Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 17.1: Lobisomem

“Lobisomens”.

 De acordo com a mitologia são seres lendários que se modificam para uma espécie de forma licantropa durante noites de lua cheia, tendo que esperar até o amanhecer para voltar ao normal. Em algumas versões eles têm controle de seu espírito na forma modificada e em algumas versões não.

 Ambas as versões têm seu fundo de verdade, entretanto ambas têm certo grau de distorção em comparação com a realidade.

 A causa da existência desses seres entre nós é desconhecida. A teoria principal é que eles sejam uma raça híbrida, produto do cruzamento de um humano normal e alguma outra espécie. No consenso geral tal abominação deve ter ocorrido em algum momento na história e então esta raça continua se reproduzindo até os dias de hoje. Esta teoria tem o embasamento real de que quando lobisomens se casam com humanos e têm filhos, os filhos também apresentam certo grau de paranormalismo.

 O primeiro ponto onde divergem a lenda e os fatos é que não necessariamente lobisomens se parecem com lobos durante a transformação. Esta crença provavelmente é proveniente de um episódio onde testemunharam uma transformação e só esta em particular era conforme o descrito. Entretanto nós, que trabalhamos na divisão de casos especiais, sabemos que um “lobisomem” pode se transformar em qualquer coisa durante o certo período do mês. Alguns tomam a forma de lobos, outros tomam a forma de outras criaturas conhecidas, outros tomam formas que nunca imaginamos, formas que de modo algum fazem jus ao “lobo” na palavra lobisomem. A forma tomada depende de cada um.

 Contudo esta forma diferente da humana assumida no período certo do mês é apenas a mesma para cada pessoa, isto é, para cada lobisomem. Um mesmo lobisomem não pode vir a se modificar em duas formas não humanas diferentes. E isso é especialmente bom para o departamento, pois podemos identificar lobisomens a partir de sua forma transformada além da original. Pode-se identificar a aparência de um lobisomem em seu estado transformado e pode-se identificar o mesmo em seu estado humano, assim como se identifica um ser humano normal.

 Infelizmente se não soubermos de antemão que dado ser humano é um lobisomem, dificilmente pode-se verificar que ele o é. Por dificilmente quero dizer impossível. O único meio é trancá-lo em uma sala por um mês e esperar para ver se ele transforma ou não, o que não é um meio viável. A condição não é detectada por exames de sangue, raio-x e nem nada do tipo. Enquanto não está transformado, um lobisomem é um ser humano fisicamente normal.

 O segundo ponto onde divergem a lenda e a realidade é que lobisomens se transformam na lua cheia. Acredito que este detalhe deve ter sido introduzido na lenda por mera coincidência. Alguém testemunhou uma transformação durante uma noite de lua cheia e deve ter associado os fatos para que sua lenda ficasse mais “poética...” Basicamente deve ter sido isso.

 A verdade é que a época também varia de pessoa para pessoa, ou melhor: de lobisomem para lobisomem. Eles transformam necessariamente uma vez a cada mês mais ou menos, mas cada um tem seu tempo para transformar. Se todos transformassem na mesma época seria um Deus-nos-acuda.

 Então este detalhe é parecido com a tpm da mulher: ocorre vez por mês e cada uma tem a sua no seu tempo.

 Nem preciso dizer que durante sua forma transformada um lobisomem é intensamente mais forte fisicamente do que o ser humano comum. Isso pode ser adivinhado não só por analogia com a lenda, mas porque esta é uma das dez raças em destaque pelo critério do DCAE, logo é de se imaginar que seja uma raça perigosa.

 Mas um fato que passa despercebido é que mesmo em sua forma humana, o lobisomem também é mais forte que o ser humano típico. Fisicamente mais forte e com instintos básicos mais aguçados, como velocidade, olfato, visão... E o ductu. Todas as características importantes encontradas nas outras dez raças podem também de alguma forma ser encontradas no lobisomem. Eles não possuem eretismo, mas possuem sim uma espécie de sano: a cada mês, durante a época da transformação, eles têm todas as feridas regeneradas antes e durante a mesma. Mais que isso, toda ferida causada a um lobisomem enquanto ele estiver transformado é basicamente logo regenerada, é uma característica que faz parte do processo da mutação.

 Enfim... Eles têm uma espécie de sano mensal e sua força é quase sempre superior à de humanos comuns, chegando a seu pico mais próximo do período da transformação. Então um lobisomem em sua forma humana normal é comparável a um ser humano alterado.

