Guerreiro das Almas Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 24: A rainha se manifesta

Oliver olhou os corpos caídos a sua volta, incluindo o do próprio necromante. Através da dupla vista, percebeu que não havia mais almas ali. Aparentemente, todas haviam sido consumidas para os ataques de Marc. E logo os corpos seriam consumidos pelas chamas de Lucien.

"Você está bem?", a voz voltava a ecoar em sua mente. O garoto não disse nada, apenas acenou com a cabeça.

"Como dissemos, podemos ajudar. Isso depende de você e como está usando a sua espiritualidade. Melhore sempre e jamais tente fazer o que foi feito hoje sem preparo e sem que realmente seja necessário."

Depois do último conselho, a voz sumiu novamente.

O jovem mago viu uma mão levantada, tentando se desafogar na pilha de corpos. Ele foi correndo para ajudar. No entanto, era um dos mortos, o único que ainda não tinha sido apagado por completo acabou sendo o homem que Marc desprezou.

— Você — disse o homem. — Eu vi o que fez. Quantos magos ainda sobraram em Prospéria?

— Sabe sobre nós?

— Quem não saberia? Vocês são a maior força de proteção do continente.

A voz do homem falhava, mostrando que sua alma estava a poucos momentos de ser destruída. O garoto não sabia se contava a verdade, pois enxergava a admiração nas palavras do estranho. Só o que fez foi dar forças para que ele terminasse de dizer o que queria.

— Eu só quero saber se a Isabel está bem. Ela estava dando a luz e eu morri antes de me certificar que ela estaria segura.

Oliver olhou pasmo para o homem.

— I-Isabel R-Rivail? Filha do Albert.

— Isso, a filha mais nova. Vocês se conhecem?

— Q-quem é você?! — O jovem mago começava a soltar algumas lágrimas. — Eu sou Oliver Rivail. Você falou da minha mãe. Como se conhecem?!

A alma do homem olhava para o garoto fazendo esforço para focar em seu rosto.

— Oliver... Meu filho, você... Não dá para acreditar.

Ao ser chamado de filho, o garoto soluçava de tanto chorar. Ele segurou com força no que restava do braço do pai, desesperado.

— Não pode ser assim. — Oliver baixou a cabeça, sem conseguir encarar a alma ainda presa naquele corpo destruído. — Eu sempre achei que um dia fosse ouvir sua voz entre os espíritos. O vovô não tinha ideia do que aconteceu quando você sumiu. Ele só me disse que viu o nome Alphonse Cartier na lista de desaparecidos. Não é justo que tenha sido necromancia, que droga!

— Você está vivo, filho. É o que importa para mim. — Alphonse forçava um sorriso em seu rosto entristecido. — A Isabel foi valente e cuidadosa.

— Ela morreu para garantir que eu vivesse — disse, cabisbaixo. — Do contrário, seria impossível.

— Não... Mas... E a sua tia? O que houve com ela? Nós estávamos indo juntos até o centro de cura para salvar vocês.

— Vovô nunca mencionou a minha tia. Somos os únicos que sobraram.

— Ah, droga, eles nunca fizeram as pazes.

Após lamentar, Alphonse parou para se concentrar antes de continuar falando. A fraqueza aumentava conforme a alma dele começava a se quebrar.

— Oliver, preste bem atenção. Seu avô nunca soube onde a Lis morava, então você vai ter que encontrar. A casa dela fica no lado Noroeste de Prospéria. Está escondida no meio de umas plantações. Vá até lá e, se não encontrá-la, procure a família Clement, eles...

 A alma de Alphonse quebrou-se repentinamente, fazendo Oliver berrar de desespero. O garoto viu a luz da alma se concentrar no ar, como se estivesse sendo controlada. Em instantes, ela foi puxada até a palma da mão de outro corpo que havia levantado.

Marc estava de pé.

 

 

Oliver rapidamente recuou. Ao tentar preparar outro golpe com sua energia espiritual, seu corpo cambaleou de fraqueza. Ainda não estava completamente recuperado.

O necromante estava de olhos fechados. Depois de absorver a alma de Alphonse, apenas ficou parado. Até que começou a soltar pequenas frases. Era um sussurro muito fraco, mas que em instantes se transformou em uma imponente voz feminina que só ecoava na cabeça do jovem mago.

— Finalmente estou podendo falar com você.

Não era possível reconhecer quem estava falando, mas o tom mortífero que vinha da voz o fez lembrar-se dos olhos estranhos que apareceram em suas visões e na grande mulher que o observava em Prospéria.

— Vou ser breve. Nem mesmo eu consigo manter essa técnica de uma distância tão grande. — Os gestos que o corpo de Marc fazia eram sempre lentos e atrasados com relação à voz. — Alguns inconvenientes aconteceram e você ainda está vivo. Portanto, decidi que vamos nos encontrar em breve. Resta saber se é você que virá até aqui ou se será imprudente a ponto de desafiar a Rainha a fazer o primeiro movimento.

— Quem é você? Diz logo!

