Fenrir Brasileira

Autor(a): Marcus Antônio S. S. Gomes

Revisão: Heaven e Bczeulli


Volume 2

Capítulo 17: Revelações

As negociações entre Hiekf e Aurus prosseguiram com sucesso, eu não sabia para que servia a tal recomendação, mas se Hiekf exigiu ela devia ser muito importante.

Agora a pouco eu terminei a famosa carne dos javalis deviantes, entendi naquele momento por que é uma iguaria rara, foi a melhor refeição que tive em minha vida.

Hiekf não gostou nada de ter que fazer o desmantelamento a noite, mas ele havia prometido então eu não o permitiria escapar dessa.

Nunca havia visto outras espécies de bestiais além do clã gnoll e do clã dos tigres, hoje no entanto presenciei muitos clãs, muitas dúvidas acerca da raça bestial veio em minha mente.

Curioso, eu perguntei a Hiekf:

— Eh? Senhor Hiekf…

— Ho! Me chamou de senhor? … vejo que pode ser educado quando quer, não é mesmo?

Eu fiquei bravo com a acusação de Hiekf e respondi áspero:

— Tsk! Esquece!

Hiekf sorriu para mim e expressou:

— Ferus, você é bem jovem para agir com tamanha truculência, eu só estou lhe mostrando seus erros para que aprenda com eles…

— Tsk! Agora virou meu educador?

Hiekf virou o rosto e exprimiu:

— (Suspiro)! Você nunca teve muitos amigos, não é?

— Urgh!

As palavras de Hiekf, perfuram meu coração como um punhal, realmente eu nunca fui muito sociável, em meu antigo mundo nunca tive amigos, meu irmão era o único amigo que possuía.

Hiekf me repreende:

— Ferus, sua atitude áspera afasta as pessoas de você, como ainda é jovem sugiro que mude seu temperamento, ele só vai te prejudicar… tenho certeza que não escutou isso apenas de mim, não é?

Acho que não consegui esconder minha tristeza naquele momento, meu irmão Natã sempre me aconselhava como Hiekf fez, lembrar dele agora me deixou para baixo.

Hiekf com um rosto amargo mudou o assunto:

— O que queria perguntar jovem?

Eu me lembrei da questão dos bestiais e perguntei a Hiekf:

— Hiekf, há uma coisa que me deixou intrigado em relação a raça bestial, eu percebi que temos muitas diferenças entre um clã e outro, isso é óbvio! Mas o que queria saber mesmo e por que alguns clãs são mais próximos da sua parte animal e outros são mais próximos a humanos, como eu e aquele tal Aurus?

Hiekf estava terminando de desmantelar algumas partes do javali deviante, ele parou por um momento e se sentou em uma pedra ali próxima a mim.

Hiekf pareceu pensar um pouco, provavelmente ele está elaborando uma explicação para mim.

Eu espero ansiosamente por suas palavras.

Hiekf que finalmente parece chegar a um consenso me explica:

— Ferus, você não sabe de nada sobre as lendas e origens de nosso povo, por isso vou explicar do começo, preste a atenção, pois minha explicação vai responder suas perguntas ok!

— Ok.

— A muitas eras atrás, uma tribo humana vivia em harmonia com a natureza, eles não viviam em grandes cidades ou metrópoles como hoje, mas apenas da benevolência da natureza. Com o tempo essa tribo humana começou a cultuar a deusa da natureza que se chama Ithina, essa deusa ficou muito satisfeita com esses humanos e concedeu a eles os poderes das criaturas da natureza, cada humano escolheu o animal no qual queria ter os poderes e assim nasceram os bestiais.

Ferus impressionado pergunta eufórico:

— Os bestiais foram humanos?

— Segundo as lendas sim, os bestiais são a raça mais “recente” desse mundo, por esse motivo nossa cultura não avançou tanto quanto as outras.

— In… Incrível!

— Agora a pergunta que você fez, a resposta é bem simples, alguns clãs interagiram muito com os humanos normais e outros não.

Eu fiz um rosto duvidoso e Hiekf respondeu mostrando um dedo:

— Estou dizendo que o sangue bestial de alguns clãs se perdeu devido a miscigenação continua.

— ENTENDO! Alguns clãs misturaram muito seu sangue com os dos humanos comuns, não é isso?

— Exatamente jovem! As tribos que preferiam permanecer isoladas da humanidade mantiveram seu “sangue puro”, há casos em que os clãs se misturaram com outras raças diferente dos humanos, esse raro caso é exemplificado com o clã dos coelhos que se miscigenaram com os elfos, o clã coelho tem uma longa vida e é apto para magias.

As vezes penso que Hiekf é um tipo de enciclopédia ou coisa parecida, ele sabe de muita coisa.

Hiekf continua sua explicação:

— Você pode pensar dessa forma jovem! Quanto mais semelhante a sua parte animal, mais “puro” é o bestial, isso criou o conceito de “mestiços”.

