Volume 1 – Arco 2
Capítulo 85: Viver ou Morrer
[[ O motorista viu a situação do jovem, mas não fez mais nada do que apenas olhar pelo retrovisor interno, o menino se desfazendo em lágrimas silenciosas... Não se importava, era comum pessoas chorarem, pessoas terem aquela reação ao perder um parente.
Quando chegou na casa de Douglas, o largou no portão... agora, de fato, sem ninguém.
O jovem entrou, observando sua casa exatamente da mesma forma de quando saiu.
A mesma bagunça de sempre.
A mesma bagunça de antes da morte de sua mãe.
Cada objeto abandonado na mesma posição.
Cada prato sujo.
Cada roupa caída no chão.
Cada travesseiro fora do lugar.
Nunca mudaria, a não ser que o mesmo fizesse algo... algo que... não fez.
Não comeu.
Não bebeu.
Não arrumou nada.
Não lavou o banheiro pedido pela mãe.
Douglas cruzou a porta.
Entrou.
Foi direto para o quarto.
Apagou todas as luzes.
Afundou-se na escuridão.
E apenas ficou lá.
Olhando a tela do celular.
Esperando sua namorada o chamar.
Coisa que...
...nunca aconteceu.
13 de Dezembro de 2020...
Ual... seu aniversário de 23 anos chegou...
Seu pai não voltou.
Sua mãe... também não.
Sua namorada nem mesmo cogitou lhe enviar uma mensagem... durante esses seis dias, em sua atuação, "chateada". A única coisa que lhe mandava mensagem era o banco e o trabalho.
E-mails o cobrando por estar faltando... mas entrou no serviço por cota de deficiência, o supermercado precisava mais dele do que ele precisava deles. Já o banco... bem... paciência. Deixaria vencer, sua menina já havia sujado seu nome fazia tempo.
E mesmo que sempre tivesse sido ensinado a confiar e ter sua mãe como melhor amiga, a pessoa na qual podia dizer, podia se abrir, falar tudo... ele não disse, pois sabia que sua mãe brigaria, e a vontade de uma jovem, desconhecida, nova na vida do menino, se sobressaiu.
E disso nasceu uma mentira, um segredo, uma "traição", para com a única pessoa que verdadeiramente sempre lhe amou.
Seu pai foi embora antes mesmo do menino nascer... Curioso... o que a mãe imaginou que aconteceria lhe entregando de corpo e alma para seu primeiro namoradinho conhecido em uma festa de rua?
Ensinamentos de todos os erros cometidos em sua vida nunca faltaram para Douglas... mas nem sempre apenas o teórico funcionava para os filhos, e precisavam quebrar a cara eles mesmos...
Só que o menino não era normal. Era autista. Cuidados diferentes que uma mãe solteira e pobre não tinha acesso.
Só tinha o amor de tentar entender e ajudar... apoiar, vê-lo crescer e ganhando independência. Vê-lo seguir o que sempre foi fascinado: engenharia. Embora fosse cara, ela não ligava, pagava, mesmo que o salão não desse o suficiente, mesmo que precisasse passar uns dias comendo menos... pagava.
Pois queria realizar o sonho do menino e mostrar que era possível, mostrar que ele era normal, e não o ser estranho que se sentia por ter sido escolhido pela condiçãozinha anormal.
O menino só queria ser amado. Só queria fazer amigos. Só queria sentir-se normal... mas o mundo sempre jogava em sua cara... o contrário.
Era noite, e como todos os dias passados, passou quase sem comer nada. Saía do quarto sempre cambaleando, indo morder algo quando se via quase caindo fraco de fome, o que fez a casa começar a ter o mesmo rosto, o mesmo espírito do garoto. Toda imunda, empoeirada, desorganizada.
A comida que sua mãe fez no dia da morte ainda se encontrava no fogão, já fedendo, estragada, azeda. Cheia de moscas, cheia de larvas. Douglas não se importava, dividia espaço com os novos integrantes da casa. Sempre ia no armário ao lado da geladeira pegar um biscoito, mas esse recurso acabou rápido.
