Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 31: Ateliê Völuspá

 

Enquanto isso, nas ruas caóticas de ||BASIN-C||, os fantasmas do medo e do preconceito rondam entre as multidões.

PLAYER: [Juniorai]

 

O dia começa barulhento! Muito barulhento.

Uma multidão fica protestando na rua sobre alguma coisa. Gritos, assobios e vaias podem ser ouvidos.

Não sei o que estava rolando naquela cidade, mas era algo relacionado a humanos. Algo também me dizia que não era muito bom nos metermos. Acordei até meio assustado pensando que iriam derrubar as paredes com tanta gritaria.

“O que será essa putaria toda?”, pensei enquanto tento bisbilhotar pela janela.

O mutirão não estava exatamente próximo à pousada, mas lá na frente, diante da grande fortaleza assustadora de metal.

Arthur entrou no quarto pouco tempo depois, parecendo ansioso.

— Que diabos está acontecendo? Eles estão fazendo uma marcha contra humanos?

— Sei lá. Só sei que é melhor a gente sair logo daqui ou pode acabar azedando pra nós.

Nos arrumamos rápido. Vesti minha armadura rapidamente — ou o que sobrou dela pelo menos — e continuei de olho no movimento da rua. Picker ficou fazendo só o que ele sabe fazer de melhor: ficar voando de uma ponta a outra e me irritando. Terminei de me arrumar bem rápido e estava para descer, mas o Arthur parecia uma lesma se vestindo.

Devia estar enfaixando Salamandra para não chamar tanta atenção; então com um braço daquele tamanho para cobrir, demoraria mais alguns 10 ou 15 minutinhos. Resolvi usar esse tempo para descer logo para o saguão e, quem sabe, conseguir alguma informação valiosa de algum NPC aleatório.

Cheguei lá e tinham alguns anões e homens bicho tomando seu café da manhã. Não estava tão cheio quanto imaginei, então não teria problemas com multidões revoltadas nem apedrejamentos desnecessários. Fui até o balcão com um olhar desconfiado — para mim soava natural, acreditem. — e me sentei, encontrando os olhos sonolentos do dono da taverna que já mostrava ter acordado com a pá virada, como quase todos daquela cidade.

— Vou querer uma porção do dia, por favor. — Empurrei discretamente um punhado de moedas em sua direção.

O espaçoso “trancinha de barba” olhou para as moedas e depois para mim.

— É humano? — ele pergunta, desconfiado.

Seria uma pergunta idiota e abestada se tivesse sido feita em qualquer outro lugar daquele mundo, mas exatamente naquela cidade deveria ser a pergunta mais importante de todas. Deveria determinar se você era bem tratado ou não.

— Ah... Eu? Bom... Eu sou um... Meio-elfo!

“Ah, que droga! Meio-elfos tem orelhas pontudas ainda, animal!”, queria colocar uma corda em volta do pescoço e me matar agora! Como pude cometer um erro em algo tão básico como isso?

Ele ergueu sua sobrancelhona despenteada, não muito convicto.

— Hum... Seria um meio-elfo negro então?

— Isso, cara! Um elfo-negro! Eu sabia que você reconheceria um! — eu não pude deixar de demonstrar camaradagem. Ri bem alto como se o anão confuso e carrancudo tivesse soltado uma piada, e das boas ainda!

Mas o que ele fez mesmo foi pegar meu punhado de moedas e tacar no meu peito, cortando meu surto repentino de riso no mesmo instante.

— Eu destesto elfos! Ainda mais elfos-negros!

O anão despenteado e barbudo me encarou no olho, mas só pude devolver um olhar de paisagem; nem mesmo eu tinha digerido a merda que eu tinha acabado de falar sem pensar e no que tinha acabado de acontecer. Só senti um imenso sentimento de vergonha me inundando por dentro.

Talvez se eu tivesse falado que era humano, tivesse sido melhor.

— Ah, certo. Está bem. Tô indo nessa, então.

