Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 1

Capítulo 6: Pontos e retas

Os raios quentes do sol entravam pela grande janela da sala. A claridade sem remorso atingia os olhos de Edward. O garoto cerrava os olhos aos poucos, relutante em aceitar que precisava levantar. Levou a mão esquerda à frente do rosto, o simples gesto até trouxe alívio, contudo o profundo suspiro apenas ressaltou o inevitável despertar. Entre resmungos, e de forma lenta, ergueu seu corpo.

Com as energias esgotadas e receoso de encarar o próprio quarto, o garoto decidiu passar a noite no confortável sofá da sala. A textura aveludada proporcionou conforto ao corpo de Edward durante toda a noite, mas se irritou por não ter se preparado para o amanhecer de um novo dia — realmente falhou em seu planejamento.

Respirou fundo e, com um grande impulso, afastou-se da mobília. Em um único movimento, colocou os pés no chão. “Passei tanto tempo pensando em seguir em frente e, no fim, não tive coragem de encarar meu próprio quarto”, refletiu enquanto seguia para as escadas. Apesar do despertar inoportuno, seus gestos demonstravam urgência — era hora de reagir.

O caminhar foi marcado com a distribuição de leves tapas em seu próprio rosto. Todas as dores transpareciam na própria pele de Ed, mesmo assim entendia que já era hora de encarar seu antigo abrigo.

Passos lentos e bem calculados marcaram a travessia barulhenta da escada e em um pestanejar deparou-se com a porta de seu quarto. Antes mesmo de entrar, inclinou o corpo na tentativa de escutar e enxergar qualquer pista de seu pai. Mesmo com os movimentos brutos, as pegadas propositalmente pesadas, nenhuma resposta partiu do outro cômodo ao fim do corredor à esquerda. 

Antes de estremecer ao pensar no pai, embarcou na escuridão do aposento que foi deixado completamente vedado. Com a mão ainda na maçaneta, encarou toda a confusão antes deixada por ele próprio. Um frio congelante percorreu a espinha de Edward. Soltou a maçaneta, se esquecera do simples ato de fechar sua porta, e com apreensão em seus movimentos começou a desbravar a personificação de suas memórias.

O semblante de cansaço, retrato de um recém acordado, agora dava espaço para um olhar baixo. A bagunça feita um dia antes da viagem escapou de suas dilatadas pupilas, invés destes detalhes o garoto se viu preso a cada um dos quadros e adesivos que decoravam a parede do cômodo.

O andar titubeante levou de forma desastrada o garoto a sua cama. Deitado, ainda continuava com atenção voltada para o mar de adesivos e de posters localizados principalmente acima da mesa do computador. Os posters favoritos faziam referência a inúmeros filmes e séries, já os adesivos enalteciam suas bandas favoritas.

“Quer colocar tudo isso? Cuidado para não ficar desorganizado, porque você é só um pouco desleixado né?" Os conselhos e o sermão adocicado de Joe ecoaram na mente de Edward, uma memória da ideia de decoração do próprio quarto bateu forte em seu peito. 

— Tudo me lembra você…

Sussurrou e de forma forçada, como se negasse a volta das lágrimas, abriu um sorriso amarelado. Compreendia o quanto poderia parecer ridículo, mas expressar seus pensamentos era uma maneira tranquila de encontrar segurança.

— Foi culpa minha, certo? — Fechou os olhos e dobrou o braço em cima da testa.  — Te prometo que quis proteger uma inocente… Ninguém viu ela, nem menos você…

Refletir sobre a tentativa de heroísmo trouxe um nó em sua garganta, ainda era indigesto reviver o momento. Ainda na mesma posição prosseguiu.

— Pelo menos hoje prometi não chorar… preciso fazer alguma coisa… Mas sabe, tudo isso ainda não faz sentido. Ontem quando me deitei percebi que perdi muito tempo pensando nos meus exames. Nada… nenhum resultado preocupante pôde ser encontrado.

Lentamente abriu mais uma vez os olhos, desdobrou o braço e se esticou no mar de seu edredom bagunçado. 

— Eles mentiram sobre a garota? Ou eu enxerguei um… um….

O absurdo sobrenatural veio de maneira fluida em seus pensamentos, parecia ser uma peça que se encaixava perfeitamente em todo o quebra cabeça. Realizou os movimentos dos lábios mas nenhum som saiu de sua boca, a palavra “fantasma” mesmo assim assombrou todo o seu ser.

Esfregou de forma fervorosa o próprio braço em busca de negar o recente arrepio. Incapaz de alterar por completo o semblante de espanto, decidiu mais uma vez sair do repouso. Um salto enérgico iniciou sua nova meta. 

— Preciso ocupar minha mente.

Encarou a bagunça de sua mesa e novamente a ignorou, apenas buscou colocar o celular para carregar. Recordou-se do convite oferecido por sua tia e assim se apressou em se arrumar, embora fosse incapaz de verificar o horário em seu celular podia pressentir que já era mais de 9 da manhã. Percebeu-se reproduzindo os mesmos atos atrapalhados, parecia que sempre estava atrasado. 

