Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 59: Manobra de guerra

Região de ||RONEA||, porção noroeste de ||PYKAH||, Cidade-reino de ||ANDRAS||.

PLAYER: [Arthur]

 

 

Eu não suportava mais um minuto naquele lugar. O gotejar da água, a pressão das paredes e o teto se fechando sobre mim, me oprimindo a cada minuto. O tilintar das barras de ferro sendo arranhadas, risadas e gritos de desespero, choros... a única coisa que eu vi era uma sombra.

Uma sombra entre mim e uma parca luz que saia de um buraco quadrado no topo da parede, por onde um feixe de sol tremeluzia, parecendo zombar de mim. A cela onde eu me encontrava era muitas coisas, sobretudo, apertada. Apertada demais para aprisionar um monstro como eu.

Kukukukuh...

E ainda por cima tinha a infame companhia de Salamandra, a qual não dava um minuto de sossego para as minhas ideias. Zombeteira e imprevisível, sua voz sibilava na minha cabeça como uma serpente rastejando, esperando para dar o bote fatal quando eu estivesse mais vulnerável. Um monstro prestes a sair de sua prisão.

Um monstro... um monstro...

Um monstro que você precisa, garoto insolente.

— Você deve adorar ouvir a própria voz, mas eu não, então fique calado. — disse, o mais áspero possível.

Você se rebaixa a permanecer em um lugar miserável desses, sendo que tem a mim, moleque. Se quisesse, já estaria mais uma vez desfrutando dos ventos da liberdade! Palavras e mais palavras sedutoras, mas eram só isso o que eram.

Eu não me deixaria mais dominar. Eu tinha que lutar contra ele... lutar contra esses impulsos destrutivos. Porém... a cada dia se tornava mais difícil. Havia momentos em que eu duvidei se conseguiria voltar. Me perguntei se não teria entregado meu corpo de bandeja para Salamandra... pra sempre.

Ele continuava a rir como se desfrutasse de tudo aquilo, que se soubesse que já tinha ganhado. Que droga de Relíquia Hospedeira! Será que você tinha algum propósito maior para isso, mamãe?

Um ruído incômodo e alto ressoou por todo o fundo do corredor, um som que alarmou grande parte dos presos. Geralmente, desde que cheguei aqui, sempre que o ranger metálico estourava, significava mais uma execução. Sim... um verdadeiro corredor da morte que cheirava a sujo e mofo.

De quem seria a vez agora? Quem teria a cabeça guardada em uma cesta no fim desse dia? Quem teria seu sofrimento finalmente findado hoje?

— Vamos! Saia da cela! — Pelo visto era eu.

O guarda truculento de rosto cheio e um olhar desconfiado abriu minha cela enquanto os outros quatro se posicionavam com suas espadas, formando um arco ao seu redor. Eu levantei com dificuldades, sentindo a dormência nas pernas e a rigidez nas articulações quando não consegui me erguer do canto da cela.

— Ora, vamos lá! Ajudem esse inútil! — ordenou ele, impaciente.

Dois guardas vieram e me levantaram, o guarda da esquerda tomando cuidado para não tocar no meu braço transformado. Dava para ver um certo temor chispando em seus olhos ao se aproximar de Salamandra.

Subimos um lance de escadas, saindo do corredor onde ficavam as celas e indo parar um outro, subindo uma rampa até outra porta metálica pesada. Ao cruzarmos a passagem, meus olhos sofreram com a explosão de claridade do lado de fora, depois de passar sei lá quanto tempo na penumbra como um rato. O sol pinicou na pele, o vento levantou os cabelos e beijou meu rosto como uma esposa com saudades do marido.

Cruzamos o pátio e chegamos na fortificação principal, um prédio de grossas paredes cinzas e blocos enormes montados que se levantava na minha frente como um [TITÃ ELEMENTAL]. Cruzamos um largo pátio onde uma tropa de soldados treinavam e entramos no castelo, seguindo por salões e corredores suntuosos, até que um último portal se pôs na nossa frente.

