Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 80: Saudade

Lucas respirou profundamente o ar fresco de novo. Há um mês não saia de dentro do Lago Congelado, poder respirar no mundo real era realmente satisfatório demais para que esquecesse.

Além disso, evitar os gritos de Solein, Lilith, Amora ou qualquer pessoa que viesse estragar sua paz era realmente bom demais, não se comparava em nada com o tempo que passou lá dentro.

Ele inclinou a cabeça para a vista da sacada de casa, também tendo sentido bastante saudade dela, pois nunca deixava de ser bonita como agora.

O horizonte recheado de mato e capim, umas árvores aqui e ali, os prédios na distância, o sol rachando da sua terra chamada Brasil, ele teve saudade de tudo isso.

Mas, mais importante, teve saudade de uma determinada mulher. Abriu a porta com uma pancada forte, era por volta das 7 da manhã e todo mundo devia estar de pé aquela altura.

No entanto, a única pessoa que encontrou de pé foi a empregada da casa, que fez uma breve reverência e abaixou seu cabelo cacheado em respeito.

— Bem-vindo de volta, Lucas — disse, em seguida recompondo a postura e se inclinando para sair do caminho. — A madame ainda está dormindo, peço perdão, pois ela imaginou que você voltaria mais cedo e estava brincando sobre ser duas semanas.

— Sério? Ela até pediu pra você chamá-la de madame… Hah, tenho certeza que a mãe ficou muito solitária nesse tempo que fiquei fora. — Ele coçou o cabelo e afrouxou o aperto na mochila em suas costas. — Pode ir acordá-la e chamar para um café? Eu acho que seria uma boa forma de aproveitar agora que voltei.

Um sorriso brilhante surgiu no rosto da empregada. Ela saiu com um breve aceno de cabeça e subiu as escadarias, enquanto Lucas desfez parte de sua mochila dentro de seu quarto.

Num movimento rápido, abriu o guarda-roupa e procurou o traje mais adequado para aquela manhã. Teria um longo dia pela frente, mas passá-lo junto com sua mãe seria o ideal.

Inclusive, ele não usou nem um terço do que tinha disponível no seu vestuário, preferia algo mais casual ou seu velho moletom para sair por aí, e já que era o caso, escolheu uma coisinha especial no meio.

Ele também deixou os óculos de lado, optando por lentes. Isso se tornou uma terrível escolha, pois agora seus olhos estavam muito vermelhos e irritados por ter cutucado tanto o olho na tentativa de colocar as lentes apropriadamente.

Olhou-se no espelho, seu estilo era invejável e ele se sentia o homem mais bonito do mundo, mas precisava ainda dar um jeito no cabelo.

“Nah, bagunçado e selvagem combina comigo.”

Um sorriso cheio de dentes afiados e brancos apareceu no reflexo, envergonhando até mesmo o vidro que refletia a imagem.

Após sair de seu templo pessoal, suas orelhas se antenaram em direção a cozinha. Sempre haveria uma determinada pessoa reclamando cedo da manhã.

— Por que veio me acordar? Eu estava dormindo! Não tem nada pra fazer aqui dentro, eu só quero dormir!

— Madame, por favor, se acalme, lhe acordei por um motivo importante…

— O que agora?!? Algum louco daquela seita esquisita veio visitar a gente? Ou é o grupo de Viviane que tem se interessado em estreitar relações comigo? Só mandem eles embora, pelo amor de Deus!

— Isso aí, deveriam chutar a bunda de todos e nem deixarem se aproximar.

— Viu só? Ele concorda comigo! — A dona da casa apontou para Lucas atrás dela. — Se tem mais alguma coisa para avisar, só deixe para depois e…!

De repente, a mulher parou. Seu dedo continuou levantado por um momento, então virou bruscamente a cabeça para o garoto ao seu lado.

Ela piscou os olhos diversas vezes, então puxou os óculos, coçou as pálpebras, limpou as lentes com um pano limpo, colocou de novo e encarou a pessoa.

Seu semblante se contorceu numa repentina carranca de susto, um punho voou na direção do nariz de Lucas e entortou seu rosto todinho.