Após alguns minutos retirou o celular do carregador e se dirigiu até a entrada de casa. A trilha fora feita no mesmo instante que verificava suas mensagens. Havia sumido por um dia inteiro das redes sociais, então imaginava o tumulto que alguns de seus amigos poderiam ter feito. 

Matthew e Ana, os dois amigos, enviaram seus sentimentos e se colocaram à disposição para o que fosse necessário. Ed, já nos degraus, respondeu com sensibilidade e gratidão. Uma pequena enxurrada de mensagens ainda aguardava resposta, mas a pressa e a fraca bateria o fizeram focar no mais importante.

Diante da porta de entrada, encarou o desafio de avisar o pai sobre sua saída. Abriu a conversa, mas nenhum dedo se moveu. "Fala mais baixo, sua mãe precisa acordar cedo amanhã." A última mensagem exalava casualidade, mas para ele, foi como uma flechada no coração.

“Se eu vi um espírito significa que não salvei ninguém…” refletiu à medida que visualizava as letras das mensagens se embaralhando. Um novo tapa, agora forte, avermelhou o rosto de Edward e a crescente ardência fez com que o garoto conseguisse mandar sua mensagem, um aviso direto e seco que estava rumo a casa de Lilly.

Guardou o celular e com garra disparou em uma corrida, atravessou o jardim, sem tropeços, e com velocidade montou em sua bicicleta, comumente estacionada no espaço da garagem assim como faziam com o carro. “Eu estou louco pra cacete… mas ainda assim continua sendo algo”, a inércia finalmente parecia ser substituída por uma nova ação.

A força nos pedais marcou o início do trajeto, possuía a noção que seria curto, cerca de 10 minutos no máximo, justamente por isso seria necessário ficar em alerta. Uma caça ao fantasma se iniciava.

O caminho chegava ao fim após apreensivos 15 minutos, desacelerou em uma praça próxima como tentativa de encarar algo fora do eixo. Desacelerou e vagarosamente, ritmo condizente com o desânimo de ter tido uma busca fracassada, começou a alocar a bicicleta no meio fio próximo à entrada da casa de sua tia.

Diferentemente de sua casa, esse local apresentava uma pequena estrutura que já comportava a porta de madeira branca da entrada, de fato os dotes para floricultura era um desfalque na família de Alex.

Distante de se atentar aos detalhes, Edward subia lentamente os pequenos degraus da plataforma. Encarou a madeira delicada e suspirou fundo, “ainda tenho uma chance… foque nisso”. Com confiança, segurou o interruptor da campainha por um breve instante e falou em voz alta:

— Lilly, sou eu, Ed! Desculpe atrapalhar mas acabei vindo mesmo..

Barulhos nítidos de movimento, aparentava que a tia estava em um cômodo próximo a porta, chegaram até o ouvido atento de Edward e como um susto percebeu a porta sendo aberta. 

A irmã de Alex era um pouco baixa, seu cabelo, encaracolado e avermelhado, parecia perfeitamente bem tratado. As olheiras, e o pijama florido, contrapuseram de forma irônica a delicadeza do penteado. 

Os pés descalços quase saíram do chão em busca dos braços do sobrinho. Com força, quis trazer toda a empolgação e o acolhimento para aquele garoto. Passou longe de imaginar que seria recebido com tamanha energia, sempre soube do afeto de sua tia mas mesmo assim parecia errado imaginar tal cenário.  

O abraço caloroso se desfez com recantos de delicadeza. Edward, apesar da curta duração do gesto, desarmou toda a tensão antes imposta. Quase de forma imediata, a tia direcionou a sua fala para o querido sobrinho.

— Vamos, entre! — disse ela abrindo os braços em direção ao corredor. — Mesmo você não me respondendo… — Encarou o rosto relaxado de Ed. — Estava te esperando.

— Desculpe tia, está uma confusão… — Deu conta que realmente faltou enviar um recado para Lilly. Atravessou cuidadosamente a porta de entrada e prosseguiu. — Obrigado pelo convite.

— Venha, vou preparar algo para você comer. Os cafés da manhã são importantíssimos e tenho certeza que você não está se alimentando da forma correta. 

A mulher abria um sorriso esbranquiçado de orelha a orelha e com agilidade percorreu o pequeno corredor em busca de dobrar para esquerda em direção a cozinha. Os movimentos ativos de sua tia deixavam Edward cada vez mais relaxado, algo que afastava do intuito dado à visita. Chacoalhou a cabeça, em busca de foco, e tentou alcançar com palavras a figura já ausente da irmã de sua mãe.

— Tia deixa de se preocupar com isso… eu até já comi.

— Sei que você não comeu. — A voz cada vez mais abafada insistia em recusar o pedido do garoto. — Tá tudo certo, afinal estou fazendo nada por agora.