— Senhor Hiekf! Tenho outra pergunta.

— Fale!

— Se dois bestiais de clãs diferentes se casarem, seus filhos nascem híbridos?

— Não! Existe um fator que só os bestiais possuem nesse caso, chama-se “força do sangue”.

— Força do sangue?

— Sim! Mesmo que dois clãs diferentes tenham relações, o bestial que tiver o sangue mais forte vai ser aquele que cedera o gene progenitor, um exemplo: digamos que um bestial do clã dos leões se case com um bestial do clã dos cães, qual você acha que tem o sangue bestial mais forte?

— Bom! Pelo que me explicou até agora, seria os leões não é, eles se assemelham mais a sua parte animal, igual àquela bestial chamada Zizis, não é?

— Está correto! Por isso independente de quem seja o pai ou mãe, os filhos serão leões, pois entre os dois o sangue do clã leão é mais forte.

Eu cruzo meus braços e sinto mais uma dúvida martelando em minha cabeça, assim eu pergunto:

— Se é assim, que diabos é esse conceito de mestiço?

Hiekf sorrir e fala:

— Ótima pergunta Ferus! Escute! Eu disse que o sangue forte sempre ganha certo?

— Sim, foi o que você disse!

— Mas isso não quer dizer que a outra parte não vai ceder alguma característica de seu clã para seu filho. Os filhos nascidos com a mistura de dois clãs diferentes resultam em crianças com peculiaridades quase sempre aparentes, como por exemplo a cor dos olhos, ou a cor da pelagem, até fatores como o tamanho ou cor de pele podem ser influenciadas na miscigenação entre bestiais.

Eu coloquei a mão no queixo e murmurei:

— Entendo! Eu sou um lobo, isso é um fato! Mas como minha pelagem é negra isso prova que de alguma forma sou um mestiço, embora eu não seja.

— Está correto jovem Ferus!

Eu resolvo aproveitar e perguntar mais uma coisa que veio em minha mente:

— A relação entre os humanos e bestiais é boa pelo que me contou, não é?

Hiekf encarou o céu e respondeu com amargura:

— Está errado!

— O que? mas você disse que muitos clãs se misturaram com os humanos não foi?

— Sim eu disse, mas não disse que o relacionamento foi amistoso! Naquela época os humanos tinham um regime escravista, então os clãs que perderam sua “pureza sanguínea” são descendentes dos escravos que os humanos humilharam.

Uma sensação horrível passou pelo meu corpo nesse instante, não importa em que mundo esteja, a história da humanidade sempre será obscura, o ruim e saber que eu já fui um humano, então sei que esse tipo de conduta é a marca da humanidade.

Hiekf continua palestrando para mim:

— A seiscentos anos uma grande guerra atingiu esse mundo, todas as raças entraram em conflito umas com as outra, tudo por causa de um ser malicioso que controlou tudo nas sombras…

— Hã? A guerra entre as raças foi obra de alguém?

— Sim! Um dragão do mal que podia controlar as trevas e extinguir a luz, seu nome era Gaidus.

Eu fiquei inesperadamente interessado nessa história:
— Me conte mais sobre isso, por favor!

Hiekf ficou surpreso com minha curiosidade, ele coçou sua cabeça e falou para mim sobre o assunto:

— A seiscentos anos um ser do mal controlou o mundo nas sombras, com uma artimanha maligna ele substituiu todos os reis e regentes por seus lacaios sem que ninguém percebesse, foi uma época de caos e guerra, o mundo mergulhava cada vez mais no abismo, dizem que os dias de sol eram raros nesses tempos.

— por centenas de anos o ser das trevas chamado Gaidus reinou sem que ninguém soubesse, mas uma coisa inesperada aconteceu…

— O.. o que aconteceu?

Hiekf responde com entusiasmo:
— O herói da lenda apareceu nesse mundo e derrotou Gaidus.

Minha curiosidade alavancou ainda mais com isso, antes de perguntar qualquer coisa a mais, Hiekf me parou e disse:

— Espere um pouco jovem!

Ele se levantou e foi até sua velha bolsa que sempre o acompanhava, de lá ele retira um velho livro, ele se aproximou de mim e me deu ele.

O título do livro era “O Fogo Fátuo”.

Eu olhei para Hiekf e ele me disse:

— Todo o resto da história está ai! Leia e tire suas conclusões você mesmo.

Naquela noite eu li todo o livro sem parar, ele era um conto infantil baseado na lenda do Herói, chamado Reylik, ele junto a seus cinco companheiros, derrotam os falsos regentes e revelaram a face de Gaidus ao mundo.

Foi uma estória cheia de aventuras e contos exagerados, mas mesmo assim me senti emocionado com a aventura descrita ali, esse com certeza se tornou meu livro favorito.

 


 

Há algumas horas:

Um homem de vestes negras que cobrem cada parte de seu corpo, assistiu longe dali o monstro que foi sua obra ser derrotado por um bestial que não tem nenhuma informação.