Sua mão, ao encontrar o vazio, foi acompanhada pelo rosto, se dirigindo ao armário, onde viu um pacote de macarrão parafuso. Scrrcs... pegou o pacote, Frhsc! abriu, Nhicrh-crak! e começou a comer aquilo cru, mesmo tendo água, mesmo ainda tendo gás para usar o fogão.
Seu ânimo era inexistente, mas ainda não era nulo.
Só que, naquela noite especial, onde segurava o celular como se fosse sua vida, como se precisasse viver para ver se sua namorada lhe mandava algo... o menino decidiu... ligar. Chamá-la para ir lá... e foi o que fez. Clicou em ligar, e colocou o celular no ouvido:
A ligação foi atendida... o jovem abriu um pequeno sorriso.
"Ela não recusou!" E, com sua alegria, pediu, com a voz acanhada: — Nicoly, você está ocupada? Queria te ver hoje, a-amor... É meu aniversário. Talvez tenha esquecido, hehe...
Nenhuma voz saía da ligação, mas ao olhar para o aparelho, mostrava a sobreposição da mudança para uma chamada de vídeo, e o menino sorriu abundantemente, sentando-se na cama, arrumando o cabelo — extremamente amassado e sem cuidado — antes de aceitar a mudança.
Ao clicar... não era a sua namorada que se revelou na câmera frontal, era um homem, também de pele negra, olhando-o com um semblante, até então, normal. Mas, com o choque que viu do outro lado da chamada, trocou a câmera para a traseira, e então filmou Nicoly, chupando-o, ajoelhada em frente ao sofá vermelho.
Mais ao fundo, Douglas viu mais dois caras sem roupas, e um chegava com o pênis ereto na direção da sua namorada, transando com outro cara. O desespero se juntou ao choque, e, inicialmente, o jovem não disse nada.
A câmera voltou para o homem e, de forma fria e provocativa, comentou:
— É a sua namorada, negão? Ha! Relaxa... depois a gente devolve pra você.
Risadas — tanto dele quanto do homem que se aproximava — foram escutadas, e a câmera foi trocada novamente, filmando a menina, sendo auxiliada pela mão esquerda do sentado, atrás da nuca dela, para subir e descer... com mais vontade.
O segundo homem, este com a pele negra idêntica à de Douglas, se ajoelhou de certo modo, erguendo levemente a menina, fazendo-a ficar de quatro, antes de começar a penetrá-la.
Nicoly esboçava um sorriso, era visível... mesmo com a boca ocupada.
Mas o homem a quem chupava ergueu a cabeça dela, Arffh! fazendo-a recuperar o fôlego, com bastante baba em seus lábios inchados. Fap... fap... As mãos assumiram o trabalho. A menina sorriu para o homem, filmando-a com os lábios e o queixo brilhando bem de perto.
Pá!
Um tapa em seu rosto se seguiu, fazendo-a girá-lo para o lado, Plap-plap! enquanto era penetrada, com as mãos do outro afundadas em sua cintura.
— Olha pra mim, cachorra — ordenou o homem filmando, e Nicoly se virou para ele, jogando o cabelo, que caiu em cascata nos ombros e costas, mostrando que gostava... mostrando que queria mais.
Plap-plap!
O que a penetrava segurou o cabelo.
Sua mão girou, criando uma alça forte, puxando com brutalidade para trás, aumentando o ritmo das batidas. A menina sorriu, com uma risada sapeca, divertida. Os olhos brilhando — não mais que o molhado no rosto — enquanto olhava diretamente para o homem... por trás do celular, mostrando a traição.
Mas... Douglas não via isso.
Via dois homens a abusando... com um terceiro chegando cada vez mais próximo da cena.
— PARA! VOU CHAMAR...!
Quando iniciou o seu grito desesperado, a ligação foi encerrada, e o jovem, em desespero, começou a ligar e ligar, sem parar. Ligações que eram recusadas rapidamente, até chegar em um ponto que só apitava e apitava, sem ninguém ao menos recusar.