— Calma, querido. Nós dois somos iguais. Capaz de grandes feitos, mas limitados pelo péssimo trabalho da Natureza. Podemos reescrever essa história, mas isso é uma conversa que teremos em particular. Até lá, não quero te ver brincando com os experimentos do Marc.

— Ele era meu pai, sua desgraçada!

Sem ouvir qualquer resposta em retorno, Oliver só pôde ver o corpo de Marc correr direto até onde outros mortos estavam pegando fogo e se atirar no meio das chamas para ser consumido junto deles.

 

 

— Oliver, por favor!

Lucien apareceu na entrada do vilarejo das Terras Taciturnas. Ele arrastava Leanor para dentro enquanto tentava juntar forças para ficar de pé.

O jovem mago foi correndo para ajudá-lo. Ele pegou a garota vermelha no colo e ambos entraram no vilarejo.

— O que você fez ali? Foi inacreditável!

— Inacreditável define bem. Agora, concentra!

Todas as casas estavam fechadas e os distritos comerciais estavam vazios. Em algumas, era possível ver as luzes por entre as cortinas, mas tudo permanecia em silêncio.

Os garotos começaram a bater em todas as portas que encontrassem para que alguém os ajudasse a cuidar dos ferimentos da jovem arqueira. No entanto, eles eram completamente ignorados ou tinham o pedido recusado.

"Isso aí é uma vermelha", diziam. O medo - algumas vezes, simples nojo - impedia os civis de ajudar a equipe. Alguns chegaram a propor que os jovens largassem a garota vermelha para morrer em troca de que eles recebessem tratamento. Outros simplesmente diziam que o trio já estava condenado à morte por andar com ela.

— Eu acho que tem um centro de cura na outra saída daqui — disse Lucien. — Não vão recusar nossa entrada lá, só precisamos ir rápido!

Os músculos de Oliver chegavam a arder com todo o esforço para correr com Leanor em seus braços. Por mais que já estivesse parcialmente recuperado da batalha contra o necromante, ainda era difícil fazer aquela busca frenética por ajuda.

Chegando no centro de cura, também estava fechado. Diferente das casas, feitas de tijolos amarelos cobertos de areia, o local era composto de rochas esbranquiçadas como as do quartel da Guarda. Também contava com portas e janelas de madeira reforçada. Uma construção um pouco maior e mais elaborada, mas que mantinha o estilo de arquitetura padrão do local.

Não parecia ter muitos quartos para atendimento e, naquela noite, estava com um aspecto de casa abandonada. Porém, Oliver não tinha mais paciência para chamar alguém. Ele juntou uma parcela de energia espiritual na base do pé direito e chutou a porta para dentro do centro de cura. Algumas mesas foram destruídas, mas, de fato, não havia ninguém.

— Nós vamos fazer isso sozinhos, ouviram?! — gritou olhando para as casas vizinhas que ainda estavam com as luzes acesas.

Todo o alvoroço dos jovens fez com que alguns civis saíssem de dentro de suas residências, mas eles só reclamavam de longe com os garotos, não se atreviam a chegar perto.

Oliver colocou Leanor em uma das macas e pegou um pano limpo com água para fazer a compressa. Todas orientações eram de Lucien, que estava apavorado.

— Isso não vai dar certo, não vai. — O jovem curandeiro andava em círculos a passos rápidos. — O veneno já foi espalhado, mesmo que pouca coisa. Acabou!

— Calma, Lucien! — Oliver estava de joelhos atrás da maca, segurando a cabeça de Leanor e tentando sentir a temperatura. — Cadê aquela porcaria daquele caderno?

— O livro da Lorde Aquion? Eu sou um curandeiro DE FOGO, tá lembrado?! Aquelas anotações só servem para eu saber fazer o diagnóstico do veneno.

— Tá, mas deve ter alguma coisa escrita ali que possa te ajudar a tirar.

O corpo da garota vermelha começou a estremecer e a temperatura dela baixava rapidamente.

— Lucien, a gente tá sem tempo!

— Espera, e-eu... Eu preciso me concentrar.

— Por favor, Leanor, fica com a gente — Oliver tentava tranquilizar a garota, que não conseguia falar nada. — O cordão fluídico ainda não rompeu. A sua alma e o seu corpo ainda estão ligados, você vai viver.

Lucien continuava a andar em círculos e esfregava as mãos na cabeça para tentar tirar alguma ideia para salvar a companheira de equipe. Em seguida, ele parou e olhou para as palmas das mãos.

— Eu acho que...

— Acha que o quê? Fala!

— E-eu acho que dá para usar minhas chamas para queimar as moléculas do veneno.

— O quê?

— É um processo muito delicado. Muito mais difícil do que usar a Natureza da água para puxar o veneno para fora. Eu meio que jogo faíscas bem pequenas para percorrer o sangue e queimarem o fluido do veneno. É, eu sei, difícil de entender, só que...

— Só que nada. Se você pode fazer, então faz logo!

Lucien pegou uma tesoura pequena e usou para abrir delicadamente a roupa de Leanor onde o corte com veneno tinha sido feito. Em seguida, acendeu a lamparina acima da maca e puxou o tecido da roupa para o lado.