O homem de preto aperta seu cajado negro com força, mostrando sua fúria com os acontecimentos.

— Quem diabos é esse bestial? Minhas informações foram precisas, ninguém além de Alba Lepus poderia com a aberração de espinhos…

O homem de preto bateu seu cajado no chão enfurecido.

— Maldito seja! Quem é esse lobo? Essa energia azul índigo, uma coisa atípica assim…

Um feixe de luz aparece perto do homem de preto e dele emergiu outra figura estranha, que também usou trajes que cobriram todo seu corpo.

A nova figura mostra um sorriso ao homem de preto e fala com desdém:

— Mestre Talles, eu vim buscá-lo como o combinado, pelo humor eu acho que falhou miseravelmente não é?

— Tsk! Dobre sua língua pirralho! Não fale comigo como se fossemos colegas de longa data, você é um reles lacaio, lembre-se de seu lugar!

O recém chegado levanta os braços e responde!

— Foi mal! E então? Vamos indo ou não?

Talles viu que era inútil murmurar sobre a falha e decidiu partir.

— Hunf! vamos embora! Eu não sou tão mesquinho a ponto de não admitir uma derrota, mas esse foi apenas um pequeno experimento…

Talles sorriu sinistramente.

— A próxima cobaia será algo bem mais… digamos complexo, Kukukukukuku!

Talles se aproxima do recém chegado e o mesmo feixe de luz que trouxe o novo estranho os levou dali.

Talles e seu lacaio reaparecem em uma catacumba escura, o acompanhante de Talles ergue seu braço e com um comando as tochas acendem revelando o local.

Muitas figuras sinistras estão entalhadas nas paredes da catacumba.

Os dois sobem um lance de escadas e Talles a frente abre uma parede secreta e adentra nela.

Finalmente os dois chegam em um suntuoso quarto que não combinava nada com o aspecto da catacumba assim como não combina com as vestes dos dois.

O quarto todo tem uma cor branca marfim, exala uma aparência que a palavra “pureza” seria a primeira a passar pela cabeça de quem visse o local.

Contudo aqueles dois pareciam “manchas” em contraste ao quarto em que entraram.

O homem de preto realizou um cântico e sua roupa negra se desfez dando lugar a vestes brancas límpidas o rosto de um homem de idade é revelado por de trás do manto negro.

Seu lacaio riu:

— Fufufufufufufu! Isso é mesmo surpreendente, não importa quantas vezes eu veja! Alguém tão sujo se passar por sacro… É hilário Ahahahahahaha!

O homem de idade ordena:

— Pare com isso idiota! Revele logo sua verdadeira face!

— Verdadeira face? Essa não seria a que estou agora?

O homem de idade arregala os olhos com o comentário, um sorriso se forma ali e ele responde:

— Fufufufufufu! De fato! Contudo essa “verdadeira” natureza não deve ser mostrada aqui, Cardeal Angellus!

O lacaio repete a mesma ação de seu mestre e muda suas roupas magicamente revelando um rapaz jovem de excelente aparência.

O jovem comenta:

— Aqueles que julgam pela aparência merecem perecer no âmago do inferno, pois são tolos que se apegam a uma falsa beleza.

— Você ainda é um jovem tolo, beleza é apenas uma questão estética que varia de acordo com as preferências de uns e de outros.

— Está certo mestre, porém esse mundo tolo estabeleceu um padrão para tudo, o que é belo é “assim”, o que é feio é “assim”, esses padrões idiotas cegam as pessoas desse mundo.

Angellus caminha até a sacada do quarto branco e lá de cima aprecia a linda estrutura da capital da teocracia de Isoltis, Solis.

Ele ri:

— Ahahahahahaha! Veja só lá embaixo! Um bando de tolos decadentes, presos em uma ilusão de perfeição e paz, instintivamente eles recusam-se a desconfiar de algo, tudo por causa de um deus usurpador criado por você mestre Talles… Não! Melhor dizer, vossa santidade, Papa Máximos Solares Oitavo.

Angellus deu um arco respeitoso como piada.

Mas o suposto Papa o ignorou indo também até a sacada.

— Hunf! esses tolos não são nada além de sacrifícios ao propósito de nosso mestre, assim como o lobo vestiu a pele do cordeiro eu fiz a escuridão se disfarçar de sol, ninguém jamais vai descobrir a verdadeira identidade de “Isoltis”, o nome de Alvora quase não é mais mencionado.

Talles olha para o horizonte e vê o sol se pondo ali, ele estendeu a mão como se quisesse alcançá-lo e depois a fechou forte, dando a impressão de que o sol foi esmagado por sua mão.

— Falta pouco! Logo a deusa do sol perdera sua divindade e a escuridão cairá na terra mais uma vez.

O sorriso distorcido toma a face do velho homem que riu sinistramente.

Angellus murmurou para si enquanto encara o pôr do sol:

— A forma mais cruel de se “matar” um deus… o esquecimento!



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