Chorando, acreditando que sua namorada precisava de ajuda, ser salva, ficou imerso na sua fraqueza e incompetência. Apenas ligava e ligava, chorando e esperando uma resposta, pois nem mesmo sabia onde a menina estava, para mandar a polícia.
Horas se passaram.
Já era 2h14 da manhã do dia seguinte, e então, com mais uma ligação... foi atendido.
— Oi?
A voz dela o fez se erguer na cama num pulo, o celular quase caindo das mãos:
— O que aconteceu?! Onde você está!?
— Não sei... me deixaram na rua. — A voz da menina soava tranquila demais, quase zombeteira, como se a qualquer momento fosse começar a rir.
— V-vv-você tá bem?!
"Ar... que menino chato!" — Não... — Ergueu o celular, caminhando, de fato, na calçada de uma rua. Mas não era uma rua comum: era um condomínio fechado de alta classe, onde foi por interesse, transar por presentinhos.
Saiu pela rua despreocupada, pois sabia que não tinha perigo, andando quase sem roupa e toda... suja de porra. Abriu a câmera na conversa, para mandar uma foto do seu rosto... leitado.
O breve flash iluminou sua feição quase debochada, e logo a notificação da foto apareceu para ele, que abriu instantaneamente, vendo aquilo.
— O-o...
— Eles me chamaram para uma festa, falando que um DJ que eu gosto de escutar ia tocar lá. Mas quando eu cheguei, era só os três na casa, e me... comeram. Desculpa...
A menina dizia em um tom de vítima, quase um choro sem lágrimas, com um sorrisinho no rosto, brincando com a cabeça do jovem enquanto dizia coisas completamente desnecessárias.
— Me foderam por horas... sem parar. Revezaram quem iria me usar... quem iria tirar cada uma das minhas vir-... virgindades... Gozaram em mim, me forçaram a fazer diversas coisas, amor... Tá doendo, eu tô fedendo...
— Liga pra polícia! Onde você tá?! — gritou ele, o peito se apertando num desespero ainda maior.
— E-eu não sei... Hrfff... — suspirou falsamente, olhando em volta sem qualquer real temor. — Me comeram e depois me colocaram num carro com a cabeça tampada. Me ameaçaram... Disseram coisas horríveis sobre mim e o meu corpo, meu a-amor...
A cabeça do jovem pulsava de dor, sem saber o que fazer.
— Depois de um tempo me tocando, mesmo que tenham me usado inteira na casa, me jogaram na rua, desamarraram o saco na cabeça e os meus braços, e foram embora, me deixando no frio.
— Usa o GPS, liga pr...
A encenação continuava.
Sua voz chorosa se alternava com a indiferença estampada no rosto, enquanto pedia:
— Do-Douglas... Eu quero ir a uma delegacia... Preciso muito ir, meu amor! Mas tô sem dinheiro... Me manda dois mil reais, meu benzinho. Preciso sair daqui. Tô em Santos, tava numa festa na lancha de um dos meni... Desgraçados! Eu não sabia que isso ia acontecer... E-eu não sei o que fazer!
O valor... ecoou na mente do jovem.
— E-eee-e-eu não tenho isso... Meu cartão tá no limite. Nem sei como vou pagar a fatura, amor!
— Pega um empréstimo! — insistiu, com uma falsa urgência e uma impaciência crescente. — Por favor, Douglas! Eu preciso de ajuda!
A pressão... era tanta, mas tanta, que o menino abriu o aplicativo do banco... mas... o fechou, em uma súbita concordância com a realidade do seu estado financeiro.
— A-amor! Não dá! Eu juro! Liga pra polícia! Por favor!
Um silêncio gritante na chamada se iniciou.
— A-amor? — chamou baixinho.
Nenhuma resposta.
— Amor!!
Então, veio:
— Douglas... desculpa, amor... mas eu quero terminar com você.
Os olhos do menino travaram, o coração... parou mais uma vez naquele mês.
