Guerreiro das Almas Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 19: Luta no deserto

A areia estava aos poucos começando a engolir os blocos de pedra que marcavam a estrada que seguia para as Terras Taciturnas. Depois disso, somente uma pessoa com um bom senso de direção poderia chegar lá. Não era algo preocupante para o grupo liderado por Lucien, já que o comerciante que eles acompanhavam já havia feito a viagem antes.

— Por que a gente teve que vir junto com esse cara? — perguntou Oliver, tentando se distrair do calor intenso.

— É para termos certeza que os cidadãos das Terras Taciturnas estão bem. — Lucien olhava para um mapa que ele havia trazido consigo. — Não é uma viagem tão longa, mas é um lugar bem recluso. Gostam de viver entre eles e não costumam ir para Prospéria, então vamos lá dar uma olhada.

Leanor estava com o corpo curvado para baixo, apoiando-se nas pernas. Desde o início da viagem, ela permaneceu no pequeno degrau de apoio que mal tinha espaço para sentar-se direito. Suas mãos no rosto e respiração ofegante deixavam claro que o calor estava pior para ela.

Com muito cuidado, ela desenrolou uma parte da manta cobrindo sua cabeça para tentar aliviar-se. A carroça parou imediatamente e o tranco que quase a derrubou se não tivesse sido segurada por Oliver.

— Sem gracinhas aí — disse o comerciante. Ele tinha um pedaço de espelho preso ao pulso para observar o trio atrás dele. — Se um fio de cabelo cair dentro da minha carroça, vamos ficar dias presos no vilarejo enquanto vocês lavam essa madeira até ela brilhar.

— Não vai acontecer, senhor. Prometemos! — Lucien acenou para ele.

O homem só baixou o braço e gritou com os cavalos agitando as rédeas para que eles voltassem a andar. A carroça voltou a chacoalhar.

— Temos que respeitar a vontade deles. Sei que é chato. — Lucien estava com uma bolsa maior e mexia nela para pegar algo. — Toma, trouxe um cantil só para você.

Só para ela porque quer ser legal, ou…

— Eu estou me acostumando com a ideia aos poucos, ok?

— Parem, os dois! — gritou Leanor enquanto pegava o cantil da mão de Lucien. — É esse tipo de briga boba que impede a gente de fazer as coisas direito. Oliver, eu não preciso de você implicando com todo mundo, já entendi a sua opinião sobre isso.

— Ok... Não falo mais nada, então.

— Obrigada! — Leanor deu alguns goles no cantil e molhou as mãos para enxaguar o rosto. — Eu só quero chegar logo naquele lugar e descansar. Minha bunda já está doendo de ficar sentada nessa porcaria de pedal aqui.

— O nome... é degrau de apoio — disse Lucien timidamente.

— Tanto faz!

Oliver levantou-se para observar por cima da lateral da área de carga como era o ambiente do lado de fora depois de alguns quilômetros deserto adentro.

Como esperado, não havia muito para ver além de areia, pedras e raramente um pequeno lagarto correndo até sumir por conta da camuflagem. De vez em quando o horizonte estranhamente parecia estar em movimento, até que imagens de árvores surgiam. Às vezes, coisas fora do comum como pessoas dançando ou cachorros voando atrás das aves também eram vistas.

— O que tinha nessa água aí, Lucien? Eu não tô me sentindo muito bem. — Oliver coçou os olhos. — Parece que tem um monte de gente para lá andando em círculos.

— É só uma miragem. — O curandeiro foi até ele para observar também. — O calor está te afetando. Acontece à noite também. Toma mais água, daqui a pouco a gente deve chegar.

— Ali não é miragem — disse o comerciante apontando para frente. — Deve ser um andarilho. Loirinho, pega um copo nas minhas coisas aí atrás, é tradição oferecer água para eles, mesmo que já tenham.

— O nome é Lucien, senhor Antoine — resmungou enquanto ajudava o homem a servir a água no copo.

— Tem mais andarilhos para cá — gritou Leanor. — Estavam lá atrás das pedras. Acho que pararam para pegar sombra. Será que estão perdidos?

