Fios do Destino Brasileira

Autor(a): PMB


Volume 1

Capítulo 9.2: Caminhos cruzados, destinos entrelaçados

A voz grave saiu do homem de barba púrpura parado à porta. As mãos dele tocaram os ombros de Togami, movimentando o rapaz para o lado antes de adentrar o cômodo.

Seus olhos esmeraldinos analisaram, individualmente, cada um dos presentes. Havia claro interesse no reflexo de suas íris, embora estas não se refletissem em seu tom formal.

— Creio que já me conhecem, mas ainda assim irei me apresentar. Sou Shihan Mizuchiko, rei de Yggdrasil, é um prazer conhecê-los.

— E eu, Shuyu Mizuchiko, príncipe de Yggdrasil. É um prazer também — cumprimentou-os o garoto de aparência tão similar ao do rei. Nem mesmo era necessário atestar verbalmente a ascendência.

O monarca sentou-se na poltrona próxima à cama, aliviando a tensão em seus ombros ao sentir o encosto frio do estofado. As intensas discussões, pensou Togami, deveriam tê-lo cansado — mal conseguia manter a compostura.

Seu filho, por outro lado, caminhou na direção dos presentes, apertando as mãos deles em ordem. Quando encostou nas mãos de Heishi, sua mente embranqueceu por completo, voltando a si antes que pudesse cair de vez. Seu olho esquerdo latejava.

— Está bem, Alteza? — Haruhi, preocupada, ofereceu o braço como apoio, ao que o nobre negou com a cabeça.

— Estou sim. Uma dor de cabeça pelo estresse, fique tranquila, senhorita Seishin — justificou o príncipe, ficando ao lado do pai. — Passamos as últimas três horas discutindo com os Ketsukai para essa questão ser resolvida sem violência. O apoio dos Chiwa e da Líder Suprema definitivamente nos salvou.

— Apresentações feitas, partamos então para os assuntos em pauta — comandou o rei, com polidez. — Primeiramente, como está o senhor Fuyu, garota?

— Meu pai lhe envia suas mais sinceras desculpas pela ausência nos últimos dias, Vossa Majestade. A doença realmente o acometeu com força. 

— Imagino. E suas despesas regulares? Estão bem cobertas? 

— Sim. O senhor Houseki é certamente um ótimo patrono, sou muito grata pela ajuda de ambos, Majestade — Haruhi realizou mais uma reverência. — Espero passar no exame prático de janeiro, assim aliviarei as contas de casa.

Heishi e Tatsuyu não entenderam a relação entre o rei, sua melhor amiga e o Guardião de alto nível que por vezes rondava a capital de Yggdrasil. Podiam até ser grandes amigos, mas nunca tiveram desejo de perguntar sobre a família próxima de Haruhi.

Sabiam, claro, que a garota perdeu a mãe no parto, além de ser nascida no reino de Genten, no continente de Cielunia. O que fosse mais profundo que isso nunca verdadeiramente não importou para eles até aquele momento.

— Não há com o que se incomodar. É um castigo para sua família lidar com a marca em suas costas. — O rei apontou para o ombro esquerdo da garota, soltando um suspiro. — Sinto muito por estas serem as regras.

— Desculpe a intromissão, Vossa Majestade — adiantou-se Togami, com a mão levantada — mas para que serve essa marca?

— Uma forma de vigiar e mostrar a todos que sua presença deve ser temida, criança — apregoou Shihan. — A senhorita Seishin foi marcada há muito tempo atrás por carregar uma das Maldições.

— Diferentes das Bênçãos, que almejam apenas nos auxiliar a achar a paz, as Maldições são como pragas que parasitam as almas dos mais fracos. — A voz de Shuyu tomou o ambiente. — As Neutras são incógnitas, mas se demonstraram inofensivas até então. 

Togami anotou mentalmente as explicações dos demais, bem mais interessado no assunto. Metatron nunca havia lhe explicado com tamanha riqueza de detalhes sobre estas relações — sequer conversaram por mais que trinta minutos em 5 anos que o garoto era seu Guardião.

Dar-se conta desta péssima relação fez Togami perceber que ainda havia um longo caminho a percorrer para poder ter a chance de extrair cem por cento do seu potencial.

— Simplificando, essa marca indica que devo ser morta sem hesitação em caso de ameaça — frisou Haruhi, estremecendo de leve ao terminar suas palavras. — Maldições estão por trás de muitas tragédias. Confio na minha como confiaria em pouquíssimas pessoas, mas ainda entendo a necessidade.

— Estão corretos. Um dos trabalhos da Longinus é encontrar essas Maldições e trazê-las ao Conselho. Senhorita Haruhi, pode se aproximar?

A loira obedeceu calada a ordem do monarca. A intenção dele foi entendida pela garota, que puxou sua camiseta para cima — os quatro garotos desviaram o olhar por reflexo.