Olhando o ferimento com mais clareza, ele aproximou a mão, mas Oliver notou que o garoto hesitava em começar o procedimento.

— Anda logo!

— Minha mão está tremendo! — gritou de volta com ainda mais raiva. — Eu consegui voltar meu ombro para o lugar, mas ainda dói e eu não consigo deixar a mão firme.

— Lucien, você tem que tentar.

— Mas se eu errar...

— Se nós não fizermos nada, ela morre do mesmo jeito. — Oliver olhava desesperado para o jovem curandeiro. — É a nossa única chance.

Lucien acenou timidamente com a cabeça e voltou a olhar o ferimento da garota. Posicionou sua mão direita na barriga dela e, com a esquerda, segurou no quadril da jovem.

— Queria dizer que não vai doer, Leanor, mas seria mentira. — Sua voz também estava trêmula. — Oliver, consegue segurar o corpo dela?

O jovem mago acenou e criou um pequeno círculo mágico no meio da maca. Era fraco demais, então ele abraçou a garota pelo pescoço com um braço e apoiou-se nos ombros dela com o outro.

Em um movimento rápido, Lucien correu com os dedos por toda a ferida, criando uma centelha de chamas que iluminou todo o local. A dor foi tamanha que a garota começou a berrar de desespero.

Oliver fazia de tudo para mantê-la no lugar, usando toda a força que tinha recuperado da batalha para segurá-la. Leanor não parava de se debater e gritar. Quando a centelha apagou e a queimadura cicatrizou a ferida, seu corpo ficou imóvel.

Os braços caíram para os lados e as pernas estavam fracas. Não havia reação. Seus olhos fecharam e a cabeça repousou de lado. Lucien rapidamente pegou a mão da jovem para checar o pulso. Oliver olhava apreensivo.

— Ela está viva — disse Lucien com o pouco fôlego que restava.

— Está viva!

Os dois garotos repetiam a frase sem parar, pulavam e se abraçavam, esbanjando alegria. O alívio quase os fez desmaiar após tantos momentos de tensão.

Aos poucos, uma pequena multidão se juntou na porta do centro de cura. Olhares curiosos brotavam timidamente de todo lugar para ver o trio. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Oliver precisou correr para segurar Lucien.

O curandeiro quase incendiou a entrada para que ninguém chegasse perto.

— Seus desgraçados! Hipócritas! — gritou enquanto lutava para escapar dos braços do jovem mago. — A gente estava lá se arriscando por vocês e é assim que agradecem?!

— Não fizeram mais que a obrigação — disse um dos civis.

— Sinto muito, mas ela ainda é uma vermelha — disse outro.

— Lucien, não é hora disso! — Oliver mal conseguia segurá-lo. — Eu tô sentindo mais raiva do que você, pode acreditar. Só que agora a gente tem que se cuidar. Já vencemos!

Depois de tentar se soltar mais algumas vezes, Lucien também se deu conta de como estava exausto e desistiu.

A dupla continuou dentro do centro de cura por um tempo. Após tratarem os próprios ferimentos enquanto eram observados pelos moradores do vilarejo, saíram para verificar se mais alguém precisava de cuidados.

Não havia feridos. No entanto, houveram algumas mortes. Quando levaram alguns moradores para reconhecerem os corpos na entrada do vilarejo, um deles chamou a atenção para algo acontecendo no horizonte.

— A muralha está queimando!

Os garotos se entreolharam, confusos.

— Olhem para o alto. — Uma moça apontou para uma grande flecha que se aproximava. — É um aviso da conselheira Deschamps.

Oliver usou a animação factícia para pegar o objeto no ar e trazer para perto de si. A flecha estava com um pedaço de papel enrolado na ponta.

Quando o jovem mago abriu, tinha apenas uma frase: "Bernard Archambault traiu o Conselho e Prospéria está sendo invadida. Permaneçam em casa e avisem os guerreiros para voltarem imediatamente".

— Não, impossível. — Lucien levou as mãos à cabeça. — Todo esse tempo, ele...

— Isso deve ser falso — respondeu Oliver jogando o papel nas brasas que ainda queimavam parte dos corpos.

— Mas é uma mensagem oficial. Só a Conselheira Deschamps atiraria uma flecha tão longe e com essa precisão. Significa que...

— Por que eu acreditaria nessa velha que nunca olhou na minha cara?! O Bernard... Ele pediu para não confiarmos em mais ninguém, lembra? Pode ser uma armação. Temos que voltar!

— Ei, moleques. — O comerciante que estava sendo escoltado por eles apareceu com os cavalos, arrumando a carroça. — Podem usar ela para voltar. Desse jeito vocês chegam mais rápido e vão conseguir carregar a amiga de vocês.

Sem muita conversa, a dupla carregou Leanor até a carga da carroça e Lucien assumiu as rédeas. Naquele momento, era crucial chegar o quanto antes.

— Sabe algum caminho mais rápido? — perguntou Oliver.

— Se entrarmos pela rota que vai até a Floresta Frondosa, é menos areia para segurar os cavalos. É a nossa melhor chance.

 

***

 

Acompanhe Guerreiro das Almas no Instagram!

Clique aqui



Comentários