Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Hide


Volume 2

Capítulo 16: Monstruoso asa negra

Paciência era uma virtude que sempre faltou em Arnok e percebia isto com especial desgosto naquele momento. Batia os pés contra a areia da arena de treino, não se importando com a sujeira que levantava, encarava as arquibancadas como se em algum momento alguma outra pessoa fosse surgir. Como se algo que o ameaçasse aparecesse.

Mas nada acontecia. Ele era apenas encarado por seus amigos. 

— O que acham que o Hiotum queria? — Vincent perguntou.

— Talvez seja alguma missão… — Sugeriu Kaesar, tirando o próprio sobretudo. Jogou ele nas arquibancadas que Arnok estava observando, assentos feitos na pedra que provavelmente somavam menos de cem. Era um lugar pequeno, não era destinado a grandes apresentações. Nada comparada a principal arena da academia, onde os eventos aconteciam.

— O Hiotum nunca passa nada pra gente. — O segundo Homalupo retrucou, se virando na direção do amigo asa negra. — Arnok, você pegou alguma missão que não era pro nosso nível?

Recebeu o silêncio como resposta. A mente de Arnok não parecia estar ali naquele lugar, nem no presente momento. Olhava a arquibancada com uma nojenta nostalgia, vendo flashes na própria cabeça das lutas noturnas das últimas semanas, das apresentações que tinha no começo de cada ano letivo e como, em todas elas, era encarado como um estranho. Um monstro em algum paraíso perfeito. 

Mas não havia nada de perfeito ali. Ou talvez ele fosse imperfeito demais. 

— O que vocês estão fazendo aqui? — Ouviu de repente, vindo de uma das entradas para a arquibancada. Ilja apareceu, seu cabelo tão suado quanto as roupas de treino que usava - uma camisa fina e simples, com uma calça esfarrapada e que mal se segurava na própria cintura.

— O Hiotum disse que tinha algo pro trio. — Vincent respondeu.

— Ele chamou de “pequena surpresa”, né? 

— O Arnok não sabe? — Ilja perguntou, saltando da arquibancada para a arena, uma pequena queda de dois metros e meio. 

— Se sabe, não parece tão afim de falar. 

Apesar do comentário, Arnok estava indiferente, nem a chegada de Ilja pareceu abalá-lo. Foi desta maneira que esperou o tempo passar, ignorando os comentários dos amigos e a mera presença deles ali. Se lhe perguntassem naquele momento a quanto tempo estava daquele jeito, teria dito apenas um instante, mas já fazia quase uma hora que estavam ali, quando Hiotum finalmente apareceu. 

Era tudo que Arnok precisava para voltar aos eixos. Olhou para o próprio mestre, esperando o motivo para estarem ali. Mas ele nada disse. 

Apesar das perguntas e insistências dos dois Homalupos, ele apenas encarou cada um ali. A agitação que tinha nos próprios olhos parecia marcar quando se virava na direção deles, e olhou com especial atenção para Ilja. 

— Você deveria estar na sala, não?

— Vocês, Anciões, tiveram uma reunião. Então juntei a sala em um treino especial. — Foi com essas palavras que todos ouviram ao longe, vindo provavelmente de uma arena próxima, o baque de madeira contra madeira e as entoações, para invocação de magia, sendo feitas. — E parece que estão animados o suficiente para treinarem sem supervisão. 

— Então você vai observar o trio. Vai ser meus olhos, enquanto eu me movo. 

Todos eles olharam confusos para Hiotum quando disse isto. 

— Se move? 

— Teremos um treinamento em conjunto, o trio de ouro contra o braço direito do rei. Discípulo e mestre, numa luta em que até seus companheiros se beneficiaram. 

Foi com este anúncio, que os ânimos pareceram se iluminar. Arnok abriu um sorriso largo, enquanto seus amigos se encaravam. Ilja olhava com certa inveja para eles, mas cruzou os braços e manteve seu casual brilho de sempre. As arquibancadas já não mais traziam uma ameaça ao jovem asa negra, apenas desejo. 

Foram liberados para se trocarem, os três, cada um indo à seus respectivos trocadores enquanto Hiotum e Ilja ficavam para trás. Ambos trocaram meias palavras de incentivo e conselho, o mestre de Arnok estranhando receber um conhecimento útil de um aluno. 

