Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 32: Jogadora

Viviane estava numa situação assustadora, muito assustadora. Quem imaginava que um gorducho de cara oleosa e óculos redondos pudesse reparar no seu segredo mais precioso?

Ela engoliu seco, o coração pulou uma batida e suor frio desceu de sua testa. Havia algo de errado, não tinha como alguém puxar assunto daquela forma sem saber no que estava se metendo.

Se fosse levar em conta ainda a maneira como era olhada, aqueles olhos desafiadores, que pareciam ter visto a morte tantas vezes que só se cansaram do mundo, seus medos de que encontrou um grande problema só aumentavam.

— Você… quem é você? — perguntou, ainda de pé, mas com extrema surpresa no rosto.

— Pode me chamar de Lucas. Eu notei que você ficou olhando pra mim e pra "algo"... 

— Sim, mas como você descobriu? Tenho certeza que nunca te vi na vida e ainda por cima não teria como você…

— Sério? Tu agora pouco ficou de queixo caído depois que perguntei. — Ele cruzou os braços. — Hehehe, depois disso tava na cara! 

Aquele sorriso ofendia o fundo de sua alma. Era impossível ter deixado óbvio, e pior, ele estava tirando sarro disso! 

Viviane rangeu os dentes de raiva, suas unhas pontudas queriam arrancar a goela dele, mas seu bom-senso conteve qualquer vontade. 

Ela estreitou seu olho e reparou em Natália se aproximando, usando seus passos pesados e expressão morta para tentar chegar perto. Era a janela perfeita para sair de perto. 

— Podemos nos encontrar mais tarde aqui mais tarde? Eu tenho que resolver uma coisa importante… importantíssima.

— Você que sabe, Vivi. — Deu de ombros, articulando o pescoço para estralar cada um dos lados. — Ah, acho que vou passar aqui quando tiver anoitecendo, então fica à vontade… 

Ele começou a caminhar pela calçada e fez um gesto de "tchauzinho" enquanto estava de costas, mexendo nos nervos de Viviane que fora chamado pelo seu apelido sem nem ter dito o nome.

Ele sabia até disso? Quanto mais sabia? E se sua operação estivesse completamente à mostra? As perguntas reverberaram pela sua cabeça, o choque era tamanho que sua pupila cutucando seu braço e suas costas passou despercebido.

— Alôôô! Mestra pra Terra, mestra pra Terra!

— O que foi, desgraça?! — O rosto da mulher se transformou numa carranca, suas sobrancelhas franzidas e os olhos cerrados matavam qualquer um na sua linha de visão.

Aquilo serviu como choque a Natália, que era desacostumada a esse lado "bruto" de sua mestra. Assim que reparou na sua mudança súbita de humor, Viviane balançou a cabeça e suspirou.

— Desculpa falar isso… — Passou a mão na testa, limpando as gotas d'água. — O que foi? Algum problema?

— Não era nada, eu só queria saber quem era aquela pessoa que você tava conversando…

— Até eu queria saber, Natália. — Seus olhos correram mais uma vez na direção do rapaz de moletom, que cada vez mais diminuía por conta da distância. — Quem é ele…?

A pupila ruivinha inclinou a cabeça para o lado, mas Viviane decidiu voltar à sua linha de raciocínio normal e levou a garota consigo no carro.

O motor daquela máquina luxuosa rugiu e as duas foram pelas estradas num silêncio absoluto. A mestra mexia os dedos em cima do volante, e às vezes acelerava por instinto.

Enfim, após um trânsito chato e muitos sinais vermelhos, elas chegaram numa mansão luxuosa ao estilo oriental, porém rodeada por uma cerca de metal preto. 

Os portões foram abertos por um mordomo pessoal e logo o carro foi estacionado na garagem, permitindo que Viviane trouxesse a menina para dentro e pedisse que fosse ao seu quarto terminar os estudos que pediu.

— Certeza, mestra? Você não parece bem… não quer que eu fique um tempinho por perto?

— Já disse que não precisa. — Seus punhos se apertaram e ela seguiu pelo corredor. — Se precisar de mim, estarei meditando. Não se preocupe, só preciso de um tempinho.

