Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 30: Vermelho

Bianca sempre teve o sonho de ser uma raider de rank alto. Ela vivia dizendo aos seus amigos de infância que seria a melhor, que estaria no topo. 

Contrário a espectativas de muitos adultos pessimistas e crianças chatas, esse sonho foi em parte realizado.

Ela se tornou uma raider, mas apenas como passatempo, um meio de sair de sua rotina monótona por cuidar de uma empresa que recém-emergiu no mercado de raids.

Não era seu plano original, muito menos um sonho da infância, era uma oportunidade que viu de ganhar bastante dinheiro com algo que gostava. 

Agora, com um ano inteiro de experiência no mercado e uma frota de raiders a sua disposição, ela se via numa rotina esquisita de administrar na sua empresa, a Scarlet Witch Bazar, e ocasionalmente ter seus bicos aqui e ali ao usar os portais.

Infelizmente, Bianca não era a melhor, pelo contrário, ela estava praticamente na base mais baixa do rank: uma classe F que podia somente lidar com portais fracos.

Seu estilo de vida era um pouco decepcionante, mas gerenciar uma empresa com certeza dava muito dinheiro, então ela ainda agradecia por ter dado uma gigantesca tacada de sorte quando teve sucesso imediato na área.

Bianca piscou os olhos algumas vezes e arrumou a franja do cabelo, tentando se concentrar no que faria mais tarde naquela noite: uma reunião importantíssima com outros CEOs em prol de um acordo econômico.

Queria se atentar ao que diria na reunião, mas o barulho de sirenes e gritaria incomodaram seus ouvidos ao ponto que ela se sentiu obrigada a ver o que era.

Diversos carros e oficiais estavam ao redor de um portal, e pelo que ela podia entender, era um portal de grau baixo, do tipo que uma pessoa comum sobreviveria por bons minutos. 

"Alguém entrou lá pra ter essa comoção toda… Bem, eu ainda tenho tempo, vou tirar um pouco de glória pra mim."

Bianca abriu sua bolsa e  tirou dali um manto vermelho e uma máscara, vestindo as duas antes de correr em direção ao portal para receber um breve relatório dos oficiais. 

Um jovem havia entrado no portal e sua assinatura era menor que a demonstrada pela fenda dimensional, resumindo: ele estava em grande perigo por ser mais fraco que o próprio portal.

A mulher agradeceu a informação e suspirou, lançando um olhar julgador aos policiais que guardavam aquela coisa e não tinham prestado atenção num civil passando.

Ela adentrou o portal e se viu diante de uma selva. 

“Muita vegetação, árvores e bastante oxigênio no ar… Isso é problemático, minha pirocinese pode criar um incêndio e indiretamente matar o garoto. Vou ter que trabalhar com um tipo de fogo controlado se eu quiser que as coisas fluam bem.”

Analisou os arredores e logo notou chamas azuladas nas árvores e arbustos. O fogo não consumia a vegetação, apenas dançava no mesmo lugar enquanto perdia as forças, e perto havia alguns cadáveres chamuscados de homenzinhos verdes.

“A habilidade dele parece semelhante a minha, só que manipulando um fogo especial que queima o que escolhe. As chamas ainda estão vivas, deve ter sido recente…” Um barulho de explosão interrompeu seus pensamentos. “Ali!”

Ela seguiu na direção da cortina de fumaça cinza, ocasionalmente matando goblins aqui e ali com as próprias mãos para limpar o caminho.

Quando chegou no lugar da explosão, teve que piscar diversas vezes para ter certeza de que não estava vendo coisas ou tendo uma alucinação.

Um rapaz gorducho, de espada, usando uma armadura arroxeada de couro lutava contra um hobgoblin de marreta numa das cenas mais emocionantes que já presenciara em sua carreira como raider.

O garoto bloqueava e atacava com maestria, o balanço da lâmina fazia o monstro recuar toda vez que notava cada movimento minucioso, e mesmo que martelasse de volta, só atingia o vento.

O peito do hobgoblin ganhou um corte que cruzava do ombro até a cintura, forçando-o a gemer de dor e ver seu sangue derramar. 

O rapaz riu, mexendo sua arma para limpar o vermelho do fio.  