Era bem grande e me lembrava de certa forma dos portões do [TEMPLO DE MAGMA] em ||BASIN-C||. Eles se abriram lentamente e algumas pessoas já me esperavam lá dentro. Um comitiva na realidade, com pessoas vestindo grossos mantos de linho com inscrições bordadas e uma espada vermelha e dourada na frente; outros preferiam uma armadura de placas que lembravam a pele escamosa de um [GRIFO].

Muitos daqueles rostos eram conhecidos. Os líderes da invasão à Capital do Aço. A mulher sádica, o comandante centauro e o cavaleiro e sua ajudante, além de outros figurões reunidos, formando um caminho até ele.

Sim... de fato, aquele sentado ao trono era o sinônimo de imponência e respeito, a mente por trás de tudo. Seu olhar se traduzia em um risco frio e imutável que parecia me perfurar a alma a cada passo que eu dava em sua direção. Ele vestia um sobretudo negro com detalhes vermelhos e dourados, cobrindo um peitoril de ferro e escamas por baixo, luvas e botas de ébano que moldavam seu corpo avantajado e musculoso. Seus cabelos eram desgrenhados e pretos como os olhos insondáveis, carregando uma coroa de pontas e espinhos no topo da cabeça.

— De joelhos! — O guarda fez pressão no meu ombro até me derrubar no chão. A rótula dos joelhos tremeram e eu soltei um gemido de discreto de incomodo.

— Agora está oficialmente aberta audiência com o...

— Deixa de onda e vamos logo começar com isso! — disse o rei com um gesto de impaciência, o retrato fiel do próprio tédio estampado em seu rosto.

— Arh... ce-certo. — Pareceu que orador tinha mordido a língua.

— Alguém dá pra pôr um fim nessa palhaçada logo? — resmunguei com as sobrancelhas franzidas.

— Já gostei desse carinha! Ele é engraçado! — A ajudante do cavaleiro disse enquanto ria.

Qual parte daquela tortura era engraçada por acaso?

— Então, Vossa Majestade, esse garoto foi capturado na cidade de ||BASIN-C|| e desconfiamos que ele seja um soldado Animarosiano ou um mercenário que trabalhe para eles — Aquela mulher nojenta começou a falar. — Nós o trouxemos aqui porque ele pode ser de grande ajuda para o senhor e seus planos.

— E o que levou você a pensar isso?

— Olhe bem para a roupa dele, Vossa Majestade. Não acha um tanto peculiar demais?

Os olhos estreitos e entediados do rei me fitaram, dos pés à cabeça, me analisando, me sondando. Ele apoiou a cabeça sobre o braço e comentou, um tanto desapontado: — Me parece um mercenário pé rapado qualquer. Tirando por esse braço estranho... onde arrumou isso, meu jovem?

Minha garganta fechou e a língua nadou no seco dentro da boca. O que eu deveria responder para me livrar dessa? Pela cara de desapontamento daquele rei, ele poderia me fazer em pedacinhos a qualquer instante se julgasse que eu não tinha nenhuma utilidade para seu reino.

— Ele é um [DOUTRINADOR] de ||ARCÁDIA||, Vossa Majestade. O último deles vivo, pelo que constatamos — respondeu a mulher de capuz por mim, seu sorriso de orelha a orelha.

Ela até podia ser uma psicopata sádica e manipuladora, e estava óbvio que ela dizia aquelas coisas por que tinha outras intenções por trás, mas se isso fosse manter uma expectativa mediana do rei de Andras sobre mim, que fosse.

Me daria algum tempo para pensar em que sair dali.

||ARCÁDIA||, é? O ajuntamento de povos que foi dizimado? Ele é o único sobrevivente?

— Perfeitamente, Vossa Majestade — confirmou ela.

Eu fiquei um tanto incomodado com o quanto ela sabia sobre mim e meu povo. Só de pensar que ela podia saber algo a respeito de Salamandra também... não, eu não queria considerar essa possibilidade, apesar de estar mais do que na cara do porquê de tanto interesse em mim.

— Me diga então o que pretende fazer com ele, Zelena. — Gabriel fez um gesto permitindo que ela falasse.