— E-eu não sou mais virgem... não sou mais pura, para estar ao seu lado. Desculpa, mas eles tiraram isso de mim. Me sinto nojenta, me sinto impura. Desculpa... mas nosso relacionamento acabou, tá?
— O-o-o quê? Como assim!!? Não! Não! Nnnnn-no-nós podemos passar por cima disso! Eu ajudo você! Eu prometo! Eu te amo! Nicoly, eu te amo!!
O desespero em sua voz era o lamento vivo de alguém que assistia o resto da própria sanidade escorrer pelos dedos. Olhava para o celular como se sua vida tivesse uma única veia mantendo-a... "viva", e a veia em questão era aquela ligação.
— Acabou... — A voz dela, tão fria, cortava como uma lâmina feita de neve maciça.
— E-eu mando o dinheiro! Por favor, não faz isso! Fica comigo! Fica comig...o...
A ligação foi finalizada, e a menina gargalhava na rua...
— "Fica comigo", "Fica comigo". HAEHAEHAE! Que cabaço!
Nicoly bloqueou o contato... a foto sumiu no celular do menino.
Suas mensagens desesperadas, pedindo desculpas e dizendo que ia ajudar... nunca chegaram até o outro lado.
Sem mais nenhuma perspectiva. Sem mais nenhum dos seus dois amores em sua vida... se via, de fato... sozinho. Na madrugada seguinte, após o seu desesperado e ansioso... aniversário.
Um mês passou.
Mês este que o jovem só conseguia repetir em sua mente o "Tchau" que sua mãe deu no dia do falecimento e a última ligação que teve de sua ex-namorada. Todos os dias ainda continuavam iguais. Cada dia que passava, a casa ficava mais suja e fedorenta... igual ao rapaz.
Olhava, durante o dia inteiro, a foto e mensagens antigas na conversa.
A foto da garota suja de esperma lhe dava um certo tesão, que combinava com suas conversas quentes — a forma que a menina encontrava para não se deitar com o jovem, e apenas usá-lo — com figurinhas sexuais e ideias para a lua de mel após o menino conseguir bancar um casamento ultramente fora da realidade financeira que conseguiria prover em vida... mas que tentava conseguir aquele futuro para mantê-la ao seu lado.
Mesmo que aquele esperma não fosse dele... com a sua mente cada vez mais fragmentada, acreditava que era, e juntando tudo, se masturbava pensando nela. Não tinha forças, energia, ânimo, comida... Mas, mesmo estando fodido, naquela casa com quase nenhum recurso mais, ainda se matava na punheta a cada dia, deixando o ambiente ainda mais nojento e fedorento.
Era o que tinha.
Sua motivação não existia mais... ao menos acreditava nisso.
A faculdade já havia retornado ao funcionamento... e, depois de acordar um dia, às 15h41, o menino teve o maior pico de força do mês. Se levantou querendo mudança, querendo a vitória, querendo honrar sua mãe e conseguir se tornar o que sempre disse que amava.
Queria projetar casas, construir coisas magníficas... queria ser um engenheiro civil.
Se levantou de sua cama toda zoada.
Procurou no guarda-roupa, que nunca abrira após entrar naquela situação, por uma roupa limpa, e encontrou uma calça jeans e uma blusa xadrez. Fush-fush! as balançou para retirar a poeira, junto da mochila que não mexia há um tempo.
Não dizia nada... apenas agia.
Procurava seu tênis no meio da bagunça que nem mesmo viu quando criou aquilo. Pegou o tênis sujo e desbotado e foi até o banheiro, onde a lixeira transbordava papel, o vaso todo encardido... dentro do mesmo... prefiro nem dizer.
Seu banho foi rápido.
A água caiu, levando a sujeira escura e todo o suor de dias e dias se masturbando sem o mínimo de higiene. Não escovou os dentes, mas tentou limpar o cabelo. Não comeu nada, mas ao menos bebeu água.
Perambulava pela casa, que mais parecia um cenário de terror de um filme de gore... ou o sétimo jogo de uma franquia de um emo que matava zumbis.
