Volume 3

Capítulo 3.1: Julius

Hyrince voltou.

Fiquei sabendo ontem.

Eu estava ansioso para falar com ele imediatamente, mas existe hora e lugar para tudo.

Demorou um pouco até que Hyrince pudesse se encontrar comigo.

Estava tão ansioso com isso ontem que não conseguia ficar parado.

Hoje, finalmente posso falar pessoalmente com Hyrince.

Estou esperando na ponta da cadeira na sala onde combinamos de nos encontrar.

— Parece que deixei você esperando por um tempo.

Hyrince finalmente entra na sala.

Ele parece um pouco mais magro do que o homem corpulento de que me lembro.

— Shun… me desculpe!

Hyrince inclina a cabeça profundamente.

— Julius não deveria ter morrido. Ele deveria ter sobrevivido, não eu.

— O que você quer dizer...?

Mal consigo falar, minha boca está secando.

— Foi isso...

— O que é?

Hyrince segura uma pena vermelha esfarrapada.

— É uma pena de fênix. Um item que torna o portador temporariamente invencível.

— O que aconteceu exatamente?

— Era o herói, Julius, que deveria tê-lo. Mas ele disse que seria melhor para mim, já que eu sou o tank, então ele me deu…

— Você quer dizer...

— Sim. Eu só estou vivo por causa deste item. Ele perdeu o efeito agora, mas... Julius deveria ter sido o único a tê-lo, não eu. Julius era quem deveria ter sobrevivido.

Hyrince abaixa a cabeça novamente como se estivesse em penitência.

— Hyrince, por favor, levante a cabeça. Não há motivo para você se desculpar.

— Não, eu...

— Hyrince, tenho certeza de que meu irmão forçou você a tomá-lo contra sua vontade, não foi? Aposto que ele disse algo como: ‘Não vou morrer, não se preocupe.’

— Ha-ha… Você realmente é irmão dele. Isso mesmo.

Hyrince olha para cima com um sorriso amargo.

— ‘Eu não vou morrer. Já que você é nosso usuário de escudo, suas chances de morrer são muito maiores, certo? Então é melhor você aceitar, Hyrince.’ Não importa o quanto eu discutisse com ele, ele se recusou a aceitar.

Meus lábios tremem com a horrível imitação de Hyrince.

Apoiando-me, forço as palavras que preciso dizer.

— Hyrince, por favor, me conte... sobre os últimos momentos do meu irmão.

— Tudo bem.

Hyrince se endireita.

Ele se senta de frente para mim do outro lado da mesa.

— Mas só para você saber, talvez eu não possa dizer muito. Dói admitir, mas eu não entendia muito do que estava acontecendo na época…

E assim, Hyrince me conta do início ao fim como a guerra começou.

Julius e seu grupo estavam guardando uma das fortalezas.

Recusando-se a ficar escondido lá dentro, ele saiu para entrar diretamente na briga.

Com sua incrível variedade de habilidades de combate, ele derrotou vários membros de elite do exército demoníaco em batalha antes de finalmente entrar em combate individual com o general inimigo.

O general era forte, mas não tão forte quanto meu irmão, o herói.

Julius derrotou magnificamente seu oponente, então aconselhou o resto do exército demoníaco a se render.

— E foi aí que aconteceu. Quando aquela... coisa... apareceu.

A “coisa” em questão era uma garotinha branca.

— Apenas uma garota branca pura. Não há outra maneira de descrevê-la.

A garota entrou no campo de batalha como se estivesse dando um passeio.

Os olhos dela estavam fechados.

— Essa é a última coisa que me lembro. A próxima coisa que eu sabia, eu estava deitado no chão. Olhando para trás, não acho que fiquei muito tempo apagado, mas quando acordei, estava tudo acabado.

Quando Hyrince caiu em si, tudo o que restava de seus amigos eram suas roupas e equipamentos.

Era como se as próprias pessoas tivessem simplesmente desaparecido.

— No entanto, acho que sei o que era. Um Ataque de Podridão.

— Ataque de Podridão…

— Sim. Eles chamam isso de atributo que governa a morte. Qualquer um atingido com um Ataque de Podridão se tornará pó e perecerá.

Esse tipo de coisa é realmente possível?

Meu irmão Julius era o herói, o humano mais forte vivo.

E ele foi transformado em pó...?

Isso é impossível.

E, no entanto, é exatamente isso que Hyrince diz que aconteceu nos momentos finais do meu irmão.