Me levantei calmamente e saí da sua frente, meio desconcertado. Os outros que presenciaram o mico que eu paguei todo à vista ficaram me observando, talvez esperando para ver como eu reagiria ante aquela afronta. Só peguei minhas moedinhas e saí da pousada, com uma face desolada de quem acabara de ser vitimado por uma agressão completamente irracional.

— Ei! Você ainda não pagou, seu espertinho!

Ignorando seus berros de voz caraquenta, fui para a rua e fiquei esperando Arthur do lado de fora. A vergonha não iria mais me permitir entrar naquele lugar.

Enquanto esperava por ele, aproveitei aquele breve momento para checar meu inventário e status. Tirando meu machado //WINGSLASH// dividido em seis slots de inventário, eu ainda tinha para sobreviver naquela cidade:

 


Quatro //POÇÕES DE VIDA (G) //;

Duas //POÇÕES DE MANA (G) // e uma média;

Dez //PÍLULAS DE ESTAMINA (M) //;

5 //CORDA ANTIGA //;

2 //MISTURA HERBÁTICA (TIPO FILOMENA) //;

1 //DOCUMENTO DE ANULAÇÃO DE EXPEDIÇÃO DE RECURSO// e;

O item de raridade [LENDÁRIO] que peguei da pequena loli robô na Dungeon: o //TERMONÚCLEO ARDENTE DE RIFUL//.


 

Ainda tinha o enigmático //FRAGMENTO DE ALMA//, mas como eu não sabia o que era e nem para o que servia, desconsidera.

Enquanto esse penúltimo, eu tinha prometido para mim mesmo que iria voltar na torre e devolver, mas essa viagem para cá foi tão repentina que mal tive tempo de planejar qualquer coisa. Sequer consegui curtir a cidade que tinha tantos eventos e festivais para se aproveitar — vai que eu não arrumava uma NPCzinha para ser “friendzoneado”?

Infelizmente as coisas não saíram como eu pensei e acabei ficando com aquele negócio mesmo. Bem... Antes na minha mão que em mãos erradas, eu sempre repetia aquilo para mim mesmo, religiosamente.

Mas eu tinha um reflexo do quão mal equipado estava. Não tinha nenhum suprimento para uma batalha perigosa ou longa. Mesmo que eu estivesse em uma cidade, uma Safezone — e pelo que vi até agora, de safe não tinha nada. — quem sabe o que nos esperava dos portões de entrada da cidade para fora? Principalmente em uma zona de guerra tão traiçoeira quanto aquela região?

Todo cuidado era pouco para alguém que esteve bem perto de ver a telinha de fim de jogo várias vezes, já bem no inicio.

“Hunf... tirando todos essas putarias que estão acontecendo, até que esse mundo não é lugar ruim para se viver.”

Ignorei o tumulto mais à frente e me concentrei no céu azul entre os grandes prédios flutuantes de metal. Era realmente um mundo lindo e com muita coisa incrível. Se eu parasse para comtemplar algo, eu ficaria muito tempo viajando como estava fazendo agora.

“Se tudo isso... pudesse se manter...”;

“Para sempre...”

 

Zzzttt

 

—...?

 

Zzzzzttt... Zzzttiii...

 

“Que merda é essa?”

A realidade do jogo... Era como se a realidade estivesse se desfazendo!

E de novo eu conseguia ver aquelas linhas verdes esquisitas que, de vez em quando, eu via de rabo de olho; só que agora elas estavam bem mais visíveis e apareciam em todos os lugares, até mesmo tecendo uma grande rede no céu!

 Alguns prédios começam a ficar translúcidos, seus detalhes desaparecendo e falhando. Os sons começam a chiar e falhar e qualquer coisa em movimento congela subitamente. Algumas pessoas que passavam por mim na hora somem e reaparecem no mesmo lugar ou em algum lugar aleatório da rua, assim como algumas coisas também aparentam surgir do nada.

— Picker! O que está...?

Droga! Picker também estava sofrendo dos mesmos efeitos!

Ele estava paralisado, seu corpo sofrendo falhas e oscilações. Será que algo estava acontecendo com o computador do Gabriel enquanto estávamos aqui dentro?

“Merda! Arthur!”

