vai fazer agora? Mal posso esperar para descobrir...”



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