— Ma-madame!!! — gritou a empregada, agarrando o braço descontrolado da mulher, que insistia em bater nele. — É o seu filho Lucas, madame, se acalme!

— Meu filho?!? Meu filho nunca seria tão magrelo assim, nem ficaria um minuto longe dos óculos, ou usaria uma roupa bonita, ou jogaria um perfume da Boticário no pescoço!

— Mãe! — Lucas passou a mão no nariz vermelho, sem saber se ficava constrangido, irritado ou confuso com aquele ataque. — Ainda sou eu, só perdi peso! Não me mata!

A dona da casa parou de realizar qualquer esforço, fechando a cara enquanto analisava aquela face desprovida de gordura.

Ela analisou mais uma vez aquele rostinho, então se soltou dos braços da empregada e se aproximou para apertar as bochechinhas dele, tendo que ver até o fundo daqueles olhos sem lentes de garrafão.

— Filho… — Os lábios dela se torceram para baixo num riso tristonho. — Você é o menino mais irresponsável, mais sem coração, mais… frio… Huuu… se-seu…

Seus punhos cerraram, lágrimas escorreram em direção ao queixo, e ela não conseguiu fazer mais nada além de chorar na frente dele

Lucas já imaginava que isso aconteceria, permanecer tanto tempo isolado do filho mais velho causaria esse tipo de efeito na sua mãe, mas ele não conseguia se segurar também…

Como uma pessoa de coração fraco, ele também chorou, mas com um sorriso bem brilhante no rosto, abraçando sua mãe com toda a felicidade do mundo.

— Eu voltei, mãe, eu tô aqui do seu lado.

Essas palavras fizeram a mulher apertar ainda mais forte seu precioso menino que enfim tinha retornado. Nada no mundo a deixaria tão feliz quanto aquele momento.

O retorno de um filho querido era o maior tesouro que uma mãe poderia desejar.

Levou um tempo para acalmar a madame, especialmente porque Lucas não colaborava ao chorar abraçado junto dela.

Foi dever da empregada arrumar um café da manhã doce com achocolatado e bolo fofo, uma forma de agradar o paladar doce de mãe e filho.

Uma escolha bastante efetiva, já que os dois realmente se acalmaram depois de um tempo comendo. Doce era uma coisa que gostavam bastante e tinha um efeito melhor do que cerveja em afogar mágoas.

Assim que teve certeza de que não teria a menor chance de rolar uma crise por parte dos dois, a empregada se afastou e os deixou a sós.

Lucas bebeu um pouco do achocolatado do caneco e levantou a cara para ver o rosto de sua mãe, que agora tinha um sorrisinho abobalhado.

— Matou a saudade, mãe?

— Matou nada, você sabe disso. — Ela deu uma risadinha e apanhou uma fatia de bolo. — Não é só me vendo que vai matar minha saudade, filho. Precisa de bem mais.

— Que bom, porque justamente hoje eu vou dar um passeio por aí e rever umas pessoas. A senhora não quer vir comigo?

— Ahhhh, então é por isso que você tá todo garanhão assim… — Arrumou o óculos, avaliando-o da cabeça aos pés. — Isso é porque vai ver a Viviane também? Você deixa as coisas muito óbvias assim, querido, precisa aprender umas lições com a mamãe. Preste atenção, as mulheres amam um homem bem arrumado e cheiroso, mas elas amam mais ainda um homem que…

— Não é por causa disso, mãe, é só porque eu perdi bastante peso e a maioria das roupas não cabem em mim. — Deu de ombros, soltando um suspiro só de escutar aqueles comentários. — Primeiro, eu não tenho interesse na Viviane, a gente só é amigo. Segundo, usei isso porque senti vontade, quis experimentar uma coisa nova.

— Tá, tá, entendi. Me dói um pouco você só ser amigo daquela menina tão boazinha… Ah, voltando ao assunto, as mulheres amam mais ainda um homem que cuida da casa por elas.

Lucas teve que dar uma risadinha. Qualquer pessoa gostava de alguém que arrumasse a casa inteira, não? Mas, pensando bem, ele não gostaria de arrumar uma coisa inteira sozinho.

A vida atual era muito melhor do que em qualquer outro momento, então deveria aproveitar enquanto era possível.