Meu primeiro pensamento foi correr para dentro da pousada de novo, procurando por ele.

— Arthur!

Só que quando eu entrei, tudo estava normal. Inacreditavelmente normal!

—...?!

— Junior? O que foi? Algum problema?

Entrei todo esbaforido. Picker saiu de baixo da minha branofeira, também normal. Ele me olhava como se estivesse preocupado.

— Ah?!

— Hm? Ei! Você não é um meio-elfo coisa nenhuma! VOCÊ É UM HUMANO! VOCÊS DOIS SÃO HUMANOS!

— Hã?! AAH!

Percebi que entrei lá sem estar usando o capuz. Meu ímpeto de entrar para encontrar o Arthur foi tão grande que me esqueci de manter meu disfarce!

“Droga!”

— ARTHUR!

Quando percebi que os cidadãos que estavam sentados estavam se levantando para fechar o tempo para cima da gente, não pensei duas vezes e gritei:

— TEM BOI NA LINHA!

Arthur jogou uma moeda no olho do anão detrás do balcão e saiu em disparada até a saída. Dois brutamontes entroncados avançam em um dash para pegá-lo no meio da corrida, mas ele se distanciou do da esquerda esticando as passadas, mas foi pego no braço pelo da direita.

— Ei! ME SOLTA!

— Aonde pensam que vão, seus filhos de uma... Ai, ai, ai! — Antes que terminasse de falar, ele soltou rapidamente o braço de Arthur como quem tivesse acabado de tocar em uma frigideira pegando fogo.

— Partiu, Arthur!

— Vamos!

 

 

Corremos o mais rápido que conseguimos, nos enfiando de beco em beco para escapar deles. Se ficássemos correndo pelas ruas com um bando de malucos gritando atrás de nós, uma hora iríamos ser pegos por chamar muita atenção.

Pelo jeito, deu certo. Conseguimos despista-los.

— Arg... Arg... Acho que... Conseguimos... Arg...

— Arg... Porra, Picker! Nem... Pra ajudar, seu projeto... Arg...  De bola de vôlei com asas! — gritei, ainda tentando recuperar o fôlego.

— Vamos... Esperar um pouco aqui... Até a poeira abaixar. —sugere Arthur, sentando-se no chão.

— Concordo...

— OLHA! OLHA, OLHA, OLHA SÓ!

E quando pensamos que estávamos sozinhos e seguros, eis que surge um cidadão gritando do fundo da viela. Pela voz largada e descontraída, ele estava completamente chapado.

— Ei, ei! Arthur, vamos...

— Olha... Se não são vocês! MEUS QUERIDOS COMPANHEIROS DE BEBIDA!

— Esse cara tá gritando muito, Junior. — disse Arthur, incomodado.

— E qual é a desse comédia aí, Arthur? Conhece ele?

— Ah? Como eu vou conhecer ele? Nunca o vi na vida!

E de novo, Picker sai e começa a se meter nos assuntos que não são da conta dele — mas ajudar a gente a escapar de um grupo de anões putos da vida, ele não quer, né?

— Wiwiwiwi! Wiwi!

— O que foi agora, Picker? Você ainda tá sujo comigo viu, sua bola de tênis superdesenvolvida!

— Ah? Ah, é mesmo! É aquele senhor, não é? O bêbado do primeiro dia!

— Ué! Você entende o Picker desde quando, Arthur?

— Sei lá. Ele disse que era o cara que fez a gente perder tempo e vomitou no seu co...

— Tá certo, tá certo! Já entendi! — cortei logo, abanando as mãos. Só de lembrar a cena eu já ficava nauseado. Então voltei minha atenção para o tiozinho bêbado. — Mas mudando de pau pra cacete, por que você tá aqui?

Ele não respondia nada direito, ficava dizendo coisas aleatórias o tempo todo ou entrando no famoso modo “risadinha”, e a armadura dele estava suja de algo que minha mente não ousava saber o que era.

Acho que o melhor que podíamos fazer era deixa-lo falando sozinho como foi no primeiro dia.

— Então, meu querido cachaceiro... Foi muito bom nosso reencontro, mas nós...

