Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: John


Volume 1

Capítulo 22: Fumaça amarela

As ruas estavam incrivelmente calmas enquanto Arnok e Kaesar caminhavam pelos centros da cidade baixa. Muita gente naquela hora do dia aproveitava o comércio do lugar para comer ou se divertir, mas eles dois estavam ali por um motivo diferente. 

Só que Arnok ainda não sabia exatamente qual era.

“O que diabos Kaijum queria no fim das contas?” 

“Ele quer que busquemos uma entrega para ele.” Kaesar respondeu. Ele caminhava com as mãos no bolso, despreocupado e com um sorriso simples no rosto. 

“Sabe que tipo de entrega?” 

“Ele só disse o lugar que o sujeito estaria para nos entregar.”

“E onde seria?” Arnok perguntou pouco antes de Kaesar parar de repente e olhar para cima.

“Ali no topo.” Ele apontou com a cabeça.

Arnok olhou para cima e viu uma gigantesca torre, com um relógio no topo. Era toda em blocos de pedra cinzenta e parecia estar a mais tempo que a maioria das pessoas que caminhavam por ali. 

Ele ficou encarando o relógio por algum tempo. Eram 11:30 da manhã e o ponteiro dos segundos passava rápido.

Era hipnotizante num certo nível. Sua cabeça divagou entre diversos pensamentos sobre quanto o tempo passara rápido de duas semanas para cá.

“Tanta coisa mudou.”  Ele pensou.

“Arnok.” Kaesar o chamou, tirando-o de seus devaneios. “Vamos.”

O asa negra acenou positivo e os dois caminharam até a porta da torre do relógio. 

O lugar lá dentro não era muito longe do que Arnok esperava. Era um cômodo de talvez 7 por 7 metros, com as paredes em um estado precário de limpeza e só tendo uma escada de madeira no centro, sendo sustentada por uma estrutura de ferro que ia até o topo.

“Onde será que ele vai tá?” Arnok  perguntou em voz alta.

“Chuto que seja no topo.” Foi a resposta de Kaesar. Eles dois olharam para a escada e já se sentiam cansados só de pensar em escalar aquilo tudo.

“Chegaram cedo.” Alguém falou de trás deles.

Os dois tomaram um susto e improvisaram uma posição de combate. Pelo visto não foi uma boa posição, porque o sujeito que surgiu de repente começou a rir. 

Ele estava encapuzado com um manto cinza e simples, além de vestir luvas de couro. Sua risada era confortável de se ouvir e soava gentil quando falava.

“Desculpem-me por assustá-los...” Ele puxou o capuz e os dois demônios ficaram sem reação. “Devem ser os ajudantes do Kaijum, não é?”

Era um homem de pele parda com um bigode longo no rosto. O pouco cabelo que tinha era escondido em grande parte por uma boina que ele tirou do bolso e seu sorriso era um grande contraste no seu rosto.

Se fosse uma situação comum, Arnok e Kaesar relevariam a aparência do sujeito. No entanto, havia um grande problema.

Ele era humano.

“Kaijum e eu nos conhecemos há um bom tempo...” Ele comentou enquanto mexia as mãos sem parar, por mais que Arnok e Kaesar não tivessem perguntado nada. “Fazemos favores um para o outro desde de sempre, acho que é o mesmo dessa vez.”

Ele puxou a capa para o lado e mostrou por um breve instante uma bolsa de couro, puxou dali de dentro um pacote envolto em um tecido roxo e que ocupava toda a bolsa.

“Foi bem difícil encontrar esse aqui.” Ele bateu duas vezes no pacote, com um sorriso orgulhoso no rosto. Passou o pacote para Kaesar sem um pingo de desconfiança ou raiva. Bem diferente do homalupo.

Hesitando e com um olhar ameaçador, Kaesar pegou o pacote e a primeira coisa que fez foi colocá-lo perto do ouvido. Não conseguiu ouvir nada.

“Não é uma bomba.” Foi o comentário do humano depois de ver a reação do Kaesar. Ele ainda mantinha o sorriso amistoso e um olhar calmo, parecia já estar acostumado com aquilo. “É um livro, apenas isso.”

Ambos os demônios olharam para o pacote, um tanto envergonhados, mas não perderam o olhar de desconfiança em cima do humano. 

“Bem, é isso.” Ele se virou e caminhou de volta para a porta. “Adeus!”

“Espera!” Arnok gritou.

O humano se virou e olhou surpreso para Arnok, Kaesar olhou da mesma forma para seu colega.

