Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

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Volume 1

Capítulo 29: A colina

Alguma coisa aparentava estar errado com a porta. Olhava para as trancas de latão e as via no lugar, olhou para a maçaneta dourada e a viu intacta. Então o que diabos estava errado com aquela porta?

“Sobre o que está pensando?” Philip perguntou de repente, trazendo Lira de volta ao presente.

Em vez de olhar para dentro, ela viu a fogueira recém apagada e indagou-se por quanto tempo ficara olhando para a porta. 

“Nada...” Respondeu enquanto se levantava. “Só divagando.”

Fazia um dia desde que aquilo começou, mais especificamente depois que Vitra foi embora. Esse sentimento estranho no âmago de Lira. Uma constante, estranha e uniforme, incapaz de ser descrita além de algo que ela não podia controlar.

Para qualquer lugar que ela olhasse, a sensação voltava mais forte. Não era ruim, apenas irritante. Ainda tentava esconder aquilo de Philip, mas cada vez a sensação transparecia em seu rosto. 

“Vamos, falta pouco para chegarmos no lugar.” 

Philip já havia terminado de arrumar as próprias coisas, mas Lira ainda precisava terminar com as dela. Na pressa, ela acabou guardando desordenadamente as coisas conforme adiantava o passo na direção dele.

“Pegou a sua arma?” Ele perguntou vendo o descuido de Lira com as próprias coisas.

“Sim, não se preocupe.” Retrucou, enquanto bebia o resto de água do seu cantil de couro. 

Naquele momento, eles estavam em uma trilha semi aberta, cercada por árvores de pinheiros e plantas rasteiras. Uma calmaria antes de todo o treino.

“Quanto tempo até a colina?” Lira perguntou curiosa.

“Uns vinte minutos... Talvez mais!” 

“Disse exatamente a mesma coisa há uma hora atrás.” Lira comentou mais para si mesma.

“Se está impaciente, então volte.” Ele abriu um sorriso irônico quando disse isso. “Foi apenas meio dia de caminhada.” 

“Sem graça.” Lira virou o rosto e Philip só pôde dar risada com aquilo. 

A caminhada continuou. Embora não parecesse, ela havia durado apenas quinze minutos.  Lá estavam eles, de frente para a “colina”. Lira olhou bem para ela e só pôde dizer uma coisa:

“Isso é uma clareira.” Apontou para o gigantesco espaço entre as árvores à sua frente. 

“É uma colina, Lira.” Philip retrucou com tanta confiança que quem olhasse de longe poderia até acreditar. No entanto, um argumento irrefutável estava diante deles. 

Aquilo definitivamente não era uma colina. 

 “Tá bom.” Lira riu cheia de ironia. “Se isso é uma colina, então cadê as pedras?”

“Embaixo da terra sua espertinha.” Ele retrucou com o mesmo sorriso orgulhoso. “E não é uma colina comum minha cara...”

“Só os loucos podem vê-la, não é?” Ela deu risada da própria piada.

Uma pequena veia saltou na testa de Philip. Ele se aproximou de Lira e olhou bem no fundo dos olhos dela, já não tendo mais o sorriso orgulhoso de antes. 

“Então os loucos tem a melhor mira do mundo.” Enquanto dizia isso, ele apontou para o espaço aberto acima deles e Lira olhou para cima em sequência. 

Dezenas de pássaros passavam por ali a todo instante. Diversas espécies com diversos formatos diferentes. Haviam algumas que foram afetadas pela mana e tinha asas dúplices, outros eram tão pequenos que era surpreendente vê-los daquela distância. Uma visão tão curiosa quanto linda. 

Lira ficou boquiaberta e Philip abriu o mesmo sorriso de antes.

“Uau...” Suspirou em admiração, enquanto mantinha-se sem palavras para descrever o cenário acima.

“Eu te disse.”

“Mas o que isso tem a ver com uma colina?” Ela perguntou confusa, mas ainda maravilhada. 

“Oras, muitos pássaros vivem próximos às colinas.” Retrucou com absoluta certeza e arrogância daquilo, fez com que a pergunta tivesse soado idiota. 

“Existem muitos pássaros perto de clareiras também.”

O rosto orgulhoso e arrogante de Philip caiu por terra, e foi substituído por uma expressão confusa e envergonhada. 

“Éeee...” Ele tentava pensar numa maneira de refutar Lira, mas ela já estava se matando de rir vendo a expressão confusa do próprio mestre. Ele só pôde sorrir e rir da situação junto a ela. "Vamos começar logo com isso."

Ele tirou a grande bolsa dos seus ombros e a jogou, sem grandes floreios, no chão. 

Enquanto Lira se aquecia, Philip puxava de dentro da sua bolsa duas espadas de madeira bem semelhantes entre si.

Entregou uma delas a Lira e os dois começaram a treinar. 

Fizeram inicialmente o que Philip chamou de "movimentos de base", que consistia basicamente na repetição de ações fundamentais. 

Lira quase sempre cometia algum erro em sua postura. No entanto, Philip sempre a corrigia e a fazia ela repetir o mesmo movimento. 

Foram talvez duas horas com isso. Ambos já suavam e arfavam, mas abriram um sorriso de satisfação. 

"Acho que é o suficiente para o aquecimento." Philip disse, enquanto pegava a espada de madeira da mão de Lira. 

Lira sentou no chão, enquanto via seu mestre arrumando as coisas para o próximo treinamento. Philip encostou a espada de madeira da sua discípula na bolsa e pegou de dentro dela um florete de aço. 