— Ah, Junior... Ele dormiu!

— Que?!

O velho bodou enquanto eu falava! Deu um apagão nele e deitou ali mesmo.

— Ah... Nossa! Que bebida foi que ele tomou? — perguntou Arthur com uma careta.

— Quem liga? Vamos logo vazar daqui antes que alguém nos pegue com ele.

— Mas não podemos deixar ele largado aqui. Pode acontecer algo com ele, Junior. — Às vezes, eu odiava essa empatia que o Arthur tinha até por uma minhoca.

— Certo... Mas para onde vamos leva-lo então? Nem sabemos onde esse senhorzinho mora! — questionei.

— Talvez nós encontremos algo nas coisas dele que nos diga onde ele mora ou de onde ele é.

— Então vamos assaltar ele? — disse, fuzilando-o com os olhos.

— Assaltar, não! “Assaltar” é uma palavra muito forte! Vamos apenas... Vasculhar as coisas dele e... Se tiver alguma coisa de útil...

— Continua sendo “assaltar” de onde a gente vem.

— Só me ajudar aqui, porra!  

Então olhamos em todos os bolsos e lugares do homem desacordado, procurando por alguma coisa que nos dissesse quem era ele.

As únicas coisas que encontramos foram um saquinho de moedas meio cheio, ferramentas, um par de luvas e um punhado de papéis. Pelas ferramentas, ele era mesmo um ferreiro.

— Aqui, Arthur. Achei alguma coisa!

Em um dos papéis continha o que parecia ser um endereço, dizendo:

 

“Ateliê Völuspá, Distrito Njord Vilvirtyn, 7309.”

 

Em baixo ainda tinha uma mensagem com letra bem garranchada que nem eu e nem Arthur conseguimos ler.

— Essa bodega aqui é língua de anão? — perguntei.

— Deve ser — Arthur apertou os olhos, mas ele parecia estar tão perdido quanto eu. — Esse endereço está escrito em língua comum, mas o debaixo eu não consigo ler. Deve ser mesmo linguagem anãnica.

Pelo menos nós já tínhamos um ponto de partida. Agora como transportar esse velho bêbado até lá sem dar na vista? E ainda por cima, onde era esse distrito? Será que era muito longe?

Decidi então consultar meu mapa mental de novo. Pelo que pude ver, era um distrito vizinho para nossa sorte, mas o mapa só dizia isso. Passagens, caminhos mais curtos ou atalhos nem pensar. Estava tudo escuro e quadriculado.

— Então... Não é tão longe. Podemos tentar continuar indo pelas vielas, por assim dizer.

— Acho uma boa ideia também — Arthur concordou. — Só coloca o capuz dessa vez, por favor?

— Ah! Eu disse que isso tinha uma boa explicação!

Arthur bufou, passando uma das mãos do velho apagado por cima do ombro.

— Imagino que tenha mesmo...

 

 

 

_____________________________________________________

Algum tempo depois...

 

— Parece que é aqui essa bodega, não é?

Arthur levantou uma sobrancelha.

— Acho que sim. Bate aí então.

Depois de trancos e barrancos, enfim chegamos — até rimou, não é mesmo? — ao nosso destino. O mais difícil é que tivemos que realmente perguntar onde ficava, senão iríamos demorar bem mais para encontrar e quem sabe desse ruim para nós.

Diferente das grandes casas, aquela era uma das poucas casas em ||BASIN-C|| que era puramente de madeira e pedras. Nenhum metal em nenhum canto.

Então deixei o velho fedendo a cachaça com algo que parecia fumo aos cuidados de Arthur e bati na porta.

Demorou um pouco para nos atenderem. Uma mulher anã nos atendeu. Diferente da grande maioria, ela vestia um tipo de vestido de pano cinza com detalhes dourados coberto por uma bata cor de vinho. Tinha cabelos vermelhos presos em uma tiara dourada com alguns enfeites pendurados em volta.

— O que deseja, senhor? — pergunta ela educadamente, mas com uma expressão desconfiada.

— Ah, bom dia. Viemos deixar esse cidadão aqui que estava caído bêbado em um beco.