— O Arnok tem seus picos de fúria, mas é bem fácil de notar isso… — Começou a dizer depois de comentar sobre a falta de confiança de Kaesar em partir para a linha de frente. — Apesar de lutar usando o fogo, ele raramente incendeia as próprias mãos. Invoca torrentes e ondas de fogo, explode coisas e as queima como folha seca, mas nunca incendeia as próprias mãos. Nunca entendi o porquê…

Mas Hiotum entendeu.

Como uma antiga história contada em um bar, relatada com todo o teor horrendo e enjoado que um bêbado pode ter, aquela noite veio à tona. A primeira morte que Arnok presenciou, e a primeira que ele cometeu. 

— …Mas se lembra que se ele acender as próprias mãos, a coisa vai ficar feia. — Deixando este aviso flutuar no ar empoeirado da arena, ele caminhou de volta até as arquibancadas e subiu num único movimento - um pilar de terra surgiu, por baixo de um de seus pés, e o impulsionou até lá. 

Tamanha demonstração da capacidade de Ilja passou despercebido por Hiotum. Estava mais focado no que havia acontecido com seu discípulo. 

— Tenho de fazer alguma… — Murmurou, vendo que seu discípulo começava a voltar para o centro da arena, acompanhado dos outros dois. — Mas não hoje, não vai ser agora.

Não vai ser agora, o quê? — Arnok perguntou, se aproximando o suficiente para ouvir seu mestre. 

— Não vai ser agora que vou pegar leve. — Comentou, disfarçando perfeitamente. Também fez uma pose de orgulho. — Isso vai funcionar da seguinte forma…

"O objetivo de vocês três é me acertar. Simples assim. Qualquer golpe vale, desde que eu não seja capaz de defendê-lo, e apenas um de vocês precisa fazer isso. Trabalhem em conjunto, e se quiserem uma dica…"

Abriu um largo sorriso...

— Não se segurem. 

… e foi tudo que eles precisaram como aviso para agir. 

Um aceno de cabeça, e Arnok e Vincent avançaram contra Hiotum, voando e correndo cada um deles, respectivamente.

Arnok em seu voo baixo, seguiu com dois chutes de impacto acima da cintura, ambos defendidos com perfeição pelo seu mestre. Foi em meio a seu terceiro golpe que Vincent emendou um ataque com uma lança de luz contra ele. Ambos os golpes bastaram um desvio para o lado para evitá-los.

Isso se seguiu dessa maneira por alguns instantes. Poucos movimentos para se esquivar de golpes duplos vindo de ambos os alunos. Em um esquisito e desordenado rodízio, Arnok seguia com socos e chutes contra seu mestre, enquanto Vincent lançava uma magia numa tentativa de pegá-lo desprevinido. Então trocavam, Vincent golpeava e Arnok invocava a magia. Mas em nenhum momento funcionou. 

Os dois rapazes já arfavam, enquanto Hiotum tirava o sobretudo empoeirado que tinha - sequer estava vestido a caráter. 

— Vejo que terei muito serviço. — Disse, pisando forte no chão logo em sequência. Um guincho ruidoso veio em consequência, com a invisível serpente de Kaesar ficando agora aparente. Um animal de escamas brancas e de pingos reluzentes. — Vocês três precisam trabalhar juntos. 

— Já estamos fazendo isso! — Arnok retrucou irritado, recebendo olhares de incredulidade dos amigos. Tinha uma aparência de exaustão, ainda que o treino não fosse tão árduo quanto aparentava. Suas roupas, já sujas e esfarrapadas, agora também estavam chamuscadas, pois as várias chamas que havia criado anteriormente ainda não se apagaram totalmente e lentamente consumiam o tecido, como um pavio velho e seco. 

— Se estivessem, já teriam me acertado. — Respondeu, com calma. Não retribuiu o olhar irritado que recebia de Arnok, mas já começava a se inquietar. — Não é me atacando com golpes exagerados e brilhantes que vão me acertar. Isto não é trabalho em equipe. Trabalho em equipe é… — Estava prestes a continuar, quando seus olhos pousaram em Ilja. 

