Dívida a Quitar Brasileira

Autor(a): The Mask

Revisão: TheMask


Volume 1 – Parte 2

Capítulo 13

E se… eu tivesse retornado pro banco? 

Parecia rotineiro a esta altura do campeonato, estas constantes dúvidas que o banqueiro sentia. Mais de uma vez pensou, enquanto estava ao encalço dos senhores negros que o salvaram, as possibilidades de como seu dia estaria naquele momento se simplesmente tivesse tomado outras decisões. Considerou todas erradas, pois ele sempre terminaria por entrar em contato com Lorenzo, o baixinho e o gigante um detalhe deve ser dito, nunca passou na mente de Samuel a possibilidade de simplesmente ter ignorado a casa. Era como um fato inegável, impossível de se evitar; até  mesmo clandestino. 

Pensava agora, por exemplo, que podia ter retornado ao banco e ter partido para casa com seu carro. Isto passou em sua cabeça, pois sentia pontadas dolorosas em suas panturrilhas e pés, além de suar em cada centímetro do seu corpo. Ficava para trás a cada passo e não notava como o italiano segurava o grupo para que ele os alcançasse. 

— Vamos pegar o metrô, é impossível chegar a pé até lá. — Ele disse, pouco depois de terem saído do hospital. — É bem longe daqui, levaria horas. 

— Onde fica esse lugar de vocês? — Perguntou Goldberg, muito depois, não por curiosidade mas por ter notado que teria de viajar no metrô de Nova York. Aquele lugar lotado… quente… Odiava viajar fora do conforto de seu carro. Foi assim que surgiu o questionamento em sua mente quanto a voltar para o banco. 

— É no Brooklyn. — Respondeu Thomas, não se surpreendendo com a carranca de nojo que o banqueiro lhe deu como resposta. 

Depois de várias quadras, o grupo de quatro homens descia as escadas em direção à estação de metrô. De passagens pagas e já esperando o trem chegar, pouco era dito entre eles. Ou melhor dizendo, entre o banqueiro e os três homens. 

Eles conversavam entre si de maneira amistosa, comentando coisas que viam na rua, lembrando de dias que passaram em cidades distantes e em outros estados. Deram risadas de piadas que entendiam entre si e disseram coisas que Goldberg nunca imaginou que seriam ditas da boca de um homem. É porquê são negros… pensou, mas não tinha tanta certeza disso. Não tenho? 

Uma parte de Samuel ouvia aquilo tudo e via a forma como eles discutiam e conversavam algo muito… humano. Sentia seu estômago enrolar e seus olhos se distanciavam daquela cena por intrínseco e estranho instinto de inveja, ao invés do comum nojo que sentia. 

Samuel Goldberg sempre foi nova-iorquino. Ainda que não tivesse nascido aqui — é de uma cidade pequena do sul dos Estados Unidos — tinha memórias apenas de Manhattan. Seu pai, dono de terras e de certa quantidade de cabeças de gado, vendeu a maior parte das suas propriedades quando se iniciou a Primeira Grande Guerra. Levou a família para onde achou que seria mais seguro, até que foi convocado para servir. Morreu em combate, deixando a mulher sozinha com uma quantia enorme de dinheiro e um filho com menos de seis anos de idade. 

Sua mãe nunca trabalhou, pelo simples capricho de não querer. Passou a vida inteira de casada tendo a ajuda de criados e dinheiro o suficiente para comprar a todos esses um belíssimo imovel. O salário desses empregados, no entanto e pelo viés informativo, mal pagava os gastos essenciais que tinham no mês. 

Por tanto, a mãe se viciou em apostas enquanto colocou uma empregada para cuidar de seu próprio filho. O garoto, ainda que crescendo abraçado e amado por uma outra mãe, envelheceu arrogante e pouco se importando, ou compreendendo, o mundo que o rodeava. Fez poucos amigos, e os poucos que fez, morreram na Segunda Grande Guerra. Uma vida de infortúnios que não gostava de admitir. 

Sua única grande companheira era sua esposa, que conheceu na faculdade. A mãe de Samuel morreu de pneumonia, alguns anos depois que terminou sua formação e não viu o quão lindo seu casamento havia sido. Ela teria reclamado do quão barato era. Mais uma vez, repito, ele não possuía amigos vivos e seus colegas de banco eram apenas colegas. Passou todo o último ano bebendo, sozinho e pessimista quanto a tudo, o mundo estava mudando e o seu girava ao redor de uma garrafa de uisque escoces. 

— Senhor Goldberg, me responda uma coisa… — Lorenzo perguntou, tirando a atenção do banqueiro de seus delírios pessimistas. — Acho que pode me ajudar nisso. 

Samuel o olhou, esperando a sua pergunta. Esperava alguma coisa quanto a casa, ou ao seu trabalho, ou por que dele estar ali naquele momento, mas nada disso, esta não era esta a pergunta do italiano.

— Se eu tenho dez euros no bolso e perco cinco, o que há no meu bolso? 

O banqueiro se sentiu ofendido por tamanha ousadia daquele sujeito. Ele acha que eu não sei matemática básica? Estava prestes a retrucar, dando a “resposta correta, exagerada e truncada”, porém o italiano respondeu antes:

— Um buraco. — Abriu um sorriso em sequência, que pegou Samuel desprevenido. Ele levou um instante para diminuir sua raiva, e outro para compreender o trocadilho. O homem notaria mais tarde que a muito tempo não dava uma risada como aquela. Uma que faz sua antiga voz aguda, da época em que estava na faculdade, sair; que fazia seus pulmões saltarem e se esvaziarem várias vezes. 

A piada não parecia tão boa na cabeça Lessley e tanto Big Tom quanto Jerry não achavam aquela piada engraçada, então por que o banqueiro ria tanto? Quando notaram, se desataram a rir junto dele. 

Um grupo de quatro homens, três negros e um branco, riam no meio do metro de Nova York. Várias pessoas ali ao redor olhavam para o banqueiro de maneira estranha por se misturar a eles. O julgavam por estar em seu maior momento de paz, em toda a sua vida.  



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