Hant! Os Piores Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 26: Reserva venenosa

Modros, 403 D.M.

— Quando foi que meu pequeno sobrinho se tornou tão sem vergonha? Por que não usa seus próprios cavaleiros, que são obrigados a cumprir qualquer ordem que você desejar, ao invés de tentar convencer um velho a beira da aposentadoria como eu?

— Onde está seu ânimo de antes? Por acaso não sabe que dentre todos os cavaleiros e magos disponíveis nessa região, só você conseguiria lidar com isso? Prefere que eu chame de volta todo meu exército que finalmente conseguiu se infiltrar nas terras do oriente?

— Meu corpo está definhando, minhas mãos estão cada dia mais trêmulas e minha visão se tornou fraca. Quanto mais terei que fazer por você e por seu pai? Pretende usar magia proibida para me obrigar a trabalhar até mesmo depois de morto?

— Em todo país, não... Em todo mundo! Só você que se vê assim! Por que fala como um homem que está prestes a morrer? Por que abandonou o campo de batalha como se estivesse fraco? Suas técnicas se tornam mais refinadas quanto mais o tempo passa. Sua velhice é prova de sua força, não fraqueza. Eu que te pergunto, quando foi que começou a agir assim? Lembro com clareza como seu rosto resplandecia ao ver um!

— Confiante na fraqueza e medroso na força... É verdade que nunca consegui ver as coisas como são e isso me trouxe até onde estou, por que só me confrontam quando não sou mais conveniente a vocês? Se acham esse meu traço incômodo, que me falassem há anos atrás!

A feição do rei foi tomada pela tristeza. Se reclinando em seu trono, olhando para as pinturas dos antigos feitos de Modros e comparando o herói do passado com o homem miserável a sua frente, as palavras dele começaram a ressoar em sua mente, se tornando mais convincentes.

O rei agarrou um espelho e olhou para seu reflexo.

— Parece que estou exigindo demais de você, quando eu mesmo estou começando a ser vencido pela idade. O povo é quem deveria ter uma visão fantasiosa sobre o herói Modros e não eu. Me perdoe...

Modros sorriu.

— Parece que finalmente começou a tomar ju...

— Me perdoe, mas minha afirmação de antes ainda permanece verdade. Por favor, esse é o último favor que te peço. — E o rei se curvou. — Eu prometo!

— Eu vou ficar maluco.

— Que fique depois de lidar com essa catástrofe, farei questão de te deixar no asilo mais luxuoso do mundo!

— Seu pequeno... Ah, se não fosse crime insultar o rei... Tudo bem, irei lá e você será destronado em uma revolução depois de mandar o herói da humanidade para morte!

— Estou confiando em você.

Lucca Massaro Monti, 1340 D.M.

— Apesar de reclamar tanto, ele viveu muito mais, não é? Então a missão foi um sucesso?

— Sabe qual a idade que os estudiosos afirmam ter sido o início do auge do herói Modros? — perguntou Khajilamiv.

— Pelas frases nostálgicas do rei, por volta dos trinta ou quarenta?

— Setenta e cinco anos, quando ele finalizou sua técnica e conquistou mais reinos que em toda sua juventude.

Depois de passar pelo portão, os Grão-mestres começaram a agir de forma diferente. Ao invés de andarem na frente, garantindo que a viagem prosseguisse no ritmo mais rápido possível, metade ficou dentro do alcance da barreira e a outra metade apenas expulsava os monstros que atacavam primeiro, mas nunca matavam.

Devido a isso, a carruagem andava em um ritmo tediosamente lento, o que incentivou Khajilamiv a contar histórias relacionadas com esse lugar.

— Por que parece que eles estão com medo de atacar os monstros? — perguntei.

— Porque é crime — respondeu Selena.

— Toda região que está cercada pelos muros é considerada uma reserva ambiental, onde é proibido caçar — disse Khajilamiv.

— Para preservar alguma espécie em extinção? — perguntei.