Já havia notado a agitação do jovem Demonkin, mas agora ela ganhava uma estranha emoção. Mesmo dali onde estava, Hiotum via os ombros tensos, os olhos atentos, as mãos cruzadas. Mais que um simples desejo de falar, parecia haver uma vontade de intervir. 

— Acho que Ilja pode explicar a vocês. — Adicionou, abrindo um sorriso e depositando toda a confiança na presença de Ilja. O jovem Demonkin se levantou rapidamente da cadeira em que estava e pulou para dentro da arena, sua empolgação era quase brilhante. 

— Seria um prazer enorme… — Começou a dizer, aos poucos, uma expressão neutra assumindo seu rosto. — Começando com Vincent. Sei o histórico da sua família e das coisas que sua magia é capaz de fazer. Sei também dos elogios e parabenizações que recebe por quase todos os nobres que passam por você, quanto a sua capacidade com a técnica da sua família. As possibilidades você tem, então por quê não as usa? — Sua pergunta soou não como uma ofensa, mas como uma genuína dúvida, fazendo um rubor de raiva e vergonha surgir no rosto do Homalupo de pelos brancos. 

"Agora, Kaesar. Eu não vi você sequer tentar lutar. Simplesmente jogar seus animais e esperar que eles façam algo por você não é exatamente a melhor maneira de lidar com um embate. Se participar, nem que seja como um suporte, talvez já possa ajudar Arnok." 

De Kaesar, quase não houve reação. Lhe faltava a surpresa no rosto quando ouviu isso, parecia até já acostumado com aquelas palavras. 

— Agora você, Arnok. Você é o líder desse trio, golpes bonitos e sincronizados não são tudo que eles podem oferecer. Kaesar tem um lobo com uma força sobre-humana, Vincent pode voar assim como você, e Arnok, de longe, é o que tem mais potencial. Poder de fogo não te falta. — Apertou com força o ombro do amigo, enquanto o fazia olhar na direção do próprio mestre. — O que te falta é perceber contra quem está lutando. Você sozinho não consegue. 

Neste momento, Ilja havia dito apenas um fato. Hiotum era um dos Anciãos mais antigos e respeitados dentro da academia por centenas de razões, tão nítidas quanto os clarões de suas magias. Ainda que sua relação com Morpheus fosse discutida em suas costas, sua posição não era. 

Mas não havia sido o que Arnok ouviu. 

Sozinho não consegue… 

Um desafio venenoso surgiu na voz de Ilja. De fato pensou num primeiro instante que estava ouvindo coisas, mas a voz reverberou em sua cabeça. Soou como mil homens em uma plateia clamando por sangue, como centenas de demônios em um rito uníssono contra um mísero jovem demônio…

Soou como uma antiga vítima das, agora em chamas, mãos de Arnok. 

O irado asa negra era encarado por seus amigos, o temor claro nos olhos daqueles que já conheciam aquele temperamento de Arnok. Ilja foi o primeiro a tentar tomar as rédeas, notando que tudo começou com ele:

— Arnok, não foi isso que eu quis dizer… — Tentou se explicar, mas mais uma onda de chamas vermelhas implodiu do asa negra. Seus braços agora eram, por inteiro, uma massa impetuosa e carmim. 

Lentamente se virou até seu mestre, o banhando com o olhar de um caçador para sua presa. 

O primeiro salto foi dado, com uma enorme onda de chamas o seguindo. Seu grito animalesco pôde ser ouvido por todas as arenas de treino.

Não era a primeira vez que Arnok assumia um estado ensandecido. Vincent e Kaesar sempre o viram assumir este estado em missões que estavam perdidas. Ele pulava contra seja lá o que estivesse contra eles, o golpeava como se fosse um saco de areia recheado de carne e cimento, enquanto as chamas o consumiam, tanto quanto consumiam sua vítima. 

Isto não era exatamente um problema, a maior razão do trio ser tão elogiado por tantas missões sucedidas era por conta de Arnok e este seu estado ensandecido. Porém, nunca era algo que terminava quando ele matava a criatura. 

Kaesar ainda tinha marcas em suas costas de uma das primeiras ocasiões em que isto aconteceu. Mais do que todos ali, ele verdadeiramente temia aquele monstruoso asa negra. 

 

 

 

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