Emissários da Magia Brasileira

Autor(a): Gabriel Gonçalves


Volume 1

Capítulo 17: O Pedido Nunca Feito

Faltando pouco tempo para o nascer do sol, os caçadores se preparavam para atacar Port Strong. A caçadora que havia enfaixado o braço de Ash se aproximou da colega que estava dormindo, colocando um copo de chá próximo ao seu rosto, fazendo com que ela acordasse ao sentir o aroma da bebida quente.

Ash ao se sentar verificou se o kon mender estava sob controle e teve a confirmação ao ver que a criatura mágica ainda estava adormecida.

Sem esperar por permissão, a colega de Ash se sentou ao seu lado para conferir como estavam as suas feridas e Ash percebendo sua falta de educação, falou:

— Obrigado, Lusse. Acabei dormindo demais pelo cansaço, não foi? De qualquer modo, espero que tenha ajudado a curar o ferimento.

— Não precisa agradecer, só estou fazendo meu trabalho de manter a garota prodígio no topo — disse Lusse apertando a bandagem.

— Ai! Desse jeito você vai acabar piorando a minha ferida! — protestou Ash fazendo seu melhor para não derrubar o chá.

Hahaha! Você é bem resmungona, garota prodígio! Não devia falar assim com a sua única amiga aqui!

— Eu não reclamaria se você não tivesse me dado um motivo! Será que ser irritante é uma característica humana?

— Uau! Você está ficando boa nas provocações, talvez fosse melhor se eu tivesse apertado mais as suas bandagens.

Alguns caçadores olhavam as duas mulheres com mau-humor, sem entender como em um momento como aquele elas estavam tão tranquilas. Dídac, por outro lado, como o bom observador que era da pessoa que um dia queria alcançar, sabia muito bem que a mente de Ash estava se preparando para a batalha. 

Por ser a “garota prodígio" dos novos caçadores, todos esperavam que ela fosse tão densa quanto Isami, mas Dídac podia perceber que ainda tinha luz dentro dela, ao contrário de Isami que era rodeado por trevas.

Do outro lado do acampamento, um dos caçadores que ficaram no último turno vigiando a cidade retornou e se apresentou diante de Poltergeist para o entregar o relatório. Assim que ele recebeu a permissão de seu líder, ele falou:

— Aconteceu como o senhor previu, eles passaram a noite em claro vigiando as fronteiras. Houve trocas de turno, assim como fizemos, mas a força de defesa deles se manteve concentrada nas fronteiras da cidade, descansando por ali mesmo.

— Ótimo! Era previsível que isso acabaria acontecendo, pois, seria o que eu faria caso estivesse enfrentando caçadores. Eles sabem que não vamos lutar como guerreiros comuns, somos traiçoeiros e faremos o necessário para alcançar nosso objetivo, por isso não podem baixar a guarda um minuto sequer — disse Poltergeist com um sorriso em seu rosto — Eles devem estar nervosos por ainda não termos atacado e cansados física e mentalmente. Hora de juntar os nossos homens para o ataque, o momento chegou!

Em um curto período Poltergeist juntou os caçadores para por fim dar as instruções de como ocorreria o ataque a cidade, os jovens seguravam suas armas na esperança de conter seus ânimos, sendo que a maioria que se ofereceu para ficar vigiando a cidade o fez por não conseguir dormir.

Ciente dos sentimentos das pessoas que se encontravam enfileiradas a sua frente, Poltergeist com Isami e Ash ao seu lado disse:

— Há alguns dias nós falhamos em eliminar os Emissários de Vento que vieram por evento do destino se opor ao que estávamos fazendo aqui. Eu sei que muitos de vocês estão aguardando pelo momento de se vingar dos oponentes que conseguiram escapar de nossas lâminas, mas se lembrem somos Caçadores de Elite! Não nos apressamos, não nos deixamos levar pelas emoções, caçamos nossa presa com inteligência e não apenas força bruta!