— Nem acredito que isso me dava dificuldade antes, lutar contra vocês é tão fácil. — Ele jogou um pequeno frasco vermelho na direção do hobgoblin. — Bebe isso, quero que você dure um pouco mais pra eu farmar minha esgrima.

O monstro, por outro lado, espatifou a poção no chão e rugiu o mais alto que pôde.

— Puta que pariu, é um completo animal! Sério que vou ter que enfiar uma dessas na tua goela agora?!

Mesmo que engraçado abrir a boca de um monstro feito um cachorro e jogar um remédio para dentro de sua boca, acabou não acontecendo. 

O rapaz mais uma vez desviou de uma marretada e estocou com a espada, criando um buraco no peito do monstro.

O hobgoblin mais uma vez tentou revidar, mas foi imediatamente derrotado quando a lâmina da espada subiu e cortou sua cabeça em dois pedaços diferentes.

Uma mistura nojenta de cérebro e pedaços de carne caiu no chão, causando até uma expressão de nojo naquele garoto, que colocou a mão na boca como certo espanto de sua própria força.

Suspirou, tomando a marreta do chefão caindo para si. 

— Hm… problema resolvido. Não perdi tanta coisa, só algumas unidades na loja mesmo… 

— O que diabos você é?! — gritou Bianca, pulando para fora de seu esconderijo e andando com passos pesados na direção dele. — Ficou maluco, garoto?!? Como você… espera, onde que conseguiu esses itens que tem? Você é um raider disfarçado de civil? Explique-se!

— Oh, foi mal! — O garoto levantou as mãos, meio compelido pelas palavras e atitude agressiva de Bianca. — Sério, me desculpa! Eu meio que esqueci que você vinha pra me salvar…

— Esqueceu que eu vinha te salvar? Como assim? O que você quer dizer?

— Nada, nada! É só que vi a oportunidade de me testar no portal e esqueci que é função dos raiders, sabe? — Deu um sorriso falso, como se estivesse escondendo alguma coisa. — Ah, agora que lembrei! Tenho que ir, mas sério, me desculpa mesmo! Pode ficar com o crédito e com os repórteres lá fora, eu já to indo! 

O rapaz correu da raider, sem sequer olhar para trás. Bianca o perseguiu, ao mesmo tempo que tentava entender como não conseguia entender como um gordinho era tão ligeiro assim.

Ela cogitou usar sua pirocinese e pará-lo, mas não, era muito perigoso, podia quem sabe machucá-lo pela queda ou pelo fogo, tendo que lidar com polêmicas de repórteres lá fora. 

Antes que desse conta, o garoto já tinha passado pelo portal, faltando bons metros até que Bianca estivesse sequer perto. 

“Droga, por que é tão difícil alcançar esse maluco?!” Ela saltou para fora do portal assim que o encontrou e se viu diante de várias câmeras e oficiais, mas não encontrou o rapaz em lugar algum. — Pra onde ele foi? Onde o garoto do portal foi? Me digam, rápido!

— Ele foi naquela direção! — disse um dos policiais, apontando para a esquina, na qual uma silhueta roxa fugia.

Bianca voou com uma rajada de fogo, acelerando exponencialmente sua velocidade. No entanto, não foi o bastante. Quando dobraram uma esquina, o rapaz simplesmente desapareceu de vista. 

A frustração tomou conta dela, primeiro não resolvera o problema do portal sozinha e agora um pivete misterioso apareceu, aparentando ser muito mais fraco que as outras criaturas e sozinho lidou com toda a situação.

Pior ainda foi a onda de repórteres e autoridades que queriam uma explicação de quem era aquela figura.  

A raider esquivou das perguntas como sempre fazia, entregando apenas um relatório simples e rápido para os oficiais para trabalharem e em seguida indo embora.

Mesmo depois de voltar a suas roupas de presidenta da Scarlet Witch Bazar, ainda pensava no fato das coisas terem acontecido tão rápido.

O que ele queria dizer com “esqueci que você vinha me salvar”? Como lutou contra os monstros com tanta facilidade? Onde adquiriu os itens? Essas e várias outras perguntas perturbaram sua cabeça até chegar no lugar que aconteceria a reunião dos CEOs.

“Isso vai ser um pé no saco… Que merda, agora eu quero achar aquele moleque!”

