Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Alluna


Volume 1

Capítulo 1: Malditos Demônios

Para uma noite sem lua, ela estava bem barulhenta. Não era caótico, mas sim rítmico à sua própria maneira, o ruído alto vindo apenas de uma fonte ou duas.

A chuva batia forte, tanto no telhado quanto na terra, e o crepitar da lareira dava compasso àquela música confusa da natureza, num certo nível reconfortante.

Uma mulher de cabelos loiros se sentava em frente à lareira. Tinha em suas mãos um livro grosso, com uma capa de couro sem nenhum entalhe. Sua atenção estava toda no livro, então não percebeu a menina que a observava.

Essa menina era Lira, de dez anos apenas, que olhava esperançosa para a mulher na cadeira. Os fios rebeldes de seus cabelos vermelhos e loiros de vez em quando atrapalhavam sua visão ao cair sobre os olhos.

“Quer ouvir uma história da mamãe, Lira?“ Um sussurro veio detrás dela.

Lira se assustou, mas logo se recompôs quando viu que era sua irmã.

“Nati, não me assuste desse jeito” Lira disse num tom baixo, e voltou a observar sua mãe.

Natália se juntou à sua irmã, observando-a na poltrona.

“Por que não vai pedir a ela?” Perguntou Natália novamente.

“Estou esperando ela dar a pausa dela.”

Ela não desviou seu olhar do livro. Continuava focada, ao ponto de dar inveja a quem visse. Lira e Natália ficaram ali, escondidas, perto do batente da porta, esperando o tempo passar e que sua mãe parasse de ler. E ela parou.

Levou cerca de vinte minutos para isso acontecer, mas o fez.

Ela descansou o livro na pequena mesa de três pernas ao lado, deu um longo suspirou e encostou-se na mesa em seguida, ficou ali olhando para o fogo da lareira se mexer e remexer.

Devagar, Lira se aproximou. Ficou ao lado da mãe e disse com ternura e um pouco de apelo.

“Mãe. A senhora pode me contar uma história?“ Ela escondia o rosto atrás do braço da poltrona e aguardava, esperançosa por uma resposta positiva.

Sua mãe deu uma risada curta e abafada, porém, ela parecia carregar muito mais coisas. Cansaço, apreciação, felicidade. Isso era um pouco mais do que Lira não conseguiu perceber.

“Você não acha que está velha demais para histórias, mocinha?” Ela disse meio brincalhona e deu um peteleco leve no nariz da filha.

Lira se assustou com ele, mas se recompôs e olhou mais uma vez esperançosa para a mãe.

“Você sempre conta histórias para os velhos na cidade.” Lira retrucou.

“Claro que sim, eles não ouviram todas as histórias que eu tenho para contar. Diferente de você, que toda noite me pede uma história. Desse jeito, as surpresas no meu baú acabarão. Tem certeza que quer uma?”

Lira pensou um pouco, mas rapidamente decidiu-se. Ela acenou com firmeza para a mãe e sentou de frente para ela. Poucos segundos depois, Natália se juntou às duas.

“Parece que a Lira não é a única que quer uma história.” Disse a mãe, meio sarcástica e carismática.

Natalia abriu um sorriso infantil, coisa que não combinava com seu rosto jovem.

“Uma história, é?“ Uma voz feminina meio distante disse. “Acho que vou me juntar a vocês.”

Uma mulher alta de longos cabelos vermelhos apareceu ao lado da mulher na poltrona, segurando duas canecas numa cor meio cinza e âmbar. Entregou uma delas para sua mãe e se sentou junto das irmãs.

“Até a Mayara? Acho que hoje é um dia especial, que merece um conto especial e antigo.”

Ela ajeitou-se na poltrona, tirando as costas do encosto dela e olhando para os olhos de cada uma das três filhas. A mais nova, Lira, estava hipnotizada sem a história nem ter começado. Natália, a do meio, aguardava ansiosa com as pernas cruzadas e batendo-as, como se fossem borboletas. Mayara via a situação das duas e dava uma risada leve e curta, a risada de alguém que sente saudades de algo distante. Muito, muito distante.