Dídac olhava para o seu líder impressionado em como suas palavras batiam exatamente com o que estava pensando e mesmo tendo escutado outros discursos de Poltergeist em outras ocasiões em que estavam perto de uma batalha importante, ainda tinha o mesmo impacto da primeira vez. Parecia não só para ele, como para os outros que estavam ouvindo o experiente líder falar.

— Nossa missão ainda é ir atrás dos vermes que se esconderam naquela cidade, matar os usuários de magia dessa cidade foi apenas um bônus. Mas para fazer a nossa presa sair da toca, vamos precisar agir com ainda mais inteligência. Nossos inimigos não sabem das nossas intenções e por conta disso um grupo será liderado por mim para atacar a cidade pela entrada principal que fica no leste, seremos o maior grupo e nossa missão será distrair as forças de defesa da cidade e os Emissários de Vento.

Pelas movimentações dos membros da cidade e dos emissários, Poltergeist tinha uma grande suspeita de que eles aguardavam por um ataque à cidade ao invés do seu verdadeiro objetivo que era matar os monstros que se escondiam em Port Strong e levar Castiel. Aquela era uma vantagem que Poltergeist desejava explorar ao máximo.

— O outro grupo será liderado por Edgar e sua missão vai atacar a cidade pelo ponto oposto, será um grupo menor que vai servir para dispersar ainda mais as defesas da cidade. Desta forma Isami e Ash vão entrar no território inimigo sem dificuldade para executar a nossa real missão. Deem seu melhor na batalha, mas nosso objetivo é apenas distrair nossos inimigos, então não quero vocês morrendo de forma desnecessária, ainda temos muito trabalho pela frente. Assim que eles completarem a missão vamos recuar. Todos entenderam?!

— Sim, senhor! Pelas caçadas que virão! — falaram os caçadores em uníssono.

— Pelas caçadas que virão! — falou Poltergeist.

Ele removeu uma de suas espadas da bainha e a levantou ao céu, repetindo um velho hábito de seu tempo na Ordem dos Templários.

Ash pronta para partir foi até o kon mender que ainda olhava para a caçadora com ressentimento, era uma criatura difícil de ser domada, mas poderia ser muito leal se seu dono fosse firme e soubesse se impor a criatura.

— Espero que você não me dê trabalho hoje, ambos ferimos um ao outro lutando ontem e você já sabe que eu ganho, então coopere e eu vou te recompensar — disse Ash.

A criatura abriu suas asas que estavam recuperadas da batalha e Ash cruzou seus braços sem desviar sua atenção dos olhos da criatura que recaiam sobre ela. 

“Cresci em uma vila de filhos da floresta, sei muito bem lidar com criaturas mágicas, não adianta se impor, você não me assusta e não consegue ganhar de mim. Está apenas sendo orgulhoso”, pensou Ash.

Poltergeist parou ao lado da caçadora observando a criatura mágica que fechou suas asas ao ter sua tentativa de se impor frustrada.

— Acho que ele desistiu por enquanto. Tem certeza que vai usá-lo na sua missão? Ele ainda está resistente a te reconhecer como mestre — falou Poltergeist.

— Vai dar tudo certo, além de que se eu sobrevoar a cidade vou conseguir capturar o alvo em menos e sair sem chamar atenção — falou Ash.

— Se lembre de continuar vendo ele desta forma, como um alvo. Se alguma coisa der errado, tem minha permissão para recuar.

— Eu não vou precisar recuperar, falhar não é uma opção.

Se afastando sem dizer uma palavra sequer, Poltergeist foi até Isami com um sorriso no rosto.

— Quero que assim que você termine a sua missão vá atrás de Ash para verificar se ela precisa de ajuda ou não para cumprir a missão.

— Não confia nela, senhor? — falou Isami.

— Confio, mas ela ainda está em formação, então não espero perfeição dela. Também não pretendo perder um recurso valioso em nossa missão, ela tem muito potencial. Ainda temos muito o que fazer, por isso eu quero que ela retorne viva.