— Não acredito...

Enquanto afundo no silêncio, Hyrince tira algo do bolso.

— Esse é... o que meu irmão sempre usava.

— Sim. Acho que ele nunca te contou, mas esse foi o último presente de sua mãe para Julius antes de morrer.

Hyrince entrega o objeto para mim.

É um lenço branco puro.

— Desculpe. Isso foi tudo o que pude trazer comigo.

— Não há porque se desculpar. Muito obrigado.

Não posso dizer mais nada.

Minha visão começa a ficar embaçada.

Lembro-me da primeira vez que vi meu irmão mais velho.

Eu ainda era um bebê.

Meu irmão foi ao berçário com alguns atendentes.

Ele continuou olhando entre mim e Sue, lágrimas escorrendo de seus olhos.

Foi a única vez que vi meu irmão chorar.

Ele murmurou algo enquanto acariciava nossas cabeças, depois saiu da sala.

Na época, eu não conhecia a língua deste mundo.

Então eu não entendi as palavras do meu irmão.

Mesmo agora, não sei o que ele disse.

Mas acho que ele deve ter tomado alguma decisão naquele momento.

Mais tarde, soube que nossa mãe havia falecido no dia anterior.

Para ser honesto, saber que minha mãe fez este lenço branco não tem muito peso para mim.

Quero dizer, eu nunca conheci minha mãe.

Mas meu irmão era diferente.

Tenho certeza de que, para ele, nossa mãe era uma pessoa importante que nunca poderia ser substituída.

Perder sua amada mãe ainda jovem e aprender que ele tinha que lutar como um herói…

Eu me pergunto que tipo de decisão meu irmão tomou em meio a todo aquele sofrimento.

— Prazer em conhecê-lo. Eu sou Julius, seu irmão mais velho . Posso não parecer, mas sou o herói.

Lembro-me claramente do sorriso do meu irmão na segunda vez que nos encontramos, nossa primeira interação real.

O sorriso dele me surpreendeu. Foi tão composto para uma criança em idade escolar.

Se você incluir minha vida anterior, teoricamente eu era o mais velho, mas lembro de pensar que nunca conseguiria sorrir assim.

Era um sorriso que parecia esconder algo no fundo.

— Você é muito esperto, Schlain. Talvez você possa ser um bom político quando crescer.

— Sue, não fique com Schlain tanto.

— Você também tem talento com uma espada, Schlain. Que tal isso? Quer se juntar a mim algum dia? Ah, Sue, não me olhe assim. Tudo bem, tudo bem... você pode vir também.

— Ei, Schlain. Ouvi dizer que você tem uma namorada agora? Então vocês se chamam por apelidos e tudo, né? Posso começar a te chamar de Shun também?

— Shun. Eu sei que a Sue é fofa e tudo, mas não a mime muito, ok?

— Shun, nosso pai é muito gentil, sabe. É simplesmente que sua posição como rei vem antes de sua família. Ele está fazendo o seu melhor para cumprir seus deveres para com seu reino. Tente entender, ok?

— Shun, se acontecer alguma coisa, é só falar com Leston. Ele está sempre no castelo de qualquer maneira. Ele tem mais tempo livre do que qualquer pessoa da nossa família, então tenho certeza que ele vai te ajudar.

— É assim que nosso irmão mais velho é. Ele pode ter se perdido um pouco de vista, mas ainda se preocupa com nosso reino tanto quanto eu. Não há com o que se preocupar.

— Se você me perguntar, Hyrince está chegando à idade em que deveria pensar em se casar e continuar sua linhagem. Mas eu nunca o ouvi mencionar isso, então estou um pouco preocupado... Eu? Se eu me casasse, não poderia dar nada em troca ao meu cônjuge. Por que se casar se isso deixaria ambas as partes infelizes?

— Meu mestre? Sim, essa pessoa não é humana.

— Heh-heh-heh. Com minha habilidade de Evasão, suas bolas de neve nunca vão acertar m— Oof! Ei, Sue, isso é contra as regras! Ai, ai... Sue! Isso não é neve! Eu te disse, nada de atirar pedras! Você vai machucar alguém!

— O herói é a maior esperança da humanidade. Então eu nunca vou perder. Eu juro.

Memórias de Julius inundam minha mente.

Meu irmão mais velho estava sempre sorrindo.

Um sorriso tão cheio de bondade que trouxe paz de espírito a todos que o viram.