“Muito bem.”

Ela deu uma pausa, olhou para as três filhas na sua frente, abriu um sorriso de orgulho no rosto e começou.

“Nós humanos nunca fomos bons com a magia, ela raramente desperta nos nossos corações, mas quando desperta, é uma dádiva insubstituível. Guerreiros poderosíssimos surgiram dessa dádiva e foram graças a esses guerreiros que a guerra contra os demônios nunca terminou com a nossa derrota.”

“Porém, com o surgimento de Morpheus, um rei demônio muito poderoso, com gigantescas asas negras, tudo isso mudou e a guerra começou a pender para uma derrota. O rei daquela época, no entanto, teve uma ideia genial. Ele caminhou por todo o reino de Altum, nosso lar, até encontrar guerreiros, magos e intelectuais muito superiores à média, criando assim ‘Os Heróis’. Eles eram os melhores no que faziam, e foram a maior força contra Morpheus, numa luta gigantesca.”

“Há mais de 300 anos, Morpheus lutou contra Os Heróis na batalha conhecida como ‘o desastre seguido do sumiço.’ Nessa luta, Os Heróis, liderados por Zarathors, o Herói paladino, transformaram essa batalha em algo de uma escala tão grande que…”

Uma batida muito forte veio da entrada e a porta logo se abriu. O vento forte, úmido e gelado deu um leve choque térmico em Lira e nas demais no cômodo.

Um homem alto, de cabelos e barba vermelhos carmesim, estava encharcado e bufando. O ar quente saindo de seu corpo criava leves névoas na frente de sua boca e nariz.

“Laura, emergência!” Ele gritou alto e bufando. Parecia que havia corrido muito.

“Como assim? Marcos, o que aconteceu com você, o que está acontecendo?” Laura soava extremamente preocupada, se levantou rapidamente da poltrona e se aproximou de Marcos. Colocou sua mão no lado de seu rosto tentando acalmá-lo e pareceu funcionar.

Devagar ele tirou a mão dela e disse: “Demónios de sangue azul!”

Lira e suas irmãs observavam tudo aquilo, ela não entendeu o que seu pai quis dizer, porém, suas irmãs entraram em estado de choque. Mayara derrubou a caneca que ela segurava, não a quebrando, já que estava sentada no chão, mas derramando tudo o que tinha dentro enquanto suas mãos tremiam. Natália não estava muito longe disso, seus olhos pareciam os de alguém em que a alma abandonou o corpo, e suas pernas, que antes dançavam de excitação, agora tremiam iguais às mãos de Mayara.

O rosto de suas irmãs e mãe eram do mais puro medo e terror, em contrapartida,  o de Lira não. O dela era de confusão e tristeza por não poder ouvir o fim da história.

“O que está havendo, gente?” Ela perguntou tristonha.

“Mayara, leve suas irmãs pro quarto agora!” Marcos disse com força, soando quase como um grito, sua expressão estava tensa. Sua voz era a coisa mais estranha, soando preocupado e determinado, mas carregava um tom de horror e medo muito forte também.

Mayara relutantemente se levantou. Suas pernas tremiam e ela parecia estar com muito medo. Muito mesmo.

"Natália… vamos!” Sua boca tremia. Parecia que ela queria soar como uma ordem, mas saiu fraca, baixa e hesitante.

Natália a acompanhou, suas pernas já não tremiam tanto, mas seu rosto ainda carregava uma horrível expressão. Ela agarrou o braço de Lira e a levou consigo.

“Natália o que tá fazendo, isso dói!” Lira tentava tirar a mão de sua irmã e teve êxito depois de alguns segundos sendo arrastada. Ela tinha agarrado tão forte que uma marca branca estava no lugar onde antes se encontrava a mão.