Andei um pouco para o lado e apresentei o velho. Os olhos da anã se projetaram para frente, em uma expressão até cômica de surpresa misturada com raiva.

Astholf! Esse velho beberrão só me dá trabalho! O coloquem para dentro, por favor, rapazes!

Nós obedecemos e levamos o coroa mamado para dentro da casa. Lá dentro não era uma ferraria ou algo do tipo, mas parecia ser algum templo pequeno e humilde que funcionava para um público pequeno. Andamos com ele até uma sala e ela nos mostrou um sofá onde podíamos coloca-lo.

Da sala à frente surgiu uma mulher humana e bem alta. Sua pele era um tom azul bem forte e estrelado, como se fosse feita das próprias constelações do céu. Era bem hipnotizante.

Ela tinha olhos meio amendoados e um pouco separados um do outro, além de ter pelo menos umas duas orelhas em cada lado da cabeça. Seus cabelos também vermelhos eram enrolados em um rastafári que descia pelas costas largas.

Os braços dela eram bem longos também e seu dorso era bem malhado e definido.

— Uou! — Minha reação foi automática e não era bem a forma como eu queria me expressar de primeira.

Pefrid! Ajude-me a lavar esse velho seboso antes que eu decida aproveitar tal oportunidade para afoga-lo! — pediu a anã esfregando as mãos bem puta da vida.

— Sim, grande mãe!

— Menino do braço vivo, pode pegar aqueles extratos aguados que estão na prateleira para mim, por favor?

Eu e Arthur nos entreolhamos, confusos. De alguma forma que não sabíamos, ela sabia sobre Salamandra. Talvez fosse melhor nem perguntar, ou daria margem a uma confusão desnecessária.

“Que nanica interessante. Huhuhu...”, Salamandra murmurou com aquelas risadinhas maléficas de sempre.

Sem perguntar ou dizer nada, Arthur só atende ao pedido da anã e traz o que ela havia lhe pedido.

Aproveitei o momento que ela estava ocupada com o velho apagado e procurei um assento. A casa era toda de madeira, o que fazia seu interior ser bem quentinha e confortável.

As paredes possuíam vários crânios de monstros pendurados, talvez troféus de caçadas sangrentas em tempos antigos. As estantes eram abarrotadas de livros e coisas que eu nem ousada descobrir o que seria.

No meio do lugar, um grande tapetão parecendo ser pele de algum bicho enorme e bem peludo estava justaposta em frente — e também bem afastada — a uma lareira a qual tinha alguma lenha queimando. A gigante azul Pefrid vinha trazendo uma bacia de água com alguns panos mergulhados nela.

Elas passaram algum tempo cuidando do velhaco que ela chamou de Astholf e limpando seus membros e rosto, mas ele não parecia dar sinal de que iria acordar tão cedo.

— Isso deve bastar por enquanto. Quando ele acordar, direi para ele ir se trocar. Qualquer dia desses, essa velha roupa de ferreiro sai cria vida e sai correndo do corpo dele sozinha. — disse a velha anã em um tom brincalhão.

Eu ri só pra manter o clima agradável. A gigantona não parava de me olhar torto, talvez pela reação não tão positiva que tive ao vê-la. Arthur riu porque era um bestão mesmo.

— Não sei como agradece-los por trazerem ele de volta para nós. Espero que ele não tenha dado muito trabalho para vocês! — Ela baixou a cabeça em um solene gesto de agradecimento.

Foi tão solene que fiquei todo errado. Arthur enrubesceu e virou o rosto, tão desconcertado como eu.

— Que isso! Não precisa agradecer!

— Mas como acharam esse lugar? — pergunta ela.

— Bem... Achamos um bolo de papéis em seus bolsos e um deles continha esse endereço. — explicou Arthur, mostrando o papel para ela. — Conseguimos ler o endereço, mas tinha outra coisa escrita embaixo que está em linguagem ananica.

Ela apanhou o papel e o olhou bem, segurando uma risada.

— Não sabemos o que era então se souber ler o que isso pode ser...

