Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Hide


Volume 2

Capítulo 2: Ele não está maduro ainda

Existiam esses sons distintos que tentavam importunar sua mente, sussurros misturados a lamúrios. Alguns de raiva, outros de insatisfação e mais alguns dotados de uma nítida seriedade. No entanto, suas tentativas eram falhas, fossem propositais ou não. 

De olhos fechados e braços cruzados, sentia sua perna se debater inquieta enquanto sua respiração irregular tentava alertá-lo para sair daquele estado. 

“Hiotum?” 

Foi chamado por uma das vozes, que se destacou em sua mente. Abriu os olhos, percebendo que doze pares de olhares recaíam sobre ele, alguns curiosos, outros insatisfeitos. 

“O que acha?” Malar perguntou, mantendo uma pose ereta e um olhar indiferente. “Você é o mestre dele, a decisão final é sua.” 

Hiotum retornou o olhar, suas rugas arqueando pelo cansaço, faziam horas que estavam ali. Levou as próprias mãos até as têmporas enquanto ponderava se aquela seria ou não uma boa decisão. Suspirou em resposta, enquanto retribuía o olhar de cada Ancião ali presente. 

“Ele não está pronto.” 

Todos os onze ao redor dele levaram algum tempo para digerir sua resposta final. Quando fizeram, alguns exclamaram em insatisfação, uma minoria pareceu comemorar, no entanto. 

“Como ele pode não estar pronto?” Visina gritou, insatisfeita. “Ele já completou mais missões em seu pouco tempo no terceiro ano, que muitos alunos no quarto ano. Acho razoável darmos a ele, no mínimo, uma recomendação.”

“Concordo com Hiotum.” Artuno comentou e todos olharam incrédulos para ele. “Arnok não está pronto para se tornar um comandante, quem dirá receber uma recomendação e ter um pequeno poderio militar em suas mãos. O garoto não é maduro o suficiente para isso, qualquer um notaria isso.” 

“Ainda assim, o asa negra tem mais que o direito de receber uma compensação.” Disse um deles ao grupo, enquanto mantinha seus braços cruzados e suas longas asas de borboletas tensas, tentando mantê-las paradas.

“Concordo Akin…” Disse Querap. “Mas uma recomendação é poder demais para alguém como o Arnok. Por que não damos um tapinha nas costas dele e dizemos Meus parabéns por ter feito um bom trabalho, continue assim.” Complementou, forçando um sorriso amigável e imitando o movimento de dar um tapa nas costas de alguém. 

“Conhecendo o Arnok, isso pode servir como combustível para mais problemas.” Artuno adicionou, mexendo nos fios da própria juba de lobo. 

“Conhecendo? Desde quando conhece os discípulos dos outros, Artuno?” Visina gritou irritada.

“Exatamente," Malar quebrou a discussão, com um tom de voz forte que chamou a atenção de todos do recinto. "O que vocês sabem sobre o discípulo dos outros?” 

Havia desaprovação em suas palavras, que fez alguns dos presentes abaixarem a cabeça em vergonha. Hiotum olhou para Malar, já imaginando as palavras seguintes de seu velho amigo. 

“Só existe uma pessoa capaz de tomar essa decisão, esse alguém é o Hiotum e ele já a tomou. Devo adicionar que concordo com ele, Arnok ainda não está maduro o suficiente.” Suas palavras pareceram silenciar as reclamações,  desavenças e comentários que ainda podiam existir no recinto por parte de alguém. Exceto por um deles.

A mana espelha o ser.” Wukong comentou, enquanto mantinha um equilíbrio perfeito sobre seu cajado e um olhar inquieto para Hiotum. “Era Morpheus que costumava dizer isso, não é?” O clima do ambiente repentinamente mudou com a citação daquele nome. “Sempre achei um conselho esperto, você deveria segui-lo quando for lidar com seu discípulo, Hiotum.” 

Com uma expressão insatisfeita, Hiotum engoliu em seco, enquanto apertava os próprios punhos com força. Não conseguia evitar a ira. Ela não era destinada a Wukong, aos outros Anciões no recinto, ou mesmo ao seu próprio discípulo. Dirigia aquela ira a si próprio, raiva da sua própria incompetência. 

"A decisão está tomada então. Arnok não recebe recompensas, ou recomendações por seus feitos" Malar disse por fim, quebrando apenas os pensamentos de Hiotum. 

Depois de toda aquela força, um pequeno corte na palma de suas mãos se abriu. Com suas unhas vermelhas, não conseguiu evitar olhar para aquilo e pensar que era merecedor daquela dor.

"Reunião encerrada." Com as últimas palavras de Malar, todos no recinto se levantaram de suas cadeiras e começaram a descer do mezanino.

Hiotum também o fez, escondendo as próprias mãos e tentando secar o sangue na roupa. Estava na porta de saída, quando sentiu um peso repentino no ombro. Uma mão pesada, mas gentil.

"Posso falar com você por um instante?" Malar perguntou com uma expressão indiferente, mas de um olhar preocupado. Estavam apenas os dois sozinhos no cômodo, quando Hiotum acenou positivo para ele. "Como você está?" Perguntou por fim.