— Podem olhar, seus idiotas! Vocês são burros? — berrou ela, corada entre raiva e vergonha. — Não gosto de ficar mostrando isso.

Ainda receosos, permitiram-se olhar. Tatuada na lateral direita das costas de Haruhi, havia a imagem de uma cobra com as presas expostas, circundada pela cabeça de lança da Longinus, mas invertida. 

— Independente do julgamento final, a marca deve ser aplicada como forma de observação. Isso faz com que todos sofram preconceito, mesmo os menos merecedores.

Shihan agradeceu à menina antes de se levantar. Como um bom diplomata, cumpriria o seu dever, delegado a ele diretamente pela sua única superior.

— Tem certeza disto, senhorita Haruki?

Shihan e Shuyu foram convidados a permanecer após o fim da discussão entre os reis. Com os ânimos acalmados, o rei demonstrava agora grande interesse numa resolução pacífica.

— Absoluta, Shihan. E, para piorar, as datas coincidem — suspirou Taeka, esfregando a testa. Estava exausta. — Ele é mesmo o Guardião de Metatron. 

— Não seria melhor mantê-lo sob sua observação direta? Pela aparência, tenho quase certeza que é um harena…

— Você também vai proferir preconceitos ridículos, Shihan?

A aura dourada da mulher envolveu pai e filho. O comentário amargo de um rei que ela considerava sábio foi a gota d’água.

— Eles acabaram de sair de uma guerra civil. Estão há décadas, senão séculos, com problemas de maus governantes, muitas vezes apoiados por sua linhagem, Shihan. — O homem sentiu-se sufocado pela quantidade de mana que sobrecarregava seus sentidos. — Então, por favor, me poupe de sua visão pessoal tosca e mantenha-se objetivo.

— Mestra Haruki, perdoe minha insolência — interrompeu Shuyu, colocando a mão no ombro do pai — mas entendo o ponto de vista de meu pai.

— Como assim?

— É fato que a imigração de Harenaris aumentou nossos índices de criminalidade. Do ponto de vista do meu povo, eles são mesmo um problema.

Taeka estava pronta para perder a compostura quando o príncipe voltou a falar, com um sorriso no rosto.

— Porém, concordo com a mestra. Não podemos ser irracionais. Cada caso é um caso — completou o rapaz, convicto — então, em nome de Yggdrasil, peço perdão.

Shihan não protestou, embora não estivesse de acordo por completo com o que foi dito por seu filho. Por outro lado, seu eu paternal sentia orgulho de ver Shuyu tomar as rédeas.

Talvez, só talvez, seu filho não fosse mais um garotinho chorão e sonhador. Constatar isso o fez sorrir.

— Vejo que Yggdrasil terá um bom futuro em suas mãos, Shuyu Mizuchiko. — Taeka acendeu um cigarro. — Por ora, conto com você, Shihan, para resolver nossos problemas.

“Aquela Yumeko sacana… Mandou a filha antes mesmo de eu ter chance de conversar com o garoto”, amaldiçoou Shihan dentro de sua cabeça. Seus olhos encontraram com os de Togami e Tatsuyu, cuja ansiedade não mais podia ser contida.

— Vamos voltar ao assunto. Inicialmente, me coloquei a favor da punição de vocês. Fosse por raiva ou meramente punitivismo, quis que pagassem com prisão ou com suas vidas.

Auras foram sentidas por toda a sala. O trio de Yggdrasil não recebeu bem o comunicado — em uma conversa silenciosa e quase que telepática, preparavam-se para fugir. O príncipe, com sua sensibilidade refinada, colocou-se entre eles e Shihan, em um gesto de proteção.

— Peço que se acalmem e escutem Sua Majestade, meu pai — suplicou Shuyu. — Pelo menos mais um pouco, por favor.

— Sei que estão receosos. Porém, os Chiwa e a senhora Ryoujin me fizeram enxergar com mais clareza — expôs Shihan, com firmeza. — Ainda assim, há algo que me incomoda.

Os olhos esmeraldinos do rei se cruzaram com os rubi de Tatsuyu, que sentiu sua alma ser julgada por alguns breves instantes. Seus amigos partilhavam de sua apreensão silenciosa e mortal.

— Tenho uma proposta a você, Tatsuyu Fukushu. Viva neste castelo para que possa ser treinado e vigiado adequadamente. Pelo menos, até passar para a Academia de Palas.

No primeiro momento, o moreno não compreendeu muito bem, tamanha era a improbabilidade disto acontecer. Esperava muita coisa: prisão, morte, exílio… Não um convite formal para a nobreza de Yggdrasil.

A confusão em seu rosto era tão clara que Heishi tomou a frente, dando algum tempo para ele se recuperar do choque. Ajoelhado diante da família real, se pôs em “defesa” do amigo.