Lira foi correndo ao encontro da mãe, abraçou suas pernas e de olhos marejados, ela disse: “Mãe, o que tá havendo?”

A mãe ficou de joelhos na mesma altura de Lira. Seus olhos castanhos a acalmaram no mesmo instante.

“Lira, vai ficar tudo bem minha filha.” Sua voz tinha um peso mínimo de medo, quase imperceptível. “Fique junto das suas irmãs que eu vou daqui a pouco, okay?”

Lira acenou com a cabeça e foi relutante junto de Natália, segurando com uma das mãos a marca no braço. As duas juntas foram até onde Mayara estava e ela continuava no mesmo estado que antes. As três entraram no quarto e Mayara fechou a porta atrás delas.

O quarto delas era, de longe, o maior cômodo da casa. A janela do quarto estava fechada e trancada com um cadeado todo feito de latão, num dourado e prateado meio fosco e velho. Tinham três camas bem parecidas entre si, mas cada uma delas carregava a personalidade de sua respectiva dona. Não na cama em si, mas sim no criado-mudo ao lado delas.

No de Mayara, vários livros estavam empilhados e uma vela, que foi usada muitas vezes e que estava quase no fim.

No de Natália, tinha um caderno aberto com várias anotações, vários lápis de carvão e alguns poucos de grafite. Todos eles pareciam estar usados e alguns estavam tão pequenos que tinham o tamanho de uma unha.

O de Lira, bem, tinha cara de infância. Várias bonecas de pano e algumas de madeira estavam em diversas posições espalhadas pelo criado-mudo. Algumas até estavam caídas no chão.

Ela foi correndo e pulou em cima da sua cama, e puxou uma de suas bonecas. Começou a brincar com ela olhando para o teto. Lira estava muito confusa, não conseguiu entender nem por um segundo sequer o que havia acontecido na sala. Ela se levantou, sentou-se ao lado da cama, deixando a boneca para lá, e olhou para suas irmãs.

Todas elas se sentaram em suas respectivas camas, Mayara na mais próxima à porta, Natália na do meio e Lira na mais próxima à janela. A expressão das duas estava carregada de preocupação, principalmente de Mayara.

Seu olhar estava distante, mas suava frio e as mãos continuavam a tremer. Depois de algum tempo, seus olhos começaram a ficar marejados e ela colocou as duas mãos no rosto. Deu para ouvir um barulho leve e sofrido de choro.

Natália abraçava as próprias pernas e tinha um rosto triste olhando para o vazio. Diferente de Mayara, ela não escondia as lágrimas. Dava para ouvir e ver nitidamente seu choro. Lira permanecia desentendida, sua expressão era tão confusa que chegava a ser cômica.

“Gente, o que está acontecendo?” Ela perguntou.

As duas olharam para ela perplexas e confusas.

“Você não entendeu ainda?” Natália respondeu meio irritada.

“Se eu perguntei é porque eu não entendi.”

Natália se levantou aborrecida, foi na direção de Lira e agarrou seus ombros com muita força.

“Você não entende, Lira?!” Natália falou com força. “São demônios de sangue azul!”

Lira ainda não entendia o que aquilo significava, olhou para Natália esperando mais alguma explicação, que nunca veio. Pelo menos não dela.

“Ela não irá entender, Natália, ela não passou pelo que nós passamos.” Mayara respondeu de uma forma calma, mas não acalmou Lira. “Sente-se, Lira, vou te contar uma história.”

Lira ficou animada, sentadinha na cama de pernas cruzadas aguardando a história da irmã.

“Antes de você nascer, Lira, a mamãe e o papai moravam numa vila. Não era grande coisa, mas eu e a Natália crescemos lá. Um dia, nós ouvimos gritos da mais pura dor, e eles vinham dos nossos vizinhos. A vila foi atacada por demônios, Lira. Demônios de sangue azul são mais poderosos que os demônios convencionais e eles são horríveis. Mataram cada uma das pessoas que moravam naquela vila. Cortaram suas gargantas, os pulsos. Queimaram vivo o meu melhor amigo, Lira! Queimaram vivo!”