— É mais comum do que você pensa, vermelha. — Antoine parou a carroça. Daquela vez, fez gentilmente. — É melhor ficar escondida, se não eles vão recusar a água e eu vou ter má sorte por sua culpa.

— Esperem um pouco.

Oliver chamou Lucien e o trio desceu da carroça para observar o andarilho que se aproximava pela frente. Era um homem de pele clara com roupas brancas e azuis que andava descalço pelo deserto. Seus pés brilhavam por conta da areia acumulada até as canelas, no entanto, ele não parecia ser um nativo.

— É quem eu estou pensando? — perguntou Oliver.

— Não pode ser. — Os olhos do curandeiro arregalaram. — Essa é a roupa do festival da rosa de gelo.

Antes que o jovem mago pudesse avisar Antoine sobre o perigo, o comerciante já havia arremessado o copo com água no homem morto e agitou seus cavalos para correrem o mais rápido possível, deixando a equipe para trás.

Cada pessoa que se aproximava era uma das vítimas.

Desde o primeiro desaparecido na Baía de Cristais, passando pelos casos em Prospéria, a Floresta Frondosa e Vale do Céu. Dezenas de mortos lentamente se agrupando em volta dos jovens guerreiros.

— Colocados para vagar no deserto como andarilhos ou simplesmente serem confundidos com miragens — ressaltou Lucien. — Quem fez isso sabia exatamente onde escondê-los.

— Isso não importa agora. — Oliver recuou para perto de sua equipe. — Vamos ficar em formação.

— Meu arco estava na carroça. — Leanor desenrolava rapidamente a manta em sua cabeça — Estou desarmada.

— Então os ataques ficam por minha conta, vocês criam uma abertura. — O círculo de magia começava a brilha por cima da areia. — Vamos resolver isso de uma vez e ir atrás do necromante.

 

 

Passos lentos e arrastados ditavam o movimento de todos os mortos que cercavam o trio, mas nenhum dos três baixava sua guarda.

Olhos atentos em todas as direções, esperando que o inimigo fizesse o primeiro movimento. Para começar, o homem com trajes do festival atacou.

Ele correu na direção de Lucien. O curandeiro deu lugar para Oliver fazer o contra-ataque, segurando a pancada com um escudo mágico e rapidamente absorvendo aquela energia espiritual no ar para socar o homem para longe.

Ao cair no chão, o homem virou seu rosto já em início de decomposição para os jovens. A mandíbula dele havia se deslocado, ficando pendurada pela pele que estava a ponto de rasgar em um dos lados da boca.

— Você precisa se segurar um pouco. — Lucien direcionava labaredas para fundirem-se com as extremidades do círculo e reforçar a defesa. — Se tivermos chance de salvar alguém, temos que tentar.

— Não tem mais volta, eles já morreram — respondeu Oliver. — O laço de alma quebrou e o espírito só está preso ao corpo pela necromancia. Ou destruímos eles ou vão continuar atacando.

— Mais desse lado! — Leanor puxou Oliver para trocarem de lugar.

O fogo não representava ameaça para os mortos e o círculo de magia parecia simples incômodo, como andar em um lamaçal. Nada os segurava por muito tempo.

Mais um contra-ataque bem sucedido.

Antes que Oliver pudesse passar novas orientações para sua equipe, um falatório começou em sua cabeça.

"Onde eu vim parar?".

"Está doendo".

"Me matem! Por favor, eu não aguento".

"Mãe! Pai! Me ajudem a encontrar eles".

Berros desesperados vindo de todas as direções. Eram os mortos falando.

O desespero e ruína sentidos nas vozes faziam Oliver estremecer, mas não parecia abalar seus companheiros. Ambos mantinham-se em posição para se defenderem dos ataques, pois, apesar de tudo, nenhum inimigo parou de avançar.

— Oliver, cuidado!

Leanor o puxou novamente para evitar que um dos mortos armado com uma pequena navalha o cortasse. A jovem usou sua manta para envolver o pescoço do inimigo e prendê-lo enquanto chutava sua arma para longe. Em seguida, com um pouco mais de esforço, conseguiu dar um nó com a manta e puxar o pescoço já debilitado até arrebentar.