— Assim que eu me livrar dos alvos, vou atrás dela. Farei o possível para que ela volte com vida.

— Ótimo, agora vou liderar o caminho. Os outros não são os únicos que estão ansiosos pelo reencontro com os emissários, matar aqueles dois emissários de antes seria um excelente bônus para a nossa missão.

A falha era algo que Poltergeist, depois de todos seus anos servindo aos templários, sabia que poderia acontecer. Todavia, agora que estava se acostumando à sua nova realidade como caçador, ele tinha o desejo ardente de completar a sua caçada, fazendo com que Luther e Jasmim estivessem marcados para morrer em sua mente.

O ex-templário, se encontrava animado pelo momento em que finalmente mataria os dois Emissários de Vento que escaparam da morte, mesmo que parte dele sentisse pena do fato dos dois jovens não fazerem ideia do que de fato estava acontecendo ao redor deles e por conta disso morreriam na ignorância.

O sol estava prestes a surgir no horizonte para iluminar o caminho dos caçadores e dar início a batalha que ambos os lados estavam antecipando por tanto tempo.

 

 

Ha! Você sabe como eu derrotei eles, Luther! Eu já te contei essa história várias vezes! — disse Michael sentado na beirada da cama do seu filho.

— Eu quero ouvir de novo, papai! — disse Luther fazendo cara emburrada.

Era tarde da noite e o quarto do garoto de oito anos era iluminado por uma única vela que se encontrava na mesa de cabeceira. Michael suspirou olhando para seu filho e consciente de que ele não desistiria até que Michael contasse o restante da história.

— Tudo bem, a missão com a guilda estava quase completa! As pessoas da cidade observavam as janelas de suas casas curiosos com nossa batalha contra o grupo de bandidos. Só por ser um filho da floresta o bando já era formidável, mas o líder era um wukong, então sendo meio humano e meio macaco ele era ágil e forte. 

— Nossa! Eu nunca vi um wukong! — disse Luther.

Michael quase riu do seu filho por falar errado, mas sabendo que iria aborrecer a criança, se esforçou e continuou a contar a história:

— Ele usava três espadas e para derrotá-lo até mesmo eu sendo um grande espadachim precisei de ajuda de Dália e do Tobias para dar um jeito naquele cara. 

Sem se levantar, o homem encenava alguns movimentos de espada enquanto seu filho olhava boquiaberto e continuou contando a história:

— A defesa dele parecia ser impenetrável, por conta dele usar três espadas, mas todo mundo tem uma fraqueza. A dele foi o seu campo de visão que não podia acompanhar para sempre os movimentos de três pessoas e é claro que foi seu pai que deu o último golpe que deu um fim líder e consequentemente fez os outros se renderem. As pessoas do vilarejo ficaram tão felizes que deram uma festa em nossa homenagem!

— Uau! Papai, o senhor é tão legal! Eu prometo que vou ser um grande aventureiro também quando eu for muito grande como o senhor. As… as… as pessoas todas vão me chamar de herói também!

Michael se divertiu enquanto Luther brandia sua espada de madeira, agora que ele havia se sentado em sua cama, imaginando ele mesmo resgatando um casal de uma cobra gigante enquanto usava um sobretudo preto e uma espada longa igual ao do seu pai.

— Filho, vamos deitar — disse Michael fazendo com seu filho voltasse a se deitar na cama — Eu não sou nenhum herói, quando você crescer vai ser algo muito melhor do que um aventureiro, Luther.

— Eu não quero ser outra coisa! Eu vou crescer e ser que nem o papai! Vou me esforçar muito, muito, muito!

Michael riu e deu um beijo na testa de Luther e se levantou da cama.

— Tudo bem, mas até alguém esforçado tem que saber a hora certa de descansar, então vamos dormir. Eu preciso descansar bastante, amanhã vou ter que acordar cedo para ir em uma missão muito importante com o meu grupo, eles vêm me buscar assim que o sol nascer.