Relutante, a mulher fechou a porta corrediça atrás de si e parou no dojo privado da casa. Era uma sala meio vazia, só a textura de madeira e o papel de parede de cerejeiras.

Sentou-se no centro, cruzando as pernas e unindo as pernas para atingir algum grau de calmaria. No entanto, ela não conseguiu.

Uma energia rosa se manifestou por cima de sua pele, gradualmente ganhando tamanho e consumindo seu corpo. Algumas presas surgiram em sua boca, ameaçando revelarem seu lado monstruoso.

Aquela raiva cresceu e cresceu, aquele mistério que irritava sua cabeça aumentou e causou todo tipo de paranóia possível.

Será que era alguém que a derrotaria? Que talvez pudesse matá-la e mostrar ao mundo seus planos? Em tantos anos, como era possível encontrar esse tipo de pessoa só agora?

Será que existiam outros? Ela não era especial como imaginava ser? Todos os poderes ganhos e o esforço gigantesco que teve que enfrentar foi em vão?

Viviane abriu os olhos, a aura estava quase tomando conta de sua consciência. Ela estapeou sua bochecha para se manter no controle, a aura se dispersou no instante seguinte e suas costas caíram para trás.

"Por que eu me sinto tão ansiosa? O que tem de errado comigo?”

Não sabia o que estava acontecendo, parecia que aquele rapaz, com meras palavras, montou um apartamento em sua cabeça e foi capaz de destruir sua calmaria.

Como não tinha como controlar tanta ansiedade, levantou-se e foi para um dos cômodos da casa que possuía uma escadaria para o subsolo.

Um corredor metálico surgiu a partir do último degrau, que terminava numa porta grande com um painel com números.

Inseriu rapidamente uma senha, ambas as metades de ferro abriram, enchendo o caminho de gritos monstruosos e barulhos de garras arranhando paredes.

Encaminhou-se até uma das salas entre as milhares do subsolo, analisando as criaturas presas dentro de suas celas. 

— Chefe! — chamou um homem que apareceu no caminho. — Algum problema? É incomum vir a essa hora…

Viviane encarou o homem. Ele tinha um rosto avermelhado e um par de chifres na testa, sua habilidade era praticamente dá-lo a forma de um oni natural.

— Está. Tive um pressentimento ruim e quis passar um tempo aqui.

— Vim ver meus pets, Colher. Tem cuidado bem deles?

— Sim, madame! todos estão bem alimentados, porém o número 312 não tem comido nada há dias.

— Oh? É mesmo? Então será que minha próxima refeição.

— Às suas ordens, chefa. — O gigante vermelho se retirou.

Viviane foi a uma mesa de jantar nas instalações, rodeada de painéis de câmeras para todos os seus queridos monstrinhos em cativeiros. Vê-los trazia memórias de como pegou cada um.

Havia um esporte famoso entre raiders sobre quem pegaria o melhor monstro dentro dos portais, para depois vendê-los no mercado para os ricos. Normalmente, eles não teriam motivo para comprar, mas ela tinha.

Logo chegou a sua mesa um prato cheio de filés de carne, com uma crosta dura que parecia couro assado. Viviane, no entanto, apenas apanhou os talheres e foi partindo em pedaços cada vez menores.

Degustou do primeiro pedaço. Apimentado, com um pouco de gosto de sal, mas o óleo reforçava aquela gostosura que somente a carne tinha.

Rapidamente o prato foi devorado. Viviane esticou seu braço, vendo escamas crescendo no lugar e tomarem conta de sua pele.

 

Lagarto de Lava consumido

Habilidade Armadura de Escamas liberada. 

 

“Um novo brinquedo para usar, ótimo… Uma pena que é um dos poucos que tenho. Preciso esperar os outros amadurecerem mais.”

Satisfeita, ela logo pediu para Cobalt cuidar dos demais monstrinhos, pois ela possuia uma coisa importantíssima para resolver.

Feito isso, ela tirou seu devido descanso e esperou anoitecer, então pegou seu carro luxuoso e acelerou pelas ruas rumo a praça onde se encontrou pela primeira vez com o rapaz.

Viviane chegou na praça, o batom verde destacou sua boca e o cabelo cacheado caindo sobre os ombros com certeza a tornava um grande foco no cenário.