Tão pouco esse golpe mais agressivo conseguiu parar o corpo, que apenas levantou-se normalmente, enquanto a cabeça rosnava com um olhar perdido.

"Está me machucando! Pare, por favor! Isso dói".

Oliver olhava para a cabeça largada no chão, que de um rosto deformado, quase de puro crânio, foi surgindo a feição de uma bela jovem, chorando compulsivamente pelo ataque de Leanor.

— E-eles. — Levantou-se lentamente segurando a capa de Lucien. — Vocês estão vendo?

— O que houve?

— Dá para ouvir eles. Os rostos, as vozes, não perceberam?

— Ficou maluco, Oliver? — Leanor enrolava a manta nos punhos.

— Eles não param!

Eram sons cada vez mais nítidos, fazendo Oliver lembrar do primeiro ataque que enfrentou na muralha. Os gritos aterrorizantes do homem que pedia pela própria morte.

Não era um torturador. Era uma pessoa comum feita de escrava sem que ninguém pudesse saber.

Seus companheiros tentavam tirá-lo daquele estado de choque, pois o círculo estava começando a ceder.

Oliver avançou até os corpos, com diversos ataques brutais na tentativa de fazer com que todos se calassem, sem muito sucesso.

Queria correr atrás da solução ideal sem dar muita atenção ao que acontecia ao seu redor, até que foi impedido de continuar por uma outra voz.

"Você está prendendo o que deveria libertar". A nova voz era calma e tão nítida quanto um burburinho ao pé do ouvido.

Por um breve instante, Oliver se encontrou na vastidão de seu inconsciente de novo. Nada havia nada além de uma única figura humana sem aparência, brilhando à sua frente.

— Essas pessoas precisam de desprendimento da matéria, não da destruição dela. Muito menos essa mutilação irracional que vocês estão fazendo. — A fisionomia não deixava claro, mas pela primeira vez Oliver ouviu somente um tom de voz. Era uma mulher. — Já avisamos que sua mente está se esvaziando.

Ela andava elegantemente, como se estivesse na ponta dos pés. Se aproximava do jovem mago de maneira imponente. O brilho emanado por aquela presença era caloroso e suave, com uma impraticável mistura de cores.

— O-o que eu preciso fazer?

— O que sempre fizemos. Os magos existem para servir ao tratamento da alma até que ela se desprenda do corpo e volte a ser espírito.

Ela levou sua mão à cabeça de Oliver, apoiando o polegar na testa do garoto.

— Você não combate o doente, tem que combater a doença. Termine logo isso aqui e vá para o vilarejo. Depois de tudo o que aconteceu, ficou bem claro que o necromante o espera por lá.

Em um piscar de olhos, Oliver voltou ao estado consciente e seus olhos rapidamente fecharam pelo clarão das chamas de Lucien.

Após respirar fundo, correu de volta até seus companheiros e fez um sinal de magia com as mãos.

— Finalmente! — disse Leanor, ofegante. — O que vamos fazer?

— Vou expandir o círculo o máximo que puder, não façam nada e deixem todos os mortos virem até nós.

— O quê?! — Ambos ficaram de frente para Oliver.

— Só façam o que eu pedi — respondeu confiante. — Vai dar certo.

O círculo se expandia lentamente. Apesar da demora, a força para segurar os ataques havia aumentado. Os mortos não conseguiam fazer nada além de caminhar na direção dos jovens.

Leanor e Lucien seguraram-se em Oliver, ambos quase se espremendo para fugir das mãos dos outros mortos que haviam cercado o grupo completamente.

A luz esmeralda das marcações aumentava. As inscrições pareciam mover-se com o poder que fluía ao redor.

O jovem mago encarava um dos mortos que estava exatamente de frente para ele. Era possível enxergar perfeitamente o rosto de um homem idoso pedindo socorro.

Sem mudar sua expressão ou fazer esforço algum, Oliver desfez o círculo. A proteção apagou-se por inteira de uma vez só. Junto desse súbito movimento, todos os mortos caíram na areia.

— O que houve? — perguntou Lucien.

— Consegui libertar todos eles do sofrimento. Agora, nós vamos combater a doença.

 

***

 

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