— Ah, sei sim! Fui eu que escrevi! E quer dizer: “Se voltar bêbado para cá outra vez, vou enfiar uma fole quente no seu rabo!”.

Eu não sei se ria ou se chorava com aquilo. E nós teorizando o percurso inteiro que tipo de mensagem estaria escrito naquele papel. Me senti um otário completo.

“Será que essa mulher é esposa desse cara aí ou alguma parente?”

— Então se quiserem, podem acasalar com Pefrid como forma de agradecimento. Vocês não fariam isso se não quisessem algo em troca, não é? Infelizmente, já tenho mais de 170 anos e duvido que sintam excitação em uma velha como eu! HAHAHA!

— Que?! — Eu e Arthur dissemos em uma voz só.

“Essa velha tá de putaria com a gente, não é? Essa mulher jamais aceitaria algo como ser oferecida como objeto de agrade...”.

— Isso mesmo! Usem meu corpo como quiserem para satisfazerem seus desejos lascivos e das formas mais insanas que imaginarem! — Ela já ousava tocar em seus seios e ameaçava retirar sua blusa acabada de tecido que mais se parecia um pano de chão.

Ela concordou de boa? Que caralhos essas duas tinham na cabeça?!

— Ah, não, não! Não precisa! Sério! — Até disse abanando as mãos, sentindo meu rosto queimar com a vergonha.

A velha anã fez uma cara de quem estava confusa enquanto a gigante azul continuava com a mesma cara de paisagem.

— Mesmo? Eu sei que ela é alta e tem uma cor de pele incomum, mas ela é muito boa em satisfazer homens. Seu corpo é bem versátil e grande!

— Isso mesmo! — E ela ainda concorda com tudo que aquela tarada falava! — Posso ficar tão apertadinha como uma virgem ou posso ser bem larga para passar até a de um minot...

— JÁ DISSE QUE ESTÁ TUDO BEM, CARALHO! AGORA, SERÁ QUE DÁ PRA PARAR DE FALAR SACANAGEM POR UM MOMENTO?! — Daqui a pouco eu já conseguia sentir os picos altos se formando na minha calça.

Arthur já estava com aquele rosto abobado mais vermelho que um pimentão. Daqui a pouco a mente dele ia dar um pane!

Respirei fundo e continuei: — Certo! Já que querem tanto nos ajudar, poderiam nos dar uma informação?

A velha me olhou com um olhar malicioso e eu já imaginava que coisas tenebrosas ela não estaria pensando com aquele mente deturpada dela.

— Bem... Isso depende...

— De...?

— Sou uma simples xamã que passa o fim de sua vida servindo à deusa diligentemente, enquanto trabalho com sonhos e memórias. Não há tantas coisas que eu consiga fazer tão bem quanto nos meus tempos jovens.

“Do que essa velha está falando agora? Como assim ela trabalha com sonhos e memórias?”

— Meu nome é Zibret. Sou uma xamã devota à deusa Miriam.

— Miriam?! VOCÊ DISSE MIRIAM?! — Soltei um grito sem querer. A anã se assustou com minha reação.

“Droga! Será que é a mesma Miriam que eu conheço? Tomara que não...”.

— S-sim. Miriam, a deusa da Imensidão, mas também cultuada como patrona dos Demis. — explica.

— Interessante. Pefrid, você também é uma Demi? Acho que não conheço que tipo de Demi você é.

— Bom... Nem eu sei que tipo de Demi eu sou. — respondeu ela, parecendo de boa com isso. Na verdade, ela parecia de boa com tudo que falava.

— E o que você queria me pedir então? Você disse que se tratava de uma informação, não é? Se eu souber, terei o prazer de lhe informar.

Só que antes de mostrar a carta a ela, queria fazer um teste. Era mais por precaução mesmo, já que uma “temporada de caça a humanos” estava ocorrendo na cidade; como eu saberia se ela só não estava fingindo ser legal?

Como eu não poderia saber se ela só estava querendo me levar na conversa pra informar as autoridades depois?

— Está tudo bem mesmo? Eu e meu amigo somos humanos. Vai mesmo nos ajudar?