“Sobre o que é o livro?” Foi a pergunta do Asa Negra. Kaesar olhou incrédulo para seu amigo e o humano só conseguiu rir.

“Os Profundos.” 

Ele se virou de novo e dessa vez saiu do prédio. Um longo minuto se passou com eles em um silêncio mórbido, quando Kaesar agarrou o amigo nos ombros.

“Que ideia foi essa?!” 

O homalupo continuou reclamando, mas Arnok não prestou atenção nele. Só conseguia olhar para o pacote balançando nas mãos do Kaesar furioso.

Libereco.” Arnok murmurou.

“O quê?” Kaesar perguntou.

“Nada, vamos voltar para o Kaijum.” Arnok começou a ir em direção à porta da torre e Kaesar seguiu no seu encalço pouco antes de agarrar o ombro do asa negra.

“Vamos  comer em algum lugar na cidade média. Tô sentindo meu estômago revirar.” E naquele exato momento, por alguma coincidência estranha. A barriga do Kaesar roncou alto, como se o lembrasse dos seus deveres diários.

Os dois demônios riram da situação.

Dez minutos depois, já estavam longe da torre do relógio e entrando na cidade média. Kaesar carregava o livro nas mãos, sem se importar com seu peso relativamente grande.

“Meu irmão me recomendou um lugar uns tempos atrás...” Kaesar comentou se virando para Arnok. “É uma cafeteria, podemos ir lá.”

“Pode ser.”

De repente, ouviram um barulho alto, de algo quebrando. Por instinto, Arnok se virou abruptamente na direção de um beco entre duas casas. Era escuro e não parecia ter ninguém por ali.

A não ser por um pedaço quebrado de telha.

Kaesar riu da preocupação exagerada de Arnok e da sua posição de combate improvisada. 

“Vem, vamos logo.” Kaesar começou a se afastar de novo e Arnok estava prestes a fazer o mesmo.

Mas no instante que se virou, outro baque alto de cerâmica quebrando. Arnok se virou, só que dessa vez olhou para cima em vez do chão. 

Um homem vestido em roupas pretas e usando uma máscara tentava manter o corpo mais estático possível para não derrubar o resto de telha que tinha no telhado estendido de uma sacada.

Tudo apontava que ele era humano.

“Mas o...” 

Eles dois trocaram olhares, e o humano, claramente desesperado, não se importou com o barulho que fez e subiu até o telhado do prédio para sair correndo em sequência.

“Kaesar, um humano!” 

“Eu vi.” 

“Eu vou ver o que ele está fazendo." Arnok abriu suas asas e num único movimento saiu do chão, com algumas penas velhas ficando para trás.

Ficando 30 metros acima do chão, ele observou todos os arredores procurando pelo humano. Viu o sujeito a alguns prédios de distância e Arnok começou a persegui-lo.

A cada bater de suas asas, algumas telhas de cerâmica saiam dos telhados e iam para a rua, trinta metros abaixo. Ele se aproximava cada vez mais do homem de preto. Era estranho o quanto ele estava se esforçando para alcançar um humano correndo. 

Ele voava no fim das contas, como alguém poderia ser mais rápido que isso.

Faltando poucos metros de distância, Arnok já se esticava para agarrá-lo. Foi quando o sujeito puxou um revólver por entre os panos da sua roupa preta. Seu tempo de reação foi invejável e rapidamente disparou na asa direita de Arnok. 

A dor latejante veio no mesmo instante e ele caiu nos telhados das casas e prédios comerciais da cidade média. O conserto das calhas e telhas seria a parte mais cara da semana de muitos naquela rua.

Arnok ficou com o rosto e as mãos raladas pela queda e sua asa não parava de pingar sangue. Quando se voltou para o humano, ele já estava com o cano da arma bem perto do seu nariz.

“Foi você que matou o Maike?” A voz dele ficou abafada pela máscara, mas o ódio impregnado nela era claro como o dia.

Um longo minuto de silêncio ficou entre eles dois. Arnok não conseguia tirar os olhos do cano do revólver e o sujeito de máscara aguardava uma resposta que ele já possuía.

“FOI VOCÊ, NÃO FOI!” Seu grito pareceu atravessar os céus.

Arnok só conseguiu engolir em seco.

“Eu...”

“Diga a ele peninha.” Uma voz grave disse isso a Arnok e ele sentiu cada milímetro de sua alma tremer. “Diga o que você disse a mim...” 

O rosto do sujeito antes sem nome, apareceu diante da arma que o humano de máscara usava. Maike tinha um rosto sádico e com um sorriso maldoso.

“Diga que foram suas mãos que me mataram.” 