Saiu de casa pela primeira vez.
Um sorriso exalava de seu rosto.
Não importava a cena dentro daquele lugar. Não importava o fedor ou a bagunça. Douglas estava tentando. Douglas acordou e deu um passo para frente. Aquilo sim importava. O início de uma mudança. Da sua luta interna e externa.
Mas...
Depois de chegar de ônibus na faculdade, por volta das 17h, entrando no prédio onde cursava, viu do outro lado do pátio sua ex-namorada beijando um cara de pele branca, mais alto que o próprio Douglas, e com uma tatuagem grande, estilo tribal, no braço direito...
Aquilo o destruiu de todas as formas.
Nunca se beijaram.
Sempre era uma promessa após o casamento.
Sempre era uma desculpa: "não era a hora certa".
Paralisado, olhava para a menina beijando o cara em um beijo agressivo, uma luta de línguas e cabeças... não era algo que alguém conseguiria na sua primeira, ou primeiras vezes. O beijo parou após um tempinho. A mão do cara amassando a bunda da menina, na ponta dos pés.
O cara, assim que parou e se ergueu, apoiado com as costas na parede, notou Douglas ao longe, olhando-os, e aquilo deixou Douglas com medo, pois o cara era grande e fisicamente forte.
Na pressão do olhar, abaixou a cabeça, esmagado pela vergonha, pela dor, pelo ódio de si mesmo... e saiu correndo para dentro do seu prédio. Mas, naquele dia, não havia mais aula.
Não para ele... para a mente dele.
Sua concentração foi pro caralho.
Não escutou.
Não entendeu.
Não fez nada em sala.
A imagem da sua menina beijando outro cara, com a bunda sendo apertada de forma tão vulgar em público, não saía da sua cabeça. Não conseguia entender o que fez de errado...
"O que eu faço...? O que eu faço...?"
Em sua mente... uma outra imagem surgiu.
Uma passarela que sempre via, quando descia no ponto de ônibus para seguir até sua faculdade... e então, o menino decidiu que aquele ali... seria... seu último dia. ]]
— Mãe... e-eu tent...
— Pula.
Vrrrum! Vul vuummm!
Entre o som abafado dos carros passando velozes pela avenida, uma voz — sinistra, cortante — rasgou o ar.
Douglas, em choque, olhou para o lado.
Assustado... viu Nino.
Viu um garoto que não parecia pertencer àquele mundo. Seu olhar era fundo, cruel, carregado de algo que Douglas não conseguia entender — algo que não era humano. Uma presença tão densa que sufocava o peito.
— O-o quê...? — gaguejou, incapaz de firmar as pernas sobre a mureta.
— Você quer se matar, não quer? Então pula. — A voz era fria, como aço. — Se mata. Quero ver seu corpo despedaçado. Deixe-me apreciar sua morte.
Douglas gaguejou violentamente, tremendo e quase caindo lá de cima... pelo medo:
— O-o-o-o quê ééé vo-vo-você!?
— Um demônio — respondeu Nino, abrindo um sorriso lento e cruel. — Agora pula. Vou estar te esperando lá embaixo.
A língua do Primordial passou lentamente pelos lábios. Seus olhos, brilhando num roxo doentio, sugavam a pouca luz da noite. Sua marca, visível e pulsando, mostrava-se mais escura que o escuro, sendo nítida... no Preto Absoluto.
— Sua carne... deve ficar bem macia depois de ser esmagada por vários carros — murmurou, sua sede de sangue explícita no tom.
— E-eu não quero... e-eu... — O desespero era mais que nítido, seus pensamentos fora do controle. Seu corpo reagia de forma diferente do seu cérebro.
— Pula — rosnou, como uma entidade faminta.
— NnNnNnn-nã...
— PULA! — gritou, e sua voz saiu como um tiro.
Isso assustou ainda mais o jovem naquela situação, quase caindo sem sua intenção daquele lugar.
— NnnnNn-NÃ-EEeeeE-EU...!
— PULA!
O rapaz começou a tremer profusamente.