Ele se aproximou de Lira e a entregou o florete. Era extremamente leve, parecia que ela estava apenas segurando um lápis. Ela o balançou algumas vezes enquanto Philip tirava a poeira dos ombros e arrumava sua postura. 

“Me acerte, Lira.” Ele disse, já preparado e visando a Lira com a espada. Ela apenas o olhou confusa e um tanto incrédula.

“Você sabe que está com uma espada de madeira, né?” Disse meio irônica. 

“Então este é um treino duplo, sobre arrogância e controle. Vamos logo com isso Lira, só treinaremos pontaria se você me acertar.” Ele abriu um sorriso brincalhão. 

Lira ficou animada quando ouviu aquilo. Ela entrou em posição, assim como Philip, e após breves segundos de silêncio e olhares, ela avançou. 

Seu primeiro ataque foi um movimento em falso, desferiu o que parecia ser um corte lateral, mas mudou sua direção no último instante. Se achou muito esperta por ter pensado isso, mas para Philip, teria sido menos previsível se ela tivesse feito o golpe normalmente.

Com uma maestria, quase teatral, ele redirecionou o golpe de Lira com a parte lisa da lâmina. A espada passou por cima de sua cabeça e ele deu uma cotovelada em Lira, que a distanciou.

 O forte impacto fez Lira cuspir a saliva entalada na garganta e cambalear alguns passos. Para manter o equilíbrio, ela fincou a espada na terra e a usou como um bengala. 

No entanto, Philip partiu para cima e com um olhar de puro ódio, ele deu uma pancada em Lira com o cabo. Ela sentiu uma pontada de dor imensa com aquilo.

“Nunca finque sua espada no chão, Lira!” Ele gritou. “Principalmente no meio de uma luta… Em posição! E sem espadas na terra!” 

Irritada, Lira puxou a espada da terra e insatisfeita com tudo aquilo, ela partiu novamente contra Philip, dessa vez sem truques baratos, apenas golpes diretos e estocadas rápidas. 

Porém, dizer que aquele sujeito à sua frente era seu mestre não era de maneira alguma eufemismo. Philip facilmente desviava as estocadas e os cortes rápidos de Lira, com movimentos simples e sempre com um sorriso no rosto. A diferença no nível dos dois era tamanha, que nem a espada de madeira tinha arranhões dos cortes.

Eles ficaram alguns minutos naquilo, com idas e vindas numa luta que seria extremamente humilhante se Philip não estivesse apenas se esquivando. Lira arfava e suava em lugares que nunca imaginou que suaria, e estando na outra ponta, Philip apenas sorria conforme uma mísera gota de suor escorria de seu rosto. 

“Quer dar uma pausa?” Perguntou sincero, vendo a maneira como sua discípula parecia exausta. Porém, aquilo só inflou o ódio de Lira.

Outra sequência de golpes se seguiu, com ainda mais força bruta que antes. 

“Não é força bruta que vai me vencer, Lira…” Philip disse quando desviou dos golpes. Num último salto, ele se afastou de Lira por alguns passos e os dois se olharam mais uma vez. 

O tempo pareceu desacelerar… Lira se sentia extremamente viva naquele momento e não conseguiu evitar sorrir. Aquela situação toda fez ela se lembrar de um conto antigo que sua mãe havia lhe contado há muito tempo. 

Sobre um garoto, uma picareta e um dragão. 

Filho de mineiros, o garoto teve a vida destruída por um dragão. Sua única motivação e ligação com o passado era usar sua picareta para a mineração e, surpreendentemente, a caça.

Ele matou o dragão com um único golpe de picareta, que quebrou suas escamas como se fossem uma veia de ferro.

“Vamos ver se força bruta não te vence!” Ela disse depois que uma ideia inusitada surgiu em sua cabeça. 

Daquele ponto em diante ela lutou como um animal desgovernado. Não tratou aquela espada como se fosse um florete, tratou ele como se fosse um porrete. O balançava de cima para baixo contra seu mestre.

Philip, muito confuso, apenas se defendeu usando sua espada como um escudo. 

“Lira! Se recomponha!” Ele gritou, mas ela apenas o ignorou e continuou com aqueles golpes sem sentido. Philip ficou surpreendido com a força bruta que Lira tinha, e também com a velocidade que os golpes vinham. Ele não teve nenhuma outra escolha além de se defender daquela maneira. 

No entanto, ele viu pelo canto dos olhos uma rachadura surgindo na lâmina de madeira. Mas era tarde demais. 

Com apenas mais um golpe, Lira partiu a espada de madeira ao meio. Aquela metade voou para longe dali e o golpe dela continuou indo em frente, sem controle algum. 

O som de carne sendo cortada e de algo pingando soou junto ao farfalhar das árvores e o canto dos pássaros. Quando Lira parou para olhar, o florete havia se fincado profundamente no antebraço de Philip. Seu rosto assumiu uma expressão de choque. 

“Philip… Eu…” Gaguejou. 

Foi então que todos os sons pareceram diminuir perante aquela risada. Uma risada contagiante, infantil, alegre e extremamente alta. Philip se levantou e com uma facilidade imensa, tirou a espada de Lira do seu braço. 

“Acho que a idade está finalmente me afetando.” Disse abrindo um sorriso anormalmente largo e branco. “Perder para um método tão bruto, se me dissessem isso há uns anos acharia que estavam brincando comigo.” Outra vez aquela risada.

Lira ainda se sentia culpada, mas vendo o quanto Philip ria e sorria, mesmo depois de ter sido ferido, só conseguia pensar no quanto a frase na sua porta o demônio vive aqui parecia extremamente errada. 



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