— Com licença, Vossa Majestade… Como assim? Ele vai ser privilegiado mesmo após esse incidente? — Ambos, príncipe e rei, concordaram com a cabeça. — Isto não seria um incentivo às recentes revoltas?

— Pensando por esse lado, poderia sim ter razão. Mas, pelo olhar humano, a compaixão é mais educadora do que a crueldade, não? — divagou Shuyu, cujo rosto era preenchido por um sorriso simpático.

Heishi absorveu aquelas palavras e compreendeu o pensamento do príncipe. Com um aceno de cabeça, agradeceu em silêncio pela esperteza e boa vontade do herdeiro.

— Ainda assim, não ordenarei nada. Caso deseje apenas continuar sua vida, pedirei apenas que realize um pedido público de desculpas pela insubordinação — afirmou Shihan. — Porém, se for do teu desejo, o farei passar louvavelmente no exame prático da Longinus, em janeiro. O que me diz, garoto?

 Ainda era muita informação para Tatsuyu digerir, principalmente logo depois de acordar. Em poucas horas, sua vida havia se tornado uma completa bagunça, da qual ele não tinha o mínimo controle. Em seu interior, a ansiedade e o medo cresceram.

— É a chance que você sempre quis, garoto — falou Hefesto no fundo de sua mente, interrompendo seu desespero. — Não quer descobrir quem te assombra há tanto tempo?

— Tatsu.

Desta vez, foi voz suave de Haruhi que o tirou de sua imersão interna. Estava tão anestesiado pela sequência de eventos que nem percebeu que ela havia se aproximado do leito. As mãos dela, cálidas e levemente calejadas, seguraram o rosto dele.

— Eu sei o quanto aquela coisa te afeta — comentou afetuosamente, apertando ainda mais as bochechas dele — mas tem um jeito de você se livrar dela. E essa talvez seja a única opção de verdade para você poder ser feliz.

— Eu concordo com a nossa loira. Você só pode ser feliz quando por um fim nessa história. — Heishi se aproximou também, com a empolgação de uma criança.

Mais do que ninguém, embora não fosse tão claro, Tatsuyu Fukushu era quem mais queria mudar. Estava cansado da dor intermitente, da falta de confiança, da sensação de injustiça — tudo aquilo lhe assombrou por tempo demais. 

Aquilo não mudaria do dia para noite. Ele era fraco, sabia disso. Entretanto, se não tinha aquela força agora para mudar sozinho, se apoiaria nas pessoas ao seu redor até poder caminhar com as próprias pernas.

Com o olhar mais determinado que seus amigos de infância já o viram ter, o rapaz se impôs.

— Eu sei que é egoísta, mas… — pausou, procurando as palavras corretas. — gostaria de um mestre para a Haruhi e para o Heishi também. Se for possível, claro.

— O quê?

O berro uníssono de espanto preencheu o ambiente. Por um segundo, a dupla achou que se tratava de uma piada de mau gosto. Seu amigo, contudo, fez questão de mostrar que não.

—  Preciso deles comigo para dar o meu melhor. E considerando o tempo que eles têm como Guardiões, com certeza têm mais potencial que eu.

— Desde que aceitem estar sob as mesmas condições que o senhor, não vejo problema — replicou Shihan, afrouxando seu olhar. — Temos um acordo, meus jovens?

— Com certeza!

Com a sensação de dever cumprido, o rei direcionou-se à saída. Shuyu seguiu-o como uma sombra, acenando em despedida para os outros adolescentes e murmurando um “até breve”.

Antes do homem efetivamente desaparecer pelos corredores, se virou para o trio de moradores da capital. Agora, sua expressão era carinhosa para seus novos alunos.

— Aguardarei-os pessoalmente no portão do palácio daqui uma semana — informou o rei. — Alguns servos irão até suas respectivas casas para buscar seus  pertences. 

— Obrigado, Majestade.

— Para vocês, “Mestre”. Não são mais meros plebeus, são meus discípulos.

— Certo, mestre! — corrigiram eles, com uma suave reverência.

 Quase não perceberam a figura baixa de Togami, até então em silêncio total, seguindo pai e filho, prestes a desaparecer sem aviso.

— Ei, Togami! Eu ainda quero falar com vo…

— Eu sei o que quer, Tatsuyu — interrompeu o garoto de cabelos degradê — e agora não é a hora de falarmos disso. Por favor, espere até todos nós passarmos no exame prático.

Sem mais espaço para palavras, Togami sumiu de vista, deixando novamente Tatsuyu à deriva de suas perguntas. Pelo tom que o rapaz utilizou, tinham o mesmo destino — ainda assim, precisaria aguardar mais dois meses para compreender o que o fez sujar as mãos naquele dia.

Que segredos estavam ocultos além daqueles olhos melancólicos? Do que estava atrás?

Quem era, verdadeiramente, Togami?

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