"Me parou só para saber como estou?" Hiotum satirizou, com um meio sorriso.

"Não estou brincando, Hiotum." Retrucou, em um tom mais sério. "Como está depois de tudo isso?"

Eles dois apenas se olharam por alguns instantes. Hiotum com um pesar cansativo no olhar e Malar o olhando assertivo e compreensível. Por fim, o mestre do asa negra suspirou. Um suspiro longo, carregado de muitas angústias e medos.

"Me sinto sujo…" Falou, evitando o olhar do amigo. "Culpado, inútil… Muitas coisas, Malar."

"É por conta do Arnok?"

"Não, o Arnok é inocente nisso tudo." Disse no mesmo instante. "Eu sou o culpado nisso. O mestre é quem ensina o discípulo e a mana a tomar forma."

"E acha que não tem feito isso nesses últimos anos?" Perguntou, insatisfeito. 

"Não o suficiente…" Hiotum retrucou no mesmo tom, também com aparentes sinais de raiva em sua voz. "Se fosse o suficiente, o Arnok não teria se juntado àquele canalha."

Foi então que Malar colocou ambas as mãos nos ombros do amigo. Forçou ele a olhá-lo nos olhos. Poucos instantes depois Hiotum pareceu se acalmar. 

"Uma relação de discípulo-mestre é mútua, Hiotum. Sabe disso! Arnok tem tanta culpa nisso quanto você, talvez até mais."

"Mas o garoto não fez nada…" Ele retrucou, choroso. "Apenas seguiu os instintos, os medos, as inseguranças. Se eu não fui capaz de ver isso, de criar um rumo melhor para ele…"

"Então seja agora!" Malar respondeu num tom mais alto e assertivo que antes. "Crie um rumo para Arnok. Um rumo que ele se orgulhe e você também. Você é o mestre dele, Hiotum. É a figura que ensina ele a muitas coisas, então seja isso. O melhor que puder." Limpou os ombros de Hiotum, como se tirasse um enorme peso dali. "Não é um canalha como o Serra que vai te substituir. Tenha certeza disso."

Um momento de silêncio recaiu sobre eles. Hiotum tentava olhar nos olhos do amigo depois de tudo aquilo, mas algo em seu âmago o impedia. Não sabia ao certo o que era, mas incomodava, como um gosto agro. 

“Falamos e falamos dele, mas onde o garoto está no fim das contas?” Malar perguntou, enquanto caminhava em direção à saída do recinto. “Vai contar a ele sobre a reunião?” Abriu a porta para Hiotum, enquanto ele ainda evitava olhá-lo nos olhos. 

“Mesmo se eu quisesse, não poderia contar para ele no momento.” Disse, ouvindo ao longe alguns alunos o cumprimentando. Retribuiu apenas com aceno de cabeça, enquanto Malar, com um aceno de mãos. “Está em missão em um dos arquipélagos.” 

“O trio em campo mais uma vez?” Perguntou, de frente para a porta que os levaria para fora do coração da academia. 

“Sim…”A porta se abriu, com uma nostálgica brisa de veraneio lhe banhando os chifres. Olhou para o horizonte e fechou a cara quando o sol raiou forte em seu rosto. “Muito mais ao norte daqui.”

Fitou o corvo - que havia acabado de sair do ninho - içar voo para longe dali. Ele sumiu naquele alvorecer ameno, rumo a um horizonte ainda mais distante. Sobrevoou cidades, campos, trupes de viajantes, praias e então, finalmente, o mar. 

O sol já iluminava o topo de sua cabeça, quando avistou o pedaço de terra distante em que pousaria. 

Uma floresta alta e densa. Seus picos eram secos, mas quanto mais próximas ao chão, mais úmido o lugar ficava. Ali, forrado de grama verde e rasteira, era lar para tantas criaturas. Um bando de servos se alimentava por perto, com um macho imponente ao centro, enquanto as fêmeas o rodeavam. De um instante para o outro, todos ergueram as cabeças. Com as orelhas eriçadas, o líder do grupo olhou ao redor até que correu, com o restante do grupo o acompanhando. O cenário, antes cheio de vida, agora estava vazio e silencioso. 

Rápida e soltando um silvo agudo, uma mancha negra passou, quase rente ao chão e voando por entre as árvores. O chão tremeu com força para logo em sequência, uma figura pesada e massiva passar correndo e derrubando tudo em seu caminho. 

Seus pés batendo contra o chão fazia toda a floresta se aquietar e as árvores que derrubava obrigavam os pássaros presentes nas copas a voarem em bando, desesperados. Arfava e guinchava enquanto perseguia a figura negra com olhar. No breve instante que a perdeu de vista, seu lado direito foi golpeado, quebrando todo seu equilíbrio e ritmo. Caído e desorientado, viu a figura negra a poucos passos de distância dele. 

Enormes asas negras cobriam quase todo seu campo de visão, enquanto a feição de um jovem rapaz, vestindo roupas também escuras, esboçava um sorriso. 

“Você está sendo mais fácil de lidar do que eu imaginava.” Arnok comentou, ajeitando a própria postura e aguardando o animal a sua frente se levantar.

 



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