 Para vencer um lobisomem basta feri-lo mortalmente, mas como eu disse: lógico que a melhor época para fazer isso é longe do período de sua transformação. Assim como perto da época da transformação seu corpo tem mais sano e ele demora menos para se regenerar de ataques sofridos, quanto mais longe do período da transformação (isto é, quinze dias após uma delas e quinze dias antes da próxima) mais fácil é de vencer um lobisomem.

 Falando em lobisomens, após o expediente do sábado, havia um boato de que o lobisomem tinha atacado mais uma pessoa. Quem deu a notícia foi o Jabes, da divisão de drogas, isto é, do DEA. Ele estava na frente do prédio conversando com o Joey e quando eu cheguei ele estava indo embora, então não cheguei a ouvir diretamente dele.

 Mas não faz diferença, porque ele também não chegou a ouvir diretamente do Hank.

 E nem o Hank ouviu diretamente de ninguém confiável pelo visto, porque embora ele fosse da divisão de homicídios, o incidente não acabou em morte então isto estava fora da jurisdição dele.

 Enfim... O Joey estava me contando depois que o Jabes saiu:

 — Parece que ele invadiu a casa pela porta de trás, aí entrou, fez uma bagunça na cozinha e saiu. Na versão que ele ouviu ninguém foi ferido, e na versão que ele escutou da imprensa, a dona da casa foi atacada. Nas duas versões ele derrubou tudo da cozinha e quebrou a porta para entrar.

 — Espere... Versão da imprensa? Eles não vão publicar essa história de lobisomem, vão?

 — Não... Quer dizer... Sim e não. É um jornal de reputação duvidosa que publica teorias sobre ufos e coisas do tipo. Eles foram os primeiros a se manifestar. Obviamente estamos silenciando os jornais mais importantes.

 O alívio escorreu pela minha espinha quando encostei as costas na cadeira daquele bar. Seria um problema ainda maior se a imprensa resolvesse divulgar histórias sobre seres paranormais sob investigação.

 Estávamos no Marina’s tomando um chopp após o horário do expediente. Era só eu e o Joey. Fomos ali porque estava uma baita chuva, então entramos. Já havia parado de chover, mas agora estávamos na parte importante da conversa.

 — A última vez que a imprensa se meteu em um caso que trabalhamos foi quando? Ano passado? Retrasado?

 — Seis de junho do ano passado, tenente. Era a suspeita de que o “Chancellor” estava em Sproustown.

 — Ah, sim! Aquela vez foi um desastre! — Chancellor era o codinome de um personagem misterioso famoso no mundo da máfia. Ele é um figurão relacionado ao tráfico de Deluxes em escala mundial. Ironicamente quando tudo acabou descobrimos que ele nem estava envolvido no caso para começo de conversa...

 Bati minhas cinzas no cinzeiro e tomei mais um gole de meu chopp de vinho.

 — Mas daquela vez pelo menos o caso era um só. Agora tudo está acontecendo ao mesmo tempo, o que indica que tudo está interligado... Primeiro o cabeludo que vimos na casa dos Johnson  foge... Depois teve aqueles três mascarados invadem a central e pegam o convite... Aí aparece um serial killer que morde as costas das pessoas, que matou Sanford e Gerald e ainda está à solta... E agora mais esse caso do lobisomem.

 — Você esqueceu do caso do veneno enviado para a Emma.

 — Ué. Mas você mesmo não tinha decidido que foi o Galloway quem tinha enviado?

 Eu havia sim dado a entender que o amigo do Chapman estava relacionado com aquele caso do roubo do convite. No princípio devo admitir que foi só um instinto, visto que o chocolate ter sido enviado pelo namorado dela era o que fazia mais sentido. Depois essa pequena suspeita foi ganhando um pouco mais de credibilidade conforme eu parei para pensar sobre o assunto: Emma foi a única a ver os três responsáveis pelo assalto ao DCAE na segunda, e logo em seguida justo ela recebe um chocolate envenenado. A hipótese mais provável é que alguém tinha pensado em eliminá-la porque sabia que ela poderia inferir alguma coisa indesejada a partir do que ela viu durante aquela luta.