Seu corpo parecia que colapsaria só de ouvir a força da entonação que o primordial colocou em sua voz.
Olhava para os carros.
Olhava para o menino.
Sua cabeça girava.
Seu medo crescia.
— PULA, AGOORAA!
A voz de Nino não lembrava um ser normal... nem anormal.
Uma voz rígida, mortal... aterrorizante.
— EU NÃO QUERO MAIS! EU NÃO QU...!
— SE JOGUE...! AGOOORAA!! — A voz explodiu, monstruosa, reverberando na alma do jovem.
O medo, a confusão se juntaram, e a vitamina batida com os dois juntos não era nada boa.
O rapaz não sabia o que fazer.
Queria pular, mas suas pernas só tremiam. Queria viver, mas não sabia. Queria morrer, mas não aquele dia. Sua respiração acelerou, uma crise de ansiedade disparou, e os gritos de Nino o guiaram...
Um caminhão vinha, e, fechando os olhos... se jogou.
O caminhoneiro barbado vinha tranquilo. Uma musiquinha animada, pop adolescente, bem menininha, tocava. Um gosto que escondia dos seus amigos de profissão. Sua dancinha minimalista, seus lábios se movendo em uma cantoria silenciosa.
Seu encosto de assento de bolinhas de madeira lhe fazia uma leve massagem, em seu corpo robusto. Ao seu lado, no painel à direita, uma gatinha laranja dormia em uma caminha — sua melhor amiga de viagem.
O homem nem se tocava de nada.
A noite estava escura, e a passarela não era muito bem iluminada.
Mas foi então que o sinal para retornar à igreja veio.
Do mais absoluto nada, o corpo do jovem surgiu na frente do caminhão, caindo na direção do para-brisa... só que... não.
Ssskkiiiirrr!
O homem se assustou, virando o volante para tentar desviar, enquanto freava com força... mesmo que fosse inútil.
— O quê?! C-cadê?
Miiiaau!
Assustado com o desaparecimento do vulto tão rápido, olhou para o lado após controlar a direção, depois de quase se jogar na mureta de proteção da avenida. Sua gata reclamava com o movimento brusco, e, com um sorriso mais aliviado, o homem levou sua mão até lá, para fazer carinho na cabeça da companheira.
— Desculpa, Sol... Acho que só tomar café o dia todo não funciona depois de 30 horas acordado...
Bip! Biiiiip!
Uma buzina irritada estourou do lado, um motociclista reclamando da fechada, mas o homem apenas ignorou e seguiu sua rota normalmente, após o belo teste de coração.
Douglas surgiu na floresta, caído no chão, na posição em que Nino o segurou e o levou até lá.
Shkrkkrk!
A mochila foi picotada a ponto de não restar nenhuma bactéria presente no tecido apagado da existência.
No jogo, não poderia restar nenhuma evidência, sangue, roupa, nada. Nino sabia bem que a polícia passaria por ali amanhã ou em outro dia, atrás do homem da televisão. Sabendo disso, não deixaria nada além do que há na natureza do local.
— O-o que você quer? — balbuciou Douglas, se erguendo, mas suas pernas não se firmavam. Continuavam bambas dos eventos passados. Nino ia andando na direção, Srrcrcrr... e o menino ia se arrastando pelo mato, no sentido contrário.
— Eu que pergunto... Você quer realmente morrer?
Pah!
O rapaz se arrastou sem ver para onde ia, e suas costas pararam no início de uma grande árvore. O impacto o assustou, e a piscada que deu foi o suficiente para Nino surgir agachado na sua frente.
— HIM!
— A...!
Segurou o pescoço do jovem, quando o mesmo tentou abrir a boca em um grito.
— Glulu-gurp!
Scrrrrechh!
Forçando-o assim, como todos, a ingerir do sangue preto.
Não demorou muito para a testa ser rasgada, com o número 4 sendo revelado, na harmonia dos gemidos de dor e desespero, funcionando como uma trilha sonora para o massacre quase pronto para ser iniciado. ]
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