— Ora, Vossa Majestade, é evidente que ele tem algo que possa ser de muita ajuda para seu reinado. Seu braço esquerdo contém tantos mistérios intrigantes, porém, se nós os desvendarmos, com certeza teremos um grande poder em mãos, capaz de esmagar os Aminarosianos de uma vez por todas!

— Ela sem dúvidas sabe como persuadir as pessoas — cochichou Luciano, o cavaleiro de expressão séria para a baixinha que o acompanhava por todos os cantos.

Ela riu em resposta. Um músculo no rosto do centauro se contorceu quando olhou para mim. Acho que já não tinha a simpatia de ninguém ali — pelo menos não de alguém que me quisesse vivo.

— Por isso — continuou Zelena. — Peço que me deixe conduzir alguns... experimentos, com ele. — Seu olhar para mim pingava uma solução estranha e assustadora de prazer e maldade.

Gabriel olhou para outros cinco que estavam ali presentes, talvez esperando que dissessem alguma coisa. Pelo menos ele era um rei que pelo menos se dava ao trabalho de ouvir opiniões, uma coisa bem... inesperada para mim.

— E vocês?

— Sugiro que o submetamos a um interrogatório primeiro. Não sabemos ao certo por quem ele está trabalhando e o que ele sabe. — O comandante centauro fez uma pausa, semicerrando os olhos em uma expressão fadigada. — Antes de ele virar o brinquedinho da Zelena, precisamos de informações.

— Sou a favor disso também — disse Luciano, a voz perfeitamente polida, a postura impecável.

A menina piscou como se tivesse perdido sua deixa e, depois de um risinho infantil e bobo, emendou: — Ah, eu concordo com tudo que o Lulu concordar!

Os outros dois deram de ombros, também anuindo com a decisão de Parshatt — sim, esse era o nome do centauro, um nome bastante incomum para a região que vivia. Geralmente fauneses eram discriminados em muitos cantos do mundo, muitos deles até eram escravizados, porém aqui um exemplo do que um faunês bem sucedido conseguiria com esforço e prestigio.

Sua postura era imponente e severa como a de um verdadeiro comandante, sua aura era uma mistura de ferocidade com a calma sábia de um monge. Podia dizer, só de olhar para ele, que todas as batalhas que ele perdeu liderando em sua vida se podia contar nos dedos.

O rei Gabriel suspirou, considerando todas as opções e então se levantou de seu trono. Todos ficaram de joelhos e Luciano empurrou minha cabeça para baixo para me obrigar ao mesmo.

— Então está decidido! Amanhã o interrogaremos e veremos o que ele pode nos oferecer de útil. E então, Zelena, dependendo do que conseguirmos, pode fazer o que quiser com ele depois — determinou o rei.

— Com sua licença, Vossa Majestade, tenho assuntos importantes a tratar nesse momento. — Zelena fez uma saudação e completou: — Com sua licença...

— Está dispensada. Todos vocês estão e levem o nosso [DOUTRINADOR] aqui de volta para sua cela.

Eu fui levantado com certa aspereza por Luciano, que me conduziu para fora da sala do trono. Zelena foi a primeira a sair e, pude notar que Gabriel olhava de uma forma estranha para ela, como se estivesse desconfiado. Talvez eles não fossem tão confiantes assim um no outro e era um rachadura que eu poderia abusar bastante no futuro para escapar.

De qualquer forma, amanhã seria o dia que eu estaria sozinho com Gabriel — ou pelo menos, estaria na presença do menor número de pessoas possível — e seria a oportunidade de ouro que eu teria para escapar. Isso se Salamandra cooperasse...

Enquanto andava aos empurrões e ignorando perguntas e comentários irritantes da menina Birgitta nos meus ouvidos, eu só pensava em duas coisas: a primeira era a estranha sensação de familiaridade com aquele rosto, aquele tom de voz, aquela postura... tudo no Gabriel era extremamente reconhecível para mim. Como se...

Se eu o conhecesse a muito tempo.