Mayara começou a chorar muito, a soluçar. Ela parecia prestes a colapsar, Natalia confortou sua irmã, mas a acompanhava no choro. Lira olhava para elas, entendendo agora que a situação em que estavam era bem pior do que parecia.

“Eu tenho que fazer isso, Laura!” Marcos gritou da cozinha. Um som alto de algo quebrando veio em seguida, como madeira se estilhaçando.

“Marcos, vamos fugir, é mais seguro… sensato até” Laura respondeu sem gritar, mas seu tom era firme e soou quase como uma ordem.

“Esses malditos vão nos perseguir até o inferno, não vou deixar minhas filhas passarem por isso. Não de novo.”

Um clack forte veio do outro lado da porta, e em seguida, os passos firmes de Marcos.

“Marcos, guarde esse revólver agora!” Laura gritou dessa vez.

Um estrondo ainda mais forte veio, outra coisa quebrou.

“O que temos aqui?” Uma voz que arranhava os ouvidos foi ouvida do outro lado do cômodo. Lira nunca havia escutado uma voz assim, ela arrepiou-se inteira.

Um som alto de disparo cortou todo o barulho do lado de fora e um silêncio muito agoniante se formou.

Passaram-se alguns segundos…

E então um minuto…

E o único barulho era o da chuva e o da lareira.

Mayara, temendo que algo ruim tivesse acontecido com seus pais, encostou o ouvido na porta e bem de leve, ela ouviu as respirações pesadas de seu pai e os murmúrios baixos e leves de sua mãe.

Eles estavam vivos, mas muito, muito apreensivos.

E então, em cima do quarto das meninas, a madeira começou a ranger. Como se alguma coisa estivesse caminhando por lá e foi se distanciando.

“Em cima de nós.” Mayara sussurrou, meio que para si mesma.

Outra vez o barulho de madeira quebrando, mas muito mais alto e seguido dele veio o que pareceu um baque de algo caindo.

“Achamos vocês.” Uma outra voz arranhada e grave veio da sala.

“Para trás, se não quiserem levar osso de laralto no meio da cara!” Marcos gritou, e junto disso o barulho da arma sendo carregada.

“Pensa mesmo que vamos acreditar num caipira que nem você?!” Uma terceira voz arranhada, essa era bem aguda.

Um disparo veio após esse comentário e, junto dele, um barulho agoniante que parecia o de algo sendo queimado vivo.

Uma barulheira gigante começou, mais disparos foram feitos e as criaturas disseram em voz alta algumas frases estranhas e deu para ver um brilho por debaixo da porta.

Após esse barulho incessante, o silêncio. Mas ele durou pouquíssimo tempo.

“Esse miserável tinha balas de laralto?! Quando foi que se tornou tão fácil conseguir isso?” Uma das vozes arranhadas disse, cortando o silêncio e soando extremamente irritada e indignada.

“Não se tornou mais fácil, Ario, se tornou mais barato. Mas tenho que concordar com você, eu não esperava esse resultado. Meganimus até morreu.”

“Bem, acabamos aqui então, Sergu?” Ario perguntou, ele soou irritado e cansado.

“Ainda não, fomos informados que eles tinham filhas, não é?” Foi a resposta de Sergu.

“Droga!” Mayara exclamou, ela olhou para Lira em silêncio pensando sozinha e depois para Natália. “Nati, coloque Lira no buraco.”

Natália olhou torto por um momento para Mayara. “Tem certeza, Mayara?”

“Absoluta.”

As duas olharam por um breve momento para Lira, ela tinha uma expressão de alguém que não entendia o que estava prestes a acontecer. Elas rodearam a cama de Lira e, do lado da cama dela, levantaram um alçapão que estava bem escondido no piso.

“Lira, entre aqui agora.” Mayara disse.