— Mesmo?! Nossa!

“Eu sabia! Ela é como os outros... acho que é bom a gente ir logo embora daqui antes que ela chame as autoridades e...”.

E então, Zibret continua: — Por um momento, achei que fossem alguma espécie de elfos ou Demis, mas são mesmo jovens humanos e, ainda assim, se recusaram a acasalar com Pefrid! Estou impressionada! Não é qualquer humano que rejeita uma proposta como essa. Mas me contem... Vocês são algum tipo de monge com votos de castidade ou só são uns moleques virgens mesmo?

— QUE TIPO DE VISÃO DOENTIA SOBRE HUMANOS É ESSA?! — berrou Arthur, corando de novo.

— DE NOVO COM ESSA PORRA? A GENTE SÓ NÃO QUER, PRONTO! — gritei.

A velha riu, curtindo com a nossa cara.

— Piadas a parte, diferente da maioria dos anões, não tenho problemas com humanos, tampouco minha assistente. Até acho alguns... Bem atraentes. — ela me mandou uma piscadela perigosa.

— Ah, certo. Certo. — tirei a carta de Bazz7 do meu inventário e a mostrei para Zibret antes que ela continuasse com aquelas insinuações. Ela leu cuidadosamente a carta e depois me entregou. — E então?

— Então... Eu não li nada porque não sei ler língua comum, mas é uma carta bastante bonita! — disse ela com uma risadinha boba.

— TÁ DE SACANAGEM?! VOCÊ PASSOU UNS 15 MINUTOS SÓ OLHANDO PRA CARTA?! — berrei.

— Muito bem, Junior! Você e essa sua intuição nos adiantando mais uma vez!

— Vai pra merda, Arthur! Ela é a porra de uma xamã! Como eu ia adivinhar que ela não sabe ler língua comum?!

A velha anã soltou mais uma gargalhada descontraída e depois disse:

— Bom... Você pode só me resumir o conteúdo da carta para facilitar, não é? Podia ter feito isso desde o começo.

“Será que é crime espancar idoso nessa cidade?”, pensei isso enquanto tremia o punho.

— Bem, estamos aqui para encontrar um tal de Svoath e achar o chefe de um lugar chamado [FORNALHA]. Sabe onde podemos achar, de preferência, os dois?

E pela primeira vez naquele encontro, o rosto de Zibret estava sério. Ela pousou seu dedo no queixo, pensativa.

— Svoath... Faz muito tempo que não ouço esse nome.

— Quer dizer que conhece ele, então? — perguntou Arthur, empolgado.

— Não. Nunca o vi mais gordo!

E a animação de Arthur broxou quase que no mesmo instante. Eu meio que já esperava por isso.

— Mas talvez você o encontre na [FORNALHA]. Vocês terão de ir até lá de qualquer jeito se quiserem falar com Bjorn.

— Bjorn? — repetiu Arthur, intrigado com o nome.

— Ele é o ferreiro ancião que vive no fundo da [FORNALHA], em seu templo de magma. Ele é cultuado praticamente como um deus pela maioria esmagadora dos anões ferreiros de ||BASIN-C||. Praticamente todo o ferro mágico e encantado, além das melhores armaduras que são usadas pelo exército dos anões, passa pelas mãos dele.

— Dizem até que ele é capaz de forjar qualquer arma ou armadura, seja lendária ou não. — completou Pefrid, categórica.

— E eu posso levar vocês até lá, se quiserem. — acrescenta Zibret com uma risadinha maliciosa.

Por mais que ela não detestasse humanos como a maioria esmagadora da cidade, eu não confiava nem um pouco nela — não ao ponto de ficar sozinha com aquela tarada em algum lugar isolado!

Sempre foi o nosso plano desde o começo ir para lá, só não sabíamos onde ficava e nem por onde começar a procurar. Até por que, ||BASIN-C|| era um baita de um reino gigantesco com muitos distritos entupidos de anões rabugentos e insensíveis.

Pelo menos agora, até meio que a contragosto, nós tínhamos arranjado nossa guia turística para a [FORNALHA].



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