Será que tinha algo sobre o que o Junior me falou naquela época? Sobre todos nós sermos amigos de um outro mundo? E isso também me levava à segunda coisa que não me deixava em paz...

Onde estaria Junior uma hora dessas?

 

 

 

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Em ||Aminarossa||, a general soberana se prepara para fazer seu próprio movimento.

PLAYER: [Thayslânia]

 

— Então, essa é a nossa situação atual?

Esfreguei o queixo, algo desconfortável estremecendo dentro de mim. Podia chamar de sentimento, instinto, pressentimento... alguma coisa me dizia que o momento de observar já tinha passado e era chegado a hora de agir.

— Sim. — Quem falava do outro lado da imagem feita pelo //ESPELHO DA VISÃO// era Reginald Killjoy, o comandante de ||LACUNA||. — Os andralinos começaram a se mover e tomaram ||BASIN-C||. Toda a porção oeste do continente, com exceção de ||REN DO NORTE||, estão sobre influência deles. Recebi o contato da Alta- Sacerdotisa de ||GARDENMOON V||, dizendo que eles nos apoiarão e pode ser nossa frente surpresa contra os andralinos.

Foi impossível conter o estalo de língua, assim como o rosto de insatisfação.

Andei pelo meu salão até chegar à minha mesa. Desci um soco de frustração involuntário no tampo da mesa, o som quebradiço de madeira a se partir preenchendo todo o espaço.

— General Thayslânia? — Reginald expressou preocupação na voz, mas sem quebrar sua postura rígida de militar.

— Nada. Eu só não estava esperando ouvir isso. Os desgraçados nos pegaram de jeito!

— Posso mandar reforçar nossas fronteiras do ||FORTE LAPUTA|| até a ||MUSKIN||. Um perímetro poderá ser feito também nas imediações da ||FLORESTA DO BAFO|| e nas margens do ||RIO DA CRIAÇÃO||.

— O grande rio que corta todo o continente?

Reginald confirmou com um aceno de cabeça.

— Nossas forças estão consolidadas. Não faz sentido dá um passo maior que a perna — raciocinei, recuperando a frieza dos pensamentos. — Creio que nossa maior vantagem agora seja o silêncio. E o elemento surpresa.

— E qual será seu próximo passo, general? Temos, nesse exato momento, um destacamento em posição no ||PORTO STRONGHOLD||, como tinha ordenado que eu mandasse. Para quê, exatamente, estamos no movendo?

— Letícia está voltando de sua missão em ||REN DO SUL||. Preciso que a receba em sua cidade dentro de alguns dias.

Reginald não perguntou mais nada e apenas acatou minha ordem. A comunicação do espelho foi desligada e eu voltei à solidão de minha sala, pensativa.

O que esses malditos sabem que eu não sei? Era só questão de tempo até que meu fiel braço direito voltasse do território inimigo com seus segredos em mãos. E isso era bom. Precisava de uma boa notícia para me convencer de que estava no caminho certo.

Talvez alguma forma de compensar o que eu já fiz. Fazer o certo e, quem sabe, não me sentir uma impostora travestida de heroína.

— Letícia... queria mais uma daqueles encontros de chá agora — disse comigo mesma, olhando a magnificência de ||AMINAROSSA|| pelo janelão da sala.

De repente, as portas se abrem de uma vez. Um soldado entra, faz a saudação aminarosiana e ajoelha-se em reverência.

— General! Notícias... de ||LHASA||! — arfou o soldado, com dificuldades pra controlar a voz.

— Reporte. — Foi difícil manter a postura.

— ||LACUNA||... acaba de ser invadida!

 

 

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Notas:

Olá, pipols e bugados! Acharam que a nova obra seria a única surpresa, não é? Pois Cheaters também não podia ficar de fora das surpresas e hoje, o novo Volume está sendo lançado. Agradeço a paciência de todos e vamos continuar as aventuras do bom e velho Juniorai.

Os capítulos serão lançados aos domingos e, talvez, nas quintas. Espero contar com a presença de todos! Até o próximo capítulo, pipols! <3



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