E Lira o fez, hesitante, mas o fez. Era um buraco sem nenhum tipo de coisa cobrindo a terra e Lira coube de forma perfeita ali.

“Mayara, cuida da porta!” Natália gritou num tom de emergência e Mayara foi correndo para ajudá-la. No processo ela soltou o alçapão, fechando Lira no buraco. Ela já não tinha visão do que acontecia lá fora.

Por uma pequena fissura que tinha no alçapão, Lira viu Natália se aproximando e dizendo: “Não saia daí até que fique puro silêncio aqui em cima, entendeu?” Natália sussurrou.

Lira ouviu um estalo alto vindo da entrada.

“Achei elas, Sergu!”

O estalar aumentou, eles obviamente estavam quebrando a madeira da porta.

“Para trás!” Mayara gritou aos prantos.

“Acha mesmo que teremos medo de uma faca…”

A fala de Sergu foi cortada no final e Lira ouviu o som baixo de algo sendo cortado.

Sergu gritou. Foi o grito mais alto que Lira já ouviu na vida, o mais arranhado, o mais agudo, mais assombroso, mas tinha algo a mais nele. Depois de um longo minuto ele parou e Lira não conseguia se mexer. Nem um músculo sequer.

“Droga! Essa vaca acertou meu olho!” Sergu gritou.

O som de algo sendo estapeado foi alto e claro. Pela fissura do alçapão Lira conseguiu enxergar sua irmã Mayara passar num vulto e, em seguida, um baque forte contra a madeira.

“Você usou Grito Interior para paralisar duas garotas, mas não usou contra um caçador de demônios em momento algum?” Ario perguntou soando meio irônico e irritado.

“Foi instintivo, e também, você sabe que isso acaba com a minha voz, não é, Ario?” Sergu respondeu meio brincalhão, e de fato, a voz dele estava mais rouca.

“Bem… pelo menos deixou o serviço mais fácil.” Ario soou indiferente.

“Espere, vamos nos divertir um pouco com elas primeiro.” Sergu disse.

“Você sabe que não podemos. É tabu para os de sangue azul ter esse tipo de coisa com humanos.” Ario retrucou aborrecido.

“Qual é, ninguém vai estar vendo.”

“Eu vou.” A firmeza na voz de Ario gerou medo em Lira.

“Tá bom, senhor certinho. Mas vamos pelo menos nos divertir com elas? Por favor? Por favorzinho?” Ele soou como se fosse uma criança pedindo doce, mas sua voz arranhada, rouca e aguda tornou aquilo horroroso e tenebroso.

Um breve momento de silêncio permaneceu e ele era agoniante para Lira.

Não era um silêncio absoluto, tinha algo no fundo. Num volume baixo, quase imperceptível. Lira ouviu suas irmãs chorando e agonizando. Ela queria gritar. Dizer para aqueles malditos pararem.

Mas ela não conseguia, nem mesmo um projeto de ruído saía de sua boca. O que tornou a situação de suas irmãs muito pior.

“Certo, pode ser.” Airo confirmou.

Pelos próximos trinta minutos a lista de barulhos audíveis era curta, porém, agonizante.

O corte de carne, o sangue escorrendo, os ruídos de dor vindos de Mayara e Natália, os murmúrios silenciosos que os demônios proclamavam e que criavam um leve brilho, e seguido disso, mais ruídos de dor. O barulho da chuva e da lareira acesa ainda estavam ali, mas cada vez mais fracos e inaudíveis.

"Aí, fazia tempo que eu não me divertia assim, sabiam?” Sergu comentou, ele parecia bem mais feliz que antes.

“Falou comigo?” Perguntou Ario.

“Não, estou agradecendo essas duas no chão. Ainda não entendo porque você quis ficar com a mais velha.”

“Só fui nela primeiro. Bem, já que já acabamos aqui, vamos embora para informar o chefe que cuidamos da historiadora.”

“Sim, eu aposto que ele vai ficar satisfeito.”