Arnok sentia seu corpo ganhar um peso imensurável. Seus olhos marejaram no instante seguinte e se sentia prestes a desabar.

“Vamos diga...” A voz de Maike parecia agridoce nos ouvidos do Asa Negra.

“Só pode ter sido você!” O sujeito de máscara olhou enojado para Arnok e o peso que o garoto sentia aumentou ainda mais.  O humano puxou o cão do revólver e colocou o cano na testa do Arnok. “Admita e você ganhará uma morte rápida.”

Arnok engoliu em seco, de novo, e fechou os olhos em sequência. Se viu de volta naquele quarto de hospedaria com o rosto de Maike entre suas mãos em chamas.

“Eu...” começou a murmurar.

“ORI, VAI!” Uma voz veio ao longe e quando Arnok abriu os olhos, ele viu o vulto gigantesco de um lobo, negro como tinta.

Ori foi para cima do sujeito mascarado e agarrou seu braço como se fosse um pedaço de borracha. Desesperado, o humano se afastou de Arnok enquanto tentava se desvencilhar do lobo de tinta negra.

Arnok ficou apenas olhando o desespero estampado no humano. 

“Se safou pelo visto, mas por quanto tempo?” Maike estava parado ao lado de Arnok.

O jovem demônio sentia seu sangue ferver.

O humano finalmente decidiu pensar e puxou o revólver para a cabeça do lobo. O efeito do disparo na cabeça de Ori foi como se um jarro de tinta preta fosse jogado num quadro e aquele amontoado de tinta se afastou do humano e foi parar perto do Arnok.

No instante seguinte, Ori voltou a sua forma original e rosnava raivoso contra o humano na sua frente.

“Você é só um lobo idiota, saia do meu caminho!” Ele ameaçou com um disparo perto das patas do Ori. Um buraco enorme ficou no lugar onde o projétil acertou.

Ori parou de rosnar e pareceu dar um sorriso.

De dentro do buraco, algo começou a se mover por entre os pedaços de telha. Formava um rastro em S e um som semelhante a um guizo começou a soar.

Aquele vulto começou a se aproximar de Ori e escalar suas pernas, a coisa se enrolou no peito do lobo negro e ali ficou.

Ori correu na direção do humano e o sujeito já começava a apontar o revólver na direção do lobo. Porém, a criatura negra saltou por cima do homem e passou longe dele.

Mas algo se soltou do Ori.

Rápido e praticamente invisível, uma cascavel caiu em direção do humano com uma expressão de horror ao ver o erro que cometeu. 

Sua primeira reação foi levar o braço a frente do corpo, e a cobra se aproveitou disso. Ela picou e atravessou o tecido grosso e pesado das roupas, como se fosse seda barata, e rapidamente se enrolou ao redor do braço do humano. 

Ela era muito maior que seu antebraço, então continuou a se enrolar até chegar no pescoço. Em nenhum momento a cobra apertou para matar, ficou apenas parada com as presas enfiadas no braço do homem mascarado.

O efeito do veneno veio pouco depois. Sua temperatura subiu e o humano sentiu sua cabeça rodar, até que seu equilíbrio foi embora, junto do controle das suas pernas.

Ele tombou para o lado e caiu do telhado.

Arnok foi correndo para descer também, mas sentiu suas asas falharem no meio da queda e quase caiu sobre os joelhos. 

Quando ficou em pé de novo, viu o humano lutando para manter o equilíbrio. Ele puxou uma faca da panturrilha e cortou a cobra inteira. 

Ela deu um breve grito de dor e se tornou uma tinta verde, meio transparente, e voou em direção de um beco não muito longe dali.

“Fez bem Serpenta.” Kaesar saiu do beco, sem camisa, com uma gigantesca tatuagem se formando no meio do seu peito. Era a cabeça de uma serpente. “Deixe comigo e Ori agora.” 

O lobo negro surgiu do seu lado como uma gigantesca sombra, rosnando ainda mais irritado que antes.

“Arnok, consegue lutar?” Ele perguntou olhando para o estado precário do seu amigo.

“Consigo.” Com dificuldade, Arnok ficou de pé e olhou para o humano na sua frente.

“Ele já está quase acabado, será fácil imobilizá-lo."

O humano usava quase todas as suas forças para se manter de pé e quando ele viu os dois demônios se aproximando lentamente, se desesperou.

Ele puxou uma seringa dos bolsos e a injetou em um dos braços, como se não fosse nada. Pegou uma segunda e a injetou da mesma forma.