Inspirou fundo, entendeu que ser direto seria difícil com sua tia. Com passos mais relaxados atentou-se aos quadros que enfeitavam a parede fina do corredor da entrada. Lilly sempre teve uma veia forte em relação aos mais diferentes tipos de arte, talvez sua pequena passagem no teatro e seu sonho em ser uma artista plástica tenha criado uma grande bola de neve. 

Quando mais novo, Edward nunca se atentou com os diferentes quadros, mas agora era diferente. Lentamente seus olhos, acompanhavam o mesmo ritmo do andar, percorriam cada detalhe das figuras presas sob a parede. Todas apresentavam detalhes únicos, mas foi a última que roubou por completo a atenção do sobrinho. Agora imóvel, viu-se cada vez mais imerso na simplicidade da figura à sua frente.

Um fundo preto era dividido por uma linha branca, um traço completamente torto. Em cada plano dividido existia um ponto branco, bem pequeno, paralelo ao outro. A simplicidade da obra exalava o mais puro sentimento de mistério. Quanto mais o garoto olhava para a estranha tela, mais perplexo e indignado ficava. Dobrava a concentração em busca de entender o desconhecido.

— EI ED! 

Lilly repentinamente mostrou-se ao lado do garoto após receber nenhum retorno de suas perguntas. Reparou certo espanto no rosto do sobrinho, assim abriu um sorriso sincero quando percebeu a brecha perfeita para divagar sobre um de seus quadros favoritos. 

— Ahh esse quadro.

— Que susto! – Em um estalo Edward saltava seus ombros.

— Ah, finalmente você está me escutando. — Colocava delicadamente as duas mãos em torno da cintura. — Estava te perguntando o que você queria para beber.

— Meu Deus… — Coçou lentamente a parte de trás da cabeça. — Me desculpe, eu me distraí com isso. — Apontava para o quadro misterioso e minimalista.

— Ah... é… meio estranho, né? Hmm… pode ser estranho, mas ele te mexeu de alguma forma, então fez a parte dele.

Ambos ficaram um do lado do outro com foco apenas na figura estranha. Em um leve suspiro, o sobrinho continuava.

— Arte é algo complexo... 

— Você sabe que eu gosto muito de quadros mas também evito comprar os mais famosos e valiosos. Esse, por exemplo, encontrei em uma galeria de um artista novato. — Levava uma mão para o queixo em apoio a recordação. — Fiquei muito curiosa, "Pontos" é o seu nome. Com certeza é bem simples, certo? 

Quanto mais observava, mais estranho parecia. Ed inesperadamente percebeu que se encontrava cada vez mais submerso. "Sério que estou olhando pra uma reta e dois pontos e me sentindo interessado nisso?".

— Sim! E o que você enxerga nele?

— O que vejo? Eu vejo vida — Abria eletricamente os dois braços, sem tirar a atenção para com a obra. Rapidamente se recompôs e começou a acompanhar os traços com o dedo indicador e então prosseguia. — Uma linha é traçada entre dois pontos, comumente esperamos que seja uma reta. Essa linha torta parece ser a vida.

— Diante de imperfeições e uma reta esquisita, mesmo assim ela foi traçada. — Agora era a vez do sobrinho levar a mão ao queixo. — Seria isso?

— Pensa comigo: saiamos de um ponto — Lilly empolgada dizia enquanto gesticulava com suas mãos mostrando mais uma vez cada nuance — e estamos traçando nosso caminho a um outro ponto, nosso destino final. Talvez julgamos ser necessário uma linha reta, mas e se não for? Se tudo for traçado da forma mais torta possível? Estamos chegando a algum lugar ou não?

A voz alta e serena martelava na cabeça do rapaz, uma nova perspectiva parecia cada vez mais viva.

— Difícil de saber… se por acaso essa linha for cortada antes de chegar a esse ponto ou se ela simplesmente for para um outro rumo? 

Edward em um instante percebeu o quanto essa ideia simples era completamente poderosa, a forma como as palavras saíram durante toda a conversa sem resistência, ressaltou o grande impacto. Agora era visível e compreensível se sentir mais conectado com a peça.

Lilly arregalava suas pupilas no mesmo instante que compreendia a profundidade dos questionamentos do jovem, no fim se fez empolgante arrastar o sobrinho para algo que tanto gosta. Orgulhosa levou as duas mãos para trás das costas e com uma entonação ainda mais forte disse:

— Como você sabe se ela foi cortada? Digo, como sabemos se a pessoa chegou no ponto certo? E mais uma coisa: a maior magia desse quadro é o fato de uma "linha", de uma reta—

— Ser formada por mais pontos.

O rosto corado de Lilly exalava satisfação, a mensagem tão apreciada pela mesma foi perfeitamente captada. 

— Vamos comer!! — cantarolava no ritmo que deixava Edward ainda contemplativo com o quadro. 

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