— É mais pela segurança das pessoas — respondeu Khajilamiv. — Com certeza teria algum idiota que tentaria caçar aquele monstro...

Depois de andar por mais algumas horas, a noite chegou e junto dela algumas gotas começaram a cair do céu, logo se intensificando em uma tempestade.

Todos os grão-mestres que estavam fora da barreira se espremeram para dentro e a carruagem parou.

— Vamos dormir aqui mesmo até a chuva passar? — perguntei.

— Seria bom se pudéssemos — respondeu o Barão. — Mas para não superaquecer o cristal, a barreira tem que ser desativada toda noite.

— Para onde vamos então?

— Tem alguns pontos de parada no caminho. — E o Barão olhou debaixo do banco e tirou um atlas de lá. — O mais perto seria... Droga.

O Trakov bateu no vidro e o Barão saiu para conversar com ele.

— Vamos ter que passar pela grama, tudo bem usar aquele artefato?

— Use o que for necessário — respondeu o Barão, caminhando em direção a carroça dos médicos.

— O que trás o senhor aqui? — perguntou o herbalista. — Alguém foi ferido pela chuva ácida?

— Não vim solicitar seus serviços imediatos. Mas é bom que prepare todos os antídotos que tiver.

— Houve algum problema na barreira?

— Vamos ter que ir para aquele lugar.

— Não tem nenhum outro mais perto ou menos perigoso?

— A única casa que estaria tão perto da zona proibida é a dela.

O herbalista coçou sua cabeça e gritou para seus assistentes prepararem sua área de trabalho.

— Faremos tudo que estiver em nosso alcance.

Depois dessa conversa, o Barão caminhou para a carroça dos artefatos.

— Pegue a armadura de guerra.

— O que houve? Surgiu um inimigo tão forte assim? Fomos emboscados?

— Só pegue a armadura.

— Como desejar.

E assim o Barão foi passando de setor em setor, avisando e se equipando.

— Para que toda essa preparação? — perguntei.

— Não sei — respondeu Khajilamiv. — Da última vez não aconteceu nada assim.

Assim que o Prykavyk subiu na carruagem, desviamos da estrada e avançamos pela grama alta, que passava da altura da carruagem, nos deixando vulneráveis a ataques surpresa de todas as direções.

Mas graças ao artefato que o Trakov pediu antes, uma pedra luminosa que fazia todos os seres vivos próximos brilharem, conseguimos chegar sem problemas no ponto de parada, que ficava apenas a alguns quilômetros de distância.

— Se tinha algo tão útil assim, por que não usaram desde o começo? — perguntei.

— Durabilidade — respondeu o Barão. — Esse artefato quebra muito facilmente e para consertar demora muito tempo.

— Além do preço — disse Selena. — Cada manutenção custa o salário anual de um trabalhador que ganha bem. Mas é claro que isso não importa para eles.

Paramos em frente a uma cerca, que depois do Trakov anunciar que chegamos, se abriu sozinha.

Os cavalos e monstros foram deixados nos estábulos comuns, mas as carruagens foram levadas a uma área coberta, protegida por quatro artefatos de purificação.

Esse estacionamento fechado dava acesso a uma grande pousada, que me encaminhei assim que desci da carruagem.

— Podem tirar as máscaras, a maldição está mais fraca hoje! — gritou uma voz meio rouca, mas potente.

Quando a Selena ouviu isso, ela abriu o portão do lado oposto da pousada e saiu correndo na chuva.

— Vovó!?

— Sobe aqui baixinha!

Andei em direção ao portão, ainda na parte coberta, e vi de onde vinha essa voz: do topo de uma das grandes árvores, no meio de suas folhas, cheia de ninhos de pássaros e vinhas que mantinham tudo no lugar, havia uma casa feita de madeira, que parecia ter sido colada ali. E observando da janela dessa casa, uma mulher de longos cabelos brancos, com uma grande verruga na ponta do nariz, costas curvadas e tatuagens parecidas com as da Selena, usando um longo vestido preto e se apoiando em um bastão de metal com um formato de caracol em seu topo; acenava energeticamente.