— Por sinal, filho, o que você e Amora fizeram nessas duas semanas? Aquele gato sapeca viveu desviando das minhas perguntas e não queria de jeito nenhum revelar.

“Duas semanas? É verdade, pra mim o tempo correu por um mês, mas aqui passaram só duas semanas… Espera, se era menos tempo, por que ela chorou tanto? Não é como se eu tivesse deixado de explicar ou coisa do tipo, e nem é tanto tempo assim.”

O rapaz nunca saberia, mas no meio tempo de solidão, sua mãe encheu bastante a cara por estar sozinha.

Bebida certamente fazia um efeito forte na família, e no caso dela, as emoções flutuarem para além do teto depois de uns dias em uma rotina cheia de bebida causava isso.

— Era um acampamento de treino — respondeu, tirando as preocupações de sua mãe. — Eu que tive a ideia e chamei ele. O objetivo era se isolar de tudo e só focar no treino.

— Pelo menos me chamava para a gente passar um tempo em família… mas tudo bem, eu entendo o porquê você fez isso. Xing me disse bastante coisa, inclusive que estava numa aposta com você, meu filho… mas eu ainda não me deixei de me preocupar!

— Ué, por que, mãe?

— Porque você tá indo pra problema de novo, garoto! Tu por acaso virou masoquista agora? Sempre chorava quando levava chinelada, agora começou a curtir a dor? Oh, acho que é por isso que não se interessou pela Viviane, ela não tem esse tipo de lado, né?

— Mãe, às vezes a senhora tem umas ideias meio nojentas… — Ele revirou os olhos, querendo esconder a cara nas profundezas do inferno para não escutar mais. — Só aceitei a aposta e quis participar, mãe. Não vou me ferir de verdade, posso te dar certeza. Esse mês inteiro de treino foi feito com um motivo claro.

— Dá pra ver, teve um efeito forte o bastante para você confundir duas semanas com um mês. Olha, eu me preocupo contigo, mas vou confiar só dessa vez, e se você sair ferido, vai se ver comigo, ouviu?!

— Sim, senhora. — Sorriu fracamente, pondo de lado o prato de fatias de bolo e girando um pouco o achocolatado na caneca. — O Levi tá bem? Aconteceu alguma coisa no tempo que fiquei fora?

— Não, se bem que seu irmão tem um amigo que eu vou te contar, viu… — Ela abaixou o rosto para esconder as bochechas coradas. — Hah, pena que meu coração ainda pertence ao seu pai. Nunca vou me esquecer daquele idiota cheio de músculos.

Idiota cheio de músculos. Essas palavras ressoaram na cabeça de Lucas, seu pai do outro mundo não se encaixava nessa descrição.

Era um velho barrigudo viciado em corote, que nem valia a cachaça que tomava e muito menos podia ser chamado de “pai”.

Por um momento, a raiva dele borbulhou com a lembrança, mas decidiu apagar a memória o mais rápido possível para não ter confusão nenhuma em seu cérebro.

Ele ainda se sentia estranho naquela situação. Sua mãe era praticamente idêntica ao que se lembrava, seu irmão também, tinha a impressão que viveu com eles a vida inteira.

Mas, quando parava um momento no quarto para refletir sobre sua família, vinha uma impressão de ter algo errado consigo mesmo.

Jogou a sensação pela janela. Essa era a pior hora para pensar nisso, o ideal era aproveitar o tempo que tinha com sua mãe.

Ela deveria ainda estar com muita saudade, talvez até tivesse com alguma loucura na cabeça por causa do excesso de saudade.

Lucas se levantou da cadeira, colocou-se ao lado dela e pôs as mãos em seus ombros.

— Vamos lá sair, mãe? Toma um banho, veste alguma coisa e veste uma roupa bonita, seria legal você me acompanhar.

Ela achou muito fofo esse tipo de comentário, só que deu um tapinha na palma do seu filho e se esquivou das mãos dele.

— Eu quem deveria dizer isso, moleque. Me espere aí, viu? Eu já volto.

Mulheres sempre comentavam isso, mas Lucas, como uma pessoa já acostumada com a sua velha, sabia que demoraria uma eternidade para saírem de casa



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