 E quem mais senão o misterioso Richard Galloway para estar vigiando seus movimentos? Quero dizer... Ele apareceu do nada. Na minha visão ele trabalha para um dos grandes negociadores de Deluxes de Sproustown e está se aproximando dela para que consiga colocar os olhos nas atividades do DCAE. Assim quando vê que seus segredos estão ameaçados pode pensar em fazer algo a respeito.

 E pode ver que as tentativas de assassinato cessaram depois que Crane voltou a si e conversamos com ela sobre o ocorrido e ela revelou que não sabia nenhuma informação que ligasse um deles a algum figurão do submundo. Quem quer que seja que planejou o assassinato percebeu que não precisava mais silenciar Crane, pois ela não sabia do que ele supôs que ela sabia.

 É claro que Joey não acreditava em minha opinião, então eu não ia ficar insistindo no assunto. Simplesmente abri minha carteira novamente e acendi outro cigarro.

 — E por último... — Completei — Existe também o caso do negro da sexta. Você disse que ele te derrubou com um pedaço de pau?

 Joey meneou afirmativamente. Ele ainda estava um pouco desapontado com sua performance na semana passada.

 — E você não viu?

 Joey deu de ombros.

 — Ele tirou alguma coisa do nada. Não sabíamos que ele estava carregando algo até o momento que eu caí. Quando vi tropecei e vim ao chão.

 O que aconteceu foi que os dois capturados da outra noite, Pierre e Bad Boy, haviam contribuído para o interrogatório. Segundo as informações deles, eles tinham sido contratados pessoalmente por um homem que resolveu não se identificar e segundo as descrições era negro, careca, alto e excessivamente magro. Esse sujeito dizia estar trabalhando para um tal de Verde. Era como o sujeito do submundo se chamava. Eles revelaram também sobre o paradeiro de Alexander Sprohic, irmão de Jeffrey Sprohic, que ainda estava escondido em uma casa de madeira no Filliard Summit. Na sexta feira Joey e Crane tinham sido enviados para lá visando uma emboscada, mas tinham sido vencidos por um ser paranormal, o qual mais que coincidentemente era negro, careca, alto e excessivamente magro. Este que derrubou Joey com um pedaço de pau.

 Adicionalmente a dupla paranormal capturada em Filliard Summit nos forneceu os nomes propriamente ditos com os quais os líderes dos tráficos de Deluxes são conhecidos em Sproustown: são eles: o Verde, o Dragão e o Wilkinson. Dentre estes Verde quem havia contratado eles dois para simular o roubo na casa de Cooper.

 O depoimento de Pierre e Bad Boy rendeu sim algumas informações úteis e pelo menos uma delas foi confirmada como verídica então eles acabaram sendo levados para a prisão de Silverbay ao invés de para a Arena, conforme o combinado.

 Mas infelizmente o evento da sexta-feira não ocorreu como o esperado. Joey e Crane apanharam daquele sujeito negro e este fugiu com o Sprohic.

 — Como você não percebe que ele está carregando uma coisa como um pedaço de pau? Bem... Agora já é tarde. Seja lá o que for que Alexander Sprohic sabia sobre o tráfico de Deluxes... Essa informação está perdida para sempre.

 — Você acha, tenente? Pode ser que ainda o achemos, não? Ou não há mesmo esperança?

 — Se acharmos Alexander Sprohic, acredito que será um corpo, Joey. Você sabe como são esses mafiosos...

 Joey parecia mais e mais culposo pelo seu erro... Não era culpa dele se o sujeito contra quem lutou por acaso lutava tão bem... Mas ele tinha acabado de tentar fazer chacota da minha teoria sobre Galloway então foi gratificante deixá-lo por baixo por pelo menos aquele momento.

 — Que mal lhe pergunte... Por que não chamou seu irmão? Ele também é você, não é? Onde estava durante os eventos daquela noite?

 — Eu tinha um encontro com a Vanessa...

 — Deus do céu, Joey!

 Se eu tinha sentido um pouco de remorso por jogar toda a culpa nele daquele jeito agora todo o remorso tinha se esvaído.

 — Seja como for... Temos casos demais em aberto. Está na hora de irmos resolver um desses casos, não? — Olhei no relógio. — Pelo menos um deles pode ser resolvido agora mesmo.

 — Hã? — Ele fez uma expressão indagativa como se não soubesse do que eu estava falando.

 — Ora, vamos Joey. Todos sabemos quem é o nosso lobisomem.



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