— A gente não devia ter impedido ela de entrar na chuva? — perguntei para o Khajilamiv.

— Ela vai ficar bem.

Já tinha lido histórias de assassinos que tomavam veneno em todas as refeições para adquirirem imunidade, mas sempre pensei ser um exagero.

— Espera aí, será que...

Eu pulei para fora e fiquei parado na chuva

— Sistema?

[Nenhuma condição anormal detectada]

Como eu esperava, apesar da aparência mais assustadora, esse lugar era como a ilha. E eu já tinha comprovado a eficácia desse método. Os inúmeros dias de dor de barriga e hemorragias internas serviram para eu construir uma imunidade a venenos!

Caminhei animado em direção a casa na árvore, mas comecei a sentir uma coceira na minha pele. Essa coceira cresceu e se tornou uma queimação e o meu nariz começou a sangrar.

— O que esse idiota está fazendo?! — gritou Trakov, que correu para me buscar.

Fui colocado no chão, tive que tomar mais de dez antídotos, que bagunçaram a minha visão e passar por um procedimento que arrancaram parte da minha pele, sem anestesia, para tratar e costurar de volta.

Acabei apagando por alguns minutos pela dor, mas quando recobrei minha consciência, vi a cara do Khajilamiv cobrir todo meu campo de visão.

— Ficou com inveja é?

Me levantei pelo susto e nossas cabeças se chocaram.

— Não precisa descontar em mim! — disse Khajilamiv, cobrindo seu rosto com suas mãos.

— Desculpa, foi sem querer...

— Estou brincando, nem doeu. — E ele separou seus dedos, revelando um sorriso. — Mas por que você se jogou na chuva?

— Quando cheguei nesse mundo, antes de ser mandado para sua casa, eu fui enviado para um lugar onde eu só podia comer plantas e animais selvagens. Como tudo nessa terra é venenoso, eu acabei desenvolvendo uma resistência, que aparentemente ainda não é boa o suficiente para lidar com a chuva.

— Será que você tem alguma habilidade secreta de defesa?

— Por quê?

— Qualquer pessoa normal que come uma planta sem passar pelo processo de desintoxicação morre.

— Sério mesmo?

— Tem algumas poucas exceções, mas igual você disse, consumindo mais de uma vez seguida, nunca foi registrado.

— Será que é uma propriedade da maldição? Assim como não afeta animais, a pessoa que fez isso pode ter deixado menos fatal para estrangeiros.

— Essa... É uma boa hipótese! Quando chegarmos em Fortuna vou procurar se houve casos como esse.

Com essa dúvida esclarecida, coloquei a minha mão no meu ombro para ver o tamanho do estrago que a cirurgia fez.

— Isso deixou uma bela cicatriz, né? — perguntei.

— O que?

— Quando eles arrancaram e costuraram a minha pele. Você até tentou me distrair disso antes, deve estar bem feio.

— ...? — O Khajilamiv correu para falar com os médicos, voltou e começou a analisar o meu ombro e minha face. — É, não tem nada. Parece que o efeito colateral de um dos remédios era alucinações...

— Os remédios não têm culpa alguma! — gritou Trakov, invadindo a sala. — Fiz isso para você aprender uma lição!

— Você arrancou minha pele para ensinar uma lição!?

— Você usou um artefato de ilusão só para isso? — perguntou Khajilamiv, ao mesmo tempo.

— Foi um dos magos que sabia um pouco da magia dos sonhos. Pedi para ele criar algum pesadelo assustador.

— Então foi só uma ilusão... Que bom. — Suspirei aliviado, me levantei e vi pela janela que a chuva tinha passado. — A Selena ainda está lá em cima?

— Vai ignorar o que ele acabou de admitir fácil assim!? — perguntou Khajilamiv, indignado por mim.

— Se ele tivesse me machucado de verdade, talvez reclamaria, mas como foi só uma ilusão, tudo bem.

— Então não teve efeito... Vou pedir um reembolso para aquele caloteiro! — E Trakov saiu indignado.

