Dívida a Quitar Brasileira

Autor(a): The Mask

Revisão: TheMask


Volume 1 – Parte 3

Capítulo 17

A porta da escadaria se abriu para uma sala ampla. Lá, várias das paredes dos apartamentos foram derrubadas, criando um espaço aberto e relativamente empoeirado. Havia vários bancos de praça espalhados, e cadeiras simples de madeira. Algumas eram remendadas com fita, outras pareciam de segunda mão e tiradas do lixo. 

A luz do cômodo vinha apenas do lado de fora, e várias sombras se acumulavam ali. 

Cada um dos homens ali presente começaram a se sentar, no chão ou nos bancos, e se espalharam pelo espaço. Os únicos que ficaram de pé foram o trio que salvou o banqueiro, e o próprio Goldberg. 

Alguns grupos se formaram. Homens de seus respectivos andares andaram juntos para conversar e alguns que pareciam ser das mesmas áreas de serviço discutiam os problemas que havia no prédio. 

— Vamos ter de consertar o gato no poste, temos o suficiente apenas pras luzes de emergência. 

— A água também está com um gosto ferroso. Vocês trocaram os canos?

¿Qué pipa?

— O esgoto tá voltando também no terceiro andar… 

— A filha da Yung entupiu os canos com areia de gato, por isso. 

Pero, ¿por qué está volviendo la alcantarilla? 

Esses breves e curtos debates continuaram por longos minutos, todos discutindo maneiras de resolver esses pequenos problemas técnicos no prédio. Parecia uma situação rotineira em que Samuel sentiu certa familiaridade ali entre eles. Porém, começaram a se calar quando perceberam que Lorenzo queria falar. A postura do italiano mudou e bateu palmas mais algumas vezes para chamar a atenção dos ainda desavisados. 

¡Traigo buenas noticias! — Disse em espanhol, com um sotaque forte e artificial. — Trago boas novas! 

Também traduziu essa mesma frase em francês, italiano, mandarim e japonês. Todos ali sorriram quando compreendiam a frase em seus respectivos idiomas. Em momento algum desta reunião, Lorenzo deixou de traduzir sua mensagem para seus telespectadores. 

A sensação era essa. O homem parecia um apresentador diante de uma palestra. Muita firula nos movimentos de seu corpo e poder na voz. 

— Hoje, tivemos atualizações quanto a casa… — Com a breve citação ao imóvel, o cômodo inteiro pareceu dar atenção redobrada à palavra do italiano. A cada citação traduzida da casa, os homens ali presentes pareciam se preocupar mais e mais. — Este homem, que nos acompanha, está aqui pois foi atacado por ela. 

— Atacado é uma palavra muito forte… — Disse o banqueiro, sentindo a necessidade de defender a casa

— O que aconteceu lá, com você? — Um dos homens perguntou. Seu rosto estava marcado com uma queimadura que aparentava ser recente, mas mais chamou a atenção do banqueiro as roupas rasgadas que ele vestia. 

— Eu só me afoguei… — Ele começou a dizer, mas notou que não era possível ele se afogar dentro de uma casa. — Digo, me sufoquei… — Mas como diabos é possível eu sufocar dentro da casa? Ela não tinha nem energia elétrica, não teria fonte a gás… Será que eu alucinei? — Talvez eu tenha alucinado. 

— O que você viu lá? — Outro homem perguntou, seu sotaque claramente ásiatico. Não preciso da voz para reconhecer que ele é chinês, o olho tá praticamente fechado!

— Eu… — Pensou de falar sobre a mulher encharcada, vestida de branco, mas é loucura! não era para ter ninguém lá. — Eu não vi nada!

— Nem os quadros? — Lorenzo perguntou, falando de trás do banqueiro. O homem apenas se virou para o comunista, aturdido. 

— Como sabe dos quadros? 

Em resposta, o italiano apenas sorriu. 

— É difícil para ele assimilar tudo que aconteceu lá. Sabemos do histórico daquele lugar, graças ao senhor Pascal, não é? 

Eles conhecem o Pascal!

— Foi triste saber que o Pascal foi embora. 

— Fiquei tão feliz por ele ter conseguido a casa…

— Mas ela é amaldiçoada! 

— Agora nós sabemos disso… — Disse Lessley, como porta-voz e atualizando a todos. — A casa é de fato amaldiçoada e tem algo lá dentro que pode nos matar. 