Sentiu todo seu sangue ferver num único segundo e o veneno pareceu apenas um remédio azedo no seu sistema. Abriu um sorriso sádico e olhou para os dois demônios na sua frente como se fossem meros insetos.

Ele fingiu fazer uma arma com os dedos e ainda com seu sorriso no rosto, começou a murmurar dezenas de coisas que nem Arnok ou Kaesar entendiam. 

A mana externa começou a rodear a ponta de seu dedo indicador e uma esfera azul surgiu e os dois demônios entenderam o que o humano estava fazendo.

Estava prestes a finalizar a magia e os dois demônios tentaram se esquivar daquilo. Seria impossível impedi-lo.

Porém, um vulto branco passou por eles e uma onda de poeira veio em sequência. Foi tão forte e alta que impediu a visão dos dois.

A poeira abaixou e eles viram um garoto onde era para estar o humano, ele era relativamente alto, com curtos cabelos brancos e longas asas de luz branca. Era um homalupo de pelo prata.

“Estão bem?” Ele perguntou com uma voz cheia de determinação e fazendo suas asas desaparecerem com um balançar de ombros.

“Ponto de luz azul!” A voz de alguém que tentava soar confiante veio ao longe e um feixe de luz surgiu do meio da névoa, quase acertando o sujeito de cabelo branco.

Os dois, o humano e o sujeito de cabelo branco, se encaram por um instante e uma expressão de discernimento e medo surgiu no rosto do homem de preto.

“Mas que merda.” Ele disse.

Vindo dos telhados, um objeto cilíndrico caiu no chão, com um baque. Ele foi rolando até ficar entre o humano e os demônios. A coisa explodiu e um gás amarelo se espalhou rapidamente, cobrindo a visão de todos os presentes.

Ela incomodava e muitos os olhos e o nariz de todos. Era ardida e parecia como poeira no fundo dos olhos. Era quase impossível mantê-los abertos.

Quase...

Arnok se forçou a abrir os olhos e viu um sujeito de cabelos grisalhos ajudar o humano a ficar de pé. Aquele homem se virou para Arnok e olhou para ele de uma forma profunda.

Parecia enxergar o fundo de sua alma, ao mesmo tempo que seu caráter.

Ele se virou e sumiu para longe da fumaça, junto do sujeito mascarado nos seus ombros.

“Droga!” 

Arnok estava prestes a persegui-los, quando um velho conhecido apareceu na sua frente.

“Você os perdeu Arnok?” Maike perguntou sarcástico.

O jovem demônio tentou passar por ele, mas Maike só continuou impedindo-o de passar. 

“Eu realmente morri para alguém como você?” Pareceu enojado falando aquilo.

“Cala a boca.” Arnok mais uma vez tentou passar, mas Maike só se colocou na frente dele e o olhou nos olhos.

“Você é sortudo peninha? Porque só consigo pensar nessa possibilidade para você ter me vencido.”

Arnok se sentia revoltado, mas sabia que não podia fazer nada. Aquele sujeito na sua frente não existia. Era apenas uma ilusão de uma mente cheia de problemas. 

Então por que eu estou me importando tanto com ele? Pensava.

Ele não podia deixar aqueles dois escaparem, sabia disso. Sentia isso. Esticou suas asas até o máximo que a dor e o buraco na asa permitiram, e as balançou de uma única vez, com toda sua força.

Precisou fazer isso três vezes, para que toda a fumaça amarela se dissipasse e que fosse possível enxergar alguma coisa.

Diversas pessoas haviam se aglomerado ao redor da confusão e dos gritos, elas olhavam assustadas para os jovens estudantes da academia, enquanto coçavam os olhos e narizes de toda aquela fumaça amarela.

Kaesar e Ori estavam em um estado precário, ele coçava os olhos sem parar e seu lobo tentava ao máximo tirar aquela coisa amarela e picante do focinho.

O garoto de cabelo branco também estava no chão, com as calças raladas e os olhos lacrimejando.

A confusão e os murmúrios de todos ao redor, tentando entender a situação eram os únicos sons que Arnok ouvia. Ele não entendia o que diziam, mas não se importava com isso.

Olhou ao redor e não encontrou nenhum humano naquele meio. Não achava os dois sujeitos de antes. Não queria acreditar que deixou eles escaparem.

“Parece que deixou o pássaro fugir, peninha...” Maike comentou com um tom de nojo estampado na voz. “Inútil!”

Cheio de raiva e se reprimindo pelos olhares das pessoas ao redor, ele fincou suas unhas na pele nua da palma de sua mão. O sangue escorreu, enquanto a fumaça amarela se dispersava.



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