— Apesar de ter dito isso, você sabe o motivo dele ter feito algo assim? — perguntei.

— Deve ser uma mania que ele adquiriu no exército.

— Ele já foi do exército?

— Se lesionou e foi dispensado dois cargos antes de conseguir se tornar um general.

— Já devia ter suspeitado. A cara séria dele, a cicatriz no olho e aquelas medalhas que carrega no bolso...

— Ele carrega as medalhas dele no bolso? Como descobriu isso?

— Quando fui mandado para andar com os Grão-mestres e estava acampando, vi ele mostrar algumas para vencer um argumento.

— Então era mentira...

Dei um pequeno sorriso ao imaginar o que ele tinha dito para o Khajilamiv, então sai da pousada, pela porta principal que dava em um campo aberto, onde o Barão discutia algo com a velha da árvore.

— É perigoso demais, esse trajeto é proibido por um motivo — disse Prykavyk.

Ah, qualé! Vou guiar vocês pessoalmente. Se tomarem esse caminho vocês economizam dez dias! Não compensa tomar esse pequeno risco para um atalho desses?

— A vovó está certa! Vamos até poder ver o colosso de perto! — disse Selena.

Colosso... Então era esse o tesouro de Fortuna?

— Sempre que uma opção mais segura estiver disponível, eu vou optar por ela. Não são só nós três, eu sou responsável pela vida das dezenas de pessoas que estão conosco, como posso exigir para que eles arrisquem suas vidas para me proteger, quando brinco com o destino deles por um atalho?

— Está pensando demais nesse assunto!

Essa era uma cena engraçada de se assistir. Enquanto os dois debatiam intensamente, ambos mimavam a Selena, entregando biscoitos, limpando sua boca e mudando completamente para um tom tranquilo toda vez que ela dizia algo.

O mesmo aconteceu quando o Khajilamiv se enfiou na discussão, propondo um meio termo.

— Não podemos pegar o caminho que beira o lago do colosso? Economiza quase o mesmo tempo e o perigo é bem menor.

— Quer chá?

— Estou bem, oitava anciã.

— Deixa disso! Só precisa me chamar assim na frente dos outros, em eventos importantes. Aqui em casa é vovó Ampom!

— Perdão pela minha formalidade excessiva, vovó Ampom.

— De que adianta me chamar assim se age como...

— Não vê que meu filho está desconfortável? Quer que ele mude a atitude que foi ensinado desde os quatro anos instantaneamente?

E os dois continuaram se digladiando até ela perder a paciência e começar a xingar o Barão.

— Olha o que fala na frente das crianças!

Ela olhou para os dois com um sorriso caloroso, olhou para o Barão como se fosse matar ele, então mordeu a língua, bateu o cajado no chão e voltou para a casa dela.

— Me desculpe por essa cena desconfortável — disse, ainda de costas.

Eu esperei mais um pouco e quando o clima se acalmou, fui na direção da mesa deles para filar um bolo.

— Como que esse desentendimento simples escalou desse jeito? — perguntei para o Khajilamiv. — É um assunto tão sério assim?

— Para que você acha que meu pai se preparou tanto assim?

— Por causa do colosso?

Ele me olhou como se esperasse que eu reformulasse o palpite.

— A rixa deles é tão séria?

— Ela já tentou matar meu pai algumas vezes...

— Mas parou depois do nosso anúncio de noivado — disse Selena.

— E de uma advertência do líder da guilda, dizendo que iria expulsar ela para sempre se continuasse com isso... — acrescentou o Barão.

— Tem algum motivo ou ela só não vai com a cara dele?

— Minha mãe matou o discípulo favorito dela — disse Khajilamiv.

“Para ele falar com tanta leveza, deve ter sido em um sentido figurado...”

— Matou... Socialmente?

— Com lança no pescoço mesmo — disse Selena.

Acho que entendi o motivo do Barão não gostar de tocar nesse assunto. Não conseguia nem imaginar como continuar uma conversa dessas.

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