Adentrou o prédio e pegou um assento na ampla mesa preta, apoiando seu cotovelo e tateando os dedos, imersa na própria imaginação.

De um em um, os demais engravatados encheram a sala, incluindo seu fiel parceiro Arthur, que pegou um assento ao seu lado.  

Ambos se entreolharam, e só pela maneira que ela se mexia, ficava claro o quão aflito estava por dentro. Arthur sussurrou em seu ouvido:

— O que aconteceu? 

— Eu encontrei alguém num portal mais cedo. — A tensão e o jeito que falava parecia indicar algo a mais escondido detrás da sua expressão sempre séria. — É alguém fora da curva, não se compara em nada com as pessoas que já conhecemos. 

— O que você quer dizer? Isso é uma piada de mau gosto, Bianca?

— Eu faria uma piada dessa falando sobre o tema que mais levei a sério a vida toda?

Arthur fechou a boca, meio afetado pela agressividade repentina de sua amiga. A sala finalmente encheu, dando início a uma discussão sobre o futuro das pequenas empresas.

Bianca, no entanto, estava em tempo de jogar todos eles pela janela e realizar mil e uma loucuras num espaço de tempo super curto, como explodir o prédio e fazer os móveis voarem pelo ar.

Em dado momento, sua mente travou, uma epifania correu por sua cabeça e ela saltou de sua cadeira, assustando os demais na sala com a velocidade que deixou o assento para trás e saiu.

Arthur correu atrás da mulher, mas seus passos pelo corredor distanciaram mais e mais ao ponto dela não poder ser mais vista por ninguém. 

Bianca pegou viagem com seu motorista particular direto para a Scarlet Witch Bazar, e sua mente possuía uma única decisão: venderia sua empresa para correr atrás de seu sonho, algo que nunca mais tinha almejado antes.

De frente ao prédio da empresa, ela subiu pelo elevador rumo ao seu escritório, juntando todos os documentos necessários para a venda. 

Nesse interim, enfim Arthur voltou e a encontrou sentada no canto do escritório, olhando pela janela a cidade grande e mordiscando a ponta da unha. 

A chefona tão séria e calma que conhecia estava morrendo de ansiedade, cheia de pensamentos sobre o que deveria fazer, qual próximo seguir, como subir nessa hierarquia de raiders, como ser a melhor do mundo.

Pela sua expressão, Arthur sabia que algo estava mexendo com ela por dentro, pois era semelhante a que fazia no tempo de infância quando fazia alguma coisa errada e não queria dizer.

Ele suspirou e bateu na porta já aberta, atraindo a atenção de Bianca que virou a cabeça de uma vez e o encarou na entrada.

— Os CEOs não gostaram da sua atitude lá atrás, sabe? — disse, revirando os olhos. — Mas pra fazer isso do nada, o que aconteceu deve ter te afetado bastante. Se importa se eu te ouvir?

— Hum… — Ela cruzou os braços, sua boca hesitava em falar. — Eu… eu não sei direito, Arthur.

O homem pegou um copo d’água e revirou para dentro da garganta. — Não tem problema, pense o quanto precisar… se não quiser falar, eu também posso sair e te deixar só. 

— Não, quero que você fique. 

A mulher, ao vê-lo arranjar uma bebida tão fraca como água, decidiu arranjar uma garrafa de vinho que escondia nas prateleiras do escritório e duas taças.

Ela abriu a garrafa e derramou um pouco para beber de uma vez, sentindo o gosto amargo rasgar sua glote.

— Serei sincera, ver aquele menino em ação, lidando com tanta facilidade com aqueles monstros, me fez perceber uma coisa: eu sou muito idiota em pensar que posso me satisfazer da forma que vivo.

— Quer dizer que esse sucesso que você teve e as raids mais simples não são do seu agrado?

— Exatamente. Eu sou a dona de uma boa empresa, mas não sou forte… pelo amor, eu nem mesmo conseguiria lidar com um portal de classe E se tentasse. 

— Entendi. — Arthur não resistiu a tentação e engoliu um pouco de vinho para soltar-se junto dela. — E o que quer fazer sabendo disso, Bianca?

— Eu quero ficar forte. Eu quero ser uma raider de verdade, nem que isso custe tudo o que tenho.



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