Goldberg, ouvindo isso, olhou incrédulo na direção do italiano. Amaldiçoada… nos matar…? O que diabos ele estava falando? Dava pequenos e escondidos risos irônicos com o canto da sua boca, ouvindo as pessoas ao redor dele, concordando e exclamando “eu sabia”. O próprio Samuel sentiu o perigo daquele lugar por experiência própria, havendo este incômodo em seu cerne. Mais fraco que uma voz — até mesmo que um sussurro. Era como uma ideia breve, louca. Pensamento intrusivo e sem sentido. 

E se a casa… de fato fosse perigosa? Amaldiçoada? …Não… impossível. 

— O que amaldiçoou a casa então? — Samuel perguntou, tentando colocar o italiano em alguma espécie de beco sem saída. Porém, ele apenas disse que não sabia. 

—...Tudo o que sabemos é o que o Pascal nos contava. 

— E o que ele contou? 

— Que ganhou a casa de um primo distante… — Um terceiro disse, se levantando do banco onde estava e se aproximando do grupo de pé. Sua voz soava estranha aos ouvidos do banqueiro, como se o sujeito forçasse a voz a ficar mais grave, e notou os singelos detalhes femininos no rosto da figura que se aproximava. É uma mulher? — Havia ouvido muita coisa sobre o lugar, mas que não acreditava em nada. 

— Dominique era amigo próximo de Pascal… — Jerry explicou, se aproximando de Samuel, que se assustou com a repentina aparição do gigante. — Tudo que sabemos da casa, foi ele que ouviu primeiro. 

— E não ouvi nada de bom. — Disse, se aproximando a passos largos do banqueiro. Sua estatura era a mesma que a de Samuel, mas por algum motivo, sentiu-se pequeno perante ele. — Nada de bom há naquela casa!

— Como sabe? — Retrucou Goldberg, com uma coragem tirada não sabia de onde. 

— Dominique foi junto de Pascal na primeira vez que ele foi lá… — Intrometeu-se Lorenzo, ficando entre o banqueiro e Dom. — O que você disse que estava na frente da casa mesmo? 

— Vários animais mortos. Estavam espalhados como que jogados e cheirava a queimado, aquele lugar horrendo. 

— Eu não vi nada sobre, isso não pode ser verdade! 

— Seu ceticismo não vai ajudar em nada aqui, porco! — Disse Big Tom. — Uma multidão de pessoas viu, e saiu no jornal, mas ficou apenas nisso. Disseram que foi um envenenamento em massa, mas não explicaria o cheiro de queimado que eles dois sentiram. 

Não confio nisso… Pensou, encarando cada um dos presentes enquanto eles discutiam. Não pode ser verdade… 

— Mesmo que seja verdade, o que uma coisa tem haver com a outra? 

— Tenha paciência, banquier cupide! — Disse Dom, calando Goldberg. Ele, no entanto, não compreendeu o que o homem disse. — Se tem algo na casa, seja humano ou não, que matou aqueles animais, temos de descobrir! 

Foi neste momento que o grupo começou a teorizar diversas coisas. Falaram de um espírito amargurado, de um vazamento de um produto velho e nada seguro. Pensaram e falaram que alguém podia ter matado cada um daqueles animais. 

— Um maníaco! — Gritou um dos homens sentados nos bancos, distante de todos. 

Samuel, porém, encarava cada um deles incrédulo. Em seu inconsciente, ele comparou a casa a alguém. Um amigo próximo, um parente… quase um amante. Por tanto, era um desconforto enorme ouvir eles dizerem tudo aquilo. Tantos mal-dizeres… Em seu âmago, ele apenas queria perguntar uma coisa… entender apenas uma. E finalmente, perguntou:

— O que vocês tanto querem com a casa

Sua voz se assemelhou ao suplico de uma criança. Ao filho que pergunta para o pai onde está seu peixinho dourado, desaparecido. Seus olhos lacrimejaram quando todos aqueles rostos estranhos e negros o encararam. Sentiu-se como uma presa diante de um predador — o passarinho que suplica pelos restos de comida remanescentes nos dentes de um crocodilo. 

O silêncio deles serviu como a mais óbvia resposta, que Goldberg não queria aceitar. Ele já havia ouvido de Lorenzo, porém não queria que aquilo acontecesse. 

— Nós vamos destruir a casa! — Eles pareceram dizer, mas nada disseram de fato. 



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