Para mim, meu irmão sempre será o herói.

Eu realmente deveria sucedê-lo nessa função?

Não sei se consigo.

Mas não posso abandonar o objetivo que meu irmão perseguia só porque não tenho confiança em mim mesmo.

— Um sonho é uma coisa boa de se ter. Algumas pessoas podem rir de você ou dizer que é impossível. Mas tudo que você tem a fazer é continuar perseguindo seu próprio objetivo. Um mundo onde todos possam rir e viver em paz... Continuarei perseguindo esse ideal, até o dia da minha morte.

Sei que posso ser ingênuo.

Mas meu irmão era ainda mais.

Ainda assim, quero continuar com esses ideais ingênuos.

Duvido que algum dia me tornarei um herói tão bom quanto Julius.

Não posso lutar puramente pela paz mundial como ele fez.

Metade da minha motivação vem de cumprir as obrigações que acompanham o título de Herói.

Mas agora, acho que a outra metade vem dos meus verdadeiros sentimentos.

— Shun… não, Herói Schlain.

Hyrince fala comigo em um tom diferente.

— Não consegui proteger Julius. Sou um fracasso como escudo. Mas se você pode se contentar com um tank tão patético, por favor, permita-me servir como portador do escudo para o novo herói.

— Hyrince...

— Já que não pude proteger Julius, deixe-me proteger você.

— Obrigado, Hyrince. Eu ficaria honrado em trabalhar com você.

Hyrince e eu trocamos um aperto de mão firme.

Em vez de tentar salvar o mundo, mantenho a vontade do meu irmão de fazê-lo.

Nenhum verdadeiro herói pensaria assim, tenho certeza.

Não sou nada além de uma imitação impura de meu irmão Julius.

Mas tudo bem.

Foi assim que encontrei minha determinação como herói.

Mesmo Hyrince não sabe a identidade da “menina branca” que derrotou meu irmão.

Aparentemente, ninguém nunca a viu em nenhuma batalha anterior.

Hyrince especulou que ela poderia ser um demônio de alto escalão que geralmente não participa de combate.

Ou que ela pode até ser a própria Lorde Demônio.

Se sim, como o novo herói, terei que enfrentá-la algum dia.

Mesmo que não seja esse o caso, eu ainda não vou fugir dela.

Meu irmão, o herói, era uma pessoa maravilhosa que perseguia seus ideais.

Desintegrar-se em pó definitivamente não é um final que ele merecia.

Tenho certeza de que seus últimos momentos foram cheios de arrependimento por ele ter sido morto antes que pudesse atingir seus objetivos.

Ou talvez ele nem tenha tido tempo para pensar sobre isso.

Assim como Hyrince desmaiou sem saber o que estava acontecendo, meu irmão pode ter morrido antes de perceber o que estava acontecendo.

Quero acabar com esses arrependimentos.

Mais do que tudo, sei que nunca poderei perdoar aquela garota.

— Então ainda pode demorar algum tempo até você começar a trabalhar como o herói?

— Sim. A Igreja ainda precisa determinar o novo santo, então acho que não será até que as coisas sejam definidas.

— Entendo.

— Sue... eu tenho certeza que você sabe disso, mas quando eu começar a trabalhar como o herói, não podemos ficar um ao lado do outro como sempre costumávamos estar.

— Mm-hmm. Eu sabia que você diria isso.

— Sinto muito.

— Não precisa se desculpar. Não sou mais criança.

— Certo. Você é uma adulta forte, eu sei disso. Mas não posso trazer você comigo. Não quero colocar você em perigo.

— Eu sei.

— É egoísta da minha parte, eu sei. Desculpe.

— Como eu disse, você não precisa se desculpar.

— Ok. Você deve continuar se divertindo na academia até a formatura. Você estará segura lá.

— Acho que sim.

— Mesmo quando eu começar a trabalhar como o herói, tentarei vê-la sempre que puder. Assim como Julius fazia.

— Irmão, você vai tentar vingar Julius?

— Sim. Não sei se consigo, mas tenho que tentar.

— De qualquer forma, acho que você não precisa se preocupar com isso por um tempo.

— O que te faz dizer isso?

— Você saberá em breve.

— Entendo… Tudo bem. Vou tentar não pensar nisso por enquanto.

— Bom.

— Tudo bem, é melhor eu ir. Boa noite.

— Muito bem. Adeus, irmão.



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