A madeira começou a ranger e esse som foi ficando cada vez mais distante.

“Escuta.” Deu para ouvir Sergu de longe. “Você acha que meu olho tem cura?”

“Deve ter, vamos perguntar para o…” Já não dava mais para ouvi-los.

Lira pensou que poderia sair agora, mas ela ainda não conseguia se mover e ficou naquele estado por talvez mais vinte minutos.

Quando ela começou a sentir que seu corpo voltou a funcionar, ela percebeu o quão tensos estavam seus músculos, chegavam até estarem doloridos. Ela parou por um momento, respirou fundo e, com dificuldade, levantou o alçapão.

Lira se arrependeu no mesmo instante.

Quando ele subiu, um líquido vermelho e meio viscoso começou a pingar em cima dela. Quando ela saiu do buraco, um enjoo imediato abateu-se sobre ela.

A primeira visão que Lira teve foi de Natália. Seu corpo estava cortado em diversas partes, alguns cortes eram muito profundos, e outros bem superficiais. Mas estavam espalhados em diversas partes, inclusive no rosto. O pulso e a garganta tinham os maiores cortes.

Lira quase caiu no buraco, mas ela não podia. Tinha de sair dali o mais rápido que seu corpo deixasse. Lentamente ela retomou o equilíbrio e foi andando até a porta, devagar e apreensiva. Foi aí que Lira percebeu algo, viu muito sangue no chão e era impossível aquele sangue ser só de Natália.

Ela olhou para trás e viu o pior.

Mayara estava num estado indescritível, de alguma forma ela fora amassada contra a parede. Vários dos seus ossos estavam quebrados e em posições não naturais. Lira caiu no chão de susto. Ela começou a se arrastar desesperada em direção à porta e finalmente saiu do quarto.

A sala estava uma bagunça completa, a poltrona estava quebrada, havia diversos arranhões nas paredes e na lareira, e eram todos grotescos, mas o pior não era isso. Tinham três cadáveres na sala, o que estava nas melhores condições tinha um buraco de bala no meio do rosto com um sangue cinza e mórbido saindo da ferida. Aquele era um dos demônios que atacaram a casa.

A pele dele era meio azulada e no meio do seu cabelo meio esverdeado musgo, ele tinha dois chifres, um partido na metade e o outro tendo quase o tamanho de um antebraço.

Os outros dois cadáveres eram de Marcos e Laura. Marcos tinha diversas queimaduras e parecia que fazia pouquíssimo tempo que o fogo dessas queimaduras havia se apagado, ele tinha cortes profundos na garganta e no pulso. Laura estava sem cabeça, simples assim, mas ela também tinha cortes profundos nos pulsos.

O sangue vermelho dos dois era a principal decoração do lugar e de alguma forma, o sangue do demônio também saía e se espalhava ao seu redor. Seja lá o que tenha secado dentro dele, não foi sangue.

Lira estava desesperada. Com dificuldades, ela começou a se levantar e correr para a porta de entrada, e saiu de casa.

Ela correu, sem um destino em mente. A única coisa que passava na cabeça de Lira eram suas irmãs e seus pais, um turbilhão incessante de pensamentos que lhe atormentava muito.

Ela não parou de correr. Já estaria naquele estado faria uma hora e a chuva começou a aumentar de novo.

Duas horas correndo e ela se sentia exausta, estava encharcada pela chuva e seu estômago roncava, pois não comia desde a manhã.

Três horas correndo e ela estava no meio de uma floresta muito densa e escura, Lira sentia que sua consciência estava se distanciando dela.

Trinta minutos depois ela estava no chão, com frio. Sua respiração criava fumaça na frente de sua boca e nariz. Ela estava exausta. Suas pálpebras se tornavam cada vez mais pesadas, seus olhos pregavam a todo momento e cada vez demoravam mais para abrir. Chegou um momento que ela não abriu mais os olhos e desmaiou. Mal sabia Lira que, no fundo da floresta, alguém a observava.



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