Luther olhou triste para o seu pai que percebendo a reação do seu filho disse:

— Não fica assim, vou tentar trazer alguma coisa legal dessa viagem para recompensar você pela espera! Então sorria e se lembre de ser bonzinho com a vizinha quando ela vier tomar conta de você, se der trabalho para ela, não vai ter presentes.

Antes que Michael pudesse abrir a porta para sair, as pequenas mãos de Luther seguraram o sobretudo do seu pai, que se espantou com a velocidade que seu filho se deslocou da cama até o lugar onde Michael.

Uma brisa gelada de vento adentrou o quarto apagando a vela e Luther com muita dificuldade falou:

— Por favor, não vá! Papai, se você for, você não vai voltar!

— Luther, do que você… — Michael se interrompeu ao ver que seu filho estava chorando.

— Eu ainda quero aprender tanta coisa com o senhor, eu estou tentando ajudar as pessoas que nem o senhor fazia, mas não sei se estou fazendo do jeito certo. Acabei me tornando um soldado ao invés de um aventureiro igual eu te prometi. Pai, por ficar, eu quero mais tempo, eu quero aprender mais com o senhor, muito mais! Eu ainda não sei se estou fazendo as coisas direito.

— Você devia confiar mais em você, sua mentora não te disse isso tantas vezes enquanto te treinava? Confie também que seus amigos vão te ajudar, assim como eu fazia. Nem todo inimigo você consegue enfrentar sozinho.

Luther abraçou seu pai forte quando começou a ouvir vozes vindo do lado de fora do quarto dizendo:

— Será que o senhor Levisay realmente morreu?

— É muito comum abandonarem o filho, principalmente homens, e o Michael também era um…

— Quem vai cuidar do garoto agora? Ele está ficando mais velho, a vizinha dele é um doce por estar de olho nele, mas talvez isso seja demais para ela. A Makaela já tem dois filhos para cuidar.

— Tenho tanta pena dele, já faz dois anos e ele ainda acha que o pai vai voltar. Fico triste só de olhar para ele.

— Deveríamos fazer um funeral para o Michael? Tenho certeza que ele morreu, mas mesmo que não, vai ajudar o garoto a ter um fechamento!

Agora adulto, Luther se viu sozinho no quarto escuro ainda chorando, segurando uma bússola dourada em sua mão. Sentindo uma mão encostar em seu ombro, Luther olhou para trás assustado e ele despertou de seu sonho dando de cara com Jasmim.

A reação de Luther, somado ao fato da mão dele estar em cima de onde seu pingente ficava por debaixo de sua camisa, denunciou para Jasmim o que estava acontecendo. 

“Ele teve outro daqueles sonhos, mas agora preciso falar algo urgente para ele”, pensou Jasmim.

— Luther, eles chegaram — disse Jasmim.

No momento que Luther escutou o que Jasmim disse, ficou consciente dos seus arredores. Os policiais junto dos voluntários se preparavam para a batalha que estava prestes a começar.

Usando alguns entulhos, uma barreira foi feita com atirados logo atrás e do lado de fora da cidade já estava o restante das pessoas que fariam a defesa da cidade aguardando os caçadores que apareciam vindo pela estrada no horizonte.

Luther não demorou muito para sair do pano que havia esticado no meio do chão e junto de Jasmim ir para linha de frente onde Lia os aguardava próxima da comandante de polícia. 

Percebendo que Jasmim estava preocupada com ele desde que o acordou, Luther deu seu melhor sorriso enquanto removia sua espada da bainha.

— Droga, esses caçadores são realmente um problema, eles nem ao menos me deixaram tirar um cochilo decente — falou Luther.

Hahahaha, você é um idiota — falou Jasmim.

— Concordo — falou Lia.

O nascer do sol parecia não estar apenas ali para declarar o início de um novo dia, mas também para declarar o início da batalha que estava para acontecer e Luther se preparava para dar um fim aos caçadores de Dimitri Poltergeist.



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