Ela procurou em todos os lados pelo rapaz, especialmente no lugar em que conversaram pela primeira vez, mas não havia nem sinal.

Esperou encostada na sua lamborghini, mexendo vez ou outra no celular para ver alguma besteira como forma de passar o tempo. 

Porém, a ansiedade não permitia que ela se concentrasse no nível 721 do Candy Crush, então depois de gastar todas as energias para jogar, ela soltou um longo suspiro e estava prestes a abrir a porta para ir embora.

— Ei, Viviane! — chamou alguém de longe, forçando a se virar. — Desculpa o atraso, eu tava correndo! 

A mulher o julgou da cabeça aos pés. Correndo de novo…? Ele já não fez isso de manhã? Como tinha energia pra continuar ainda depois?

— Você veio mesmo… Achei que ficaria sozinha aqui…

— Não dava pra te deixar na mão, né? Só me perdoa pelo atraso, eu tive uns problemas em casa e ainda precisei terminar meus exercícios.

"O que ele é, um monstro?", pensou Vivo, assustada com a estamina do rapaz. — Eu compreendo como é, então relaxe quanto a isso. Mas mais importante: quem é você?

Essa pergunta deixou um silêncio completo no ar, Lucas mudou de expressão, aparentemente bem mais sério que antes, usando um olhar analítico sobre a mulher,

Ela, por um momento, pensou em atacá-lo, retraindo seus dedos e unhas para apenas pegar a primeira chance, que por sorte nunca veio.

— Aquilo foi um palpite, eu não tinha certeza que você via as telas — confessou, soltando um suspiro em seguida. — Achei estranho a forma como olhava pra mim, então supus que você conseguia enxergá-las.

— Você ainda não me respondeu.

— Ah, eu sou igual a qualquer pessoa comum. Ganhei o sistema há poucos dias, e o cara que me deu disse que outras pessoas também possuíam um. 

— O cara…? Quem é essa pessoa? O que mais ele te disse?

— Uou uou, vai com calma. Não sou otário de responder tudo sem ter minhas perguntas também, beleza?

Viviane acenou com a cabeça e relutantemente respondeu, muitas vezes sendo direta e até esquivando do que podia, ocultando o máximo de informação possível.

Isso aborreceu Lucas, já que ele reparou nas tramóias da mulher.

— Você é sacana, viu? Fazer isso é pilantragem.

— Não sou otária de responder tudo e me expor demais.

— Entendi… — Ele cruzou os braços, ainda com sua expressão meio difícil de ler, mas de repente mudou, ganhando um sorriso. — Ei, eu tive uma ideia! Já que você consegue usar o sistema, então talvez possa vir a um lugar comigo!

— Lugar? Que lugar?

— Bem, uma das propriedades do sistema que tenho é de me transportar pra um lugar sem pessoas e onde tem monstros, lá é onde passo maior parte do meu tempo. Se por um acaso minha ideia estiver certa, é para você vir comigo naturalmente… eu acho.

“Monstros? Ele simplesmente pode entrar num tipo de portal artificial e enfrentar monstros?! Isso é absurdo, só pode ser mentira!” 

A mente de Viviane começou a decifrar a face dele, procurando algum traço de mentira, mas ou ele era um ótimo mentiroso ou estava falando a verdade se julgasse a cara gorda dele.

Muito curiosa para saber qual caminho aquilo tomaria, ela respondeu: — Então vamos, quero ver o que isso vai dar, porém te aviso uma coisa: banque o engraçadinho e você morre.

— Nossa, que frieza… tá bom, só me acompanhe!

E assim Lucas e Viviane foram até o condomínio, onde o garoto apontou para a entrada e em seguida atravessou. Nada aconteceu, mas assim que ele decidiu passar de novo, seu corpo simplesmente sumiu.

As sobrancelhas da mulher saltaram de susto. Onde ele estava? Que truque era esse? Logo a resposta veio quando a cabeça de Lucas reapareceu flutuando no ar.

— Disse que não tava mentindo. Quer tentar?

Ele saiu por completo, dando espaço o suficiente para Viviane tentar. Ela repetiu o processo e se sentiu sugada por uma água invísivel, era a mesma sensação de entrar num portal.

Então, quando levantou a cabeça, estufou os olhos. A cidade tinha desaparecido.



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