Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 23.2: O Dia que o Sub me Levou Para Jantar à Luz Intensa

 De má vontade, atirei-os na mesa:

“Puff!”

 Foi o barulho que os documentos fizeram quando bateram na mesa, após eu atirá-los.

 Na verdade eles quicaram e fizeram dois barulhos, então foi um “pá!” e daí um “puff!”.

“Pá-puff!”

 — O que é isso? Perguntou Craig, chegando na sala.

 Olhei para o quarto de Marcelle para verificar se era seguro responder.

 — Matei três pessoas.

 — O quê?

 — Isso que você ouviu. Três.

 — Pelo amor do guarda... Tome cuidado com o que você... — Craig baixou o tom — Tome cuidado com o que você fala.

 — Ela está ouvindo rádio.

 — Não subestime a audição dela... E como assim? Quem são esses?

 Craig tomou os documentos na mão.

 — Ethan... Doyle.

 Jogou o documento na mesa.

 — Stuart... Luke.

 Jogou o outro.

 — Collin Freeman. Esse aqui... É o mesmo do primeiro, não? — Craig comparou as fotos das duas identidades.

 — Deve ser um falso.

 — Você disse três? E o terceiro?

 — Estava sem documento. Não tinha nada na carteira dele... — Suspirei e joguei o corpo para trás, com as mãos atrás da cabeça — E nem para ter dinheiro o suficiente para o ônibus...

 Craig me olhou por cima do documento.

 — O que eram eles?

 — Não sei. Aliens? Homens lagarto? Como é que vou saber? — Olhei distraída para a janela da cozinha.

 — E você vai me contar como foi ou...?

 — Acho que “ou”. A menos que você queira ir... — Apontei com os olhos para o quarto de Marcelle — Para um local mais apropriado...

 — Vamos no meu quarto.

 — Hum...

 Ele se levantou e foi.

 — O que foi? Venha.

 Sem ter opção, o segui.

 — Pois bem, Craig. Vou te contar com todas as palavras as minhas desventuras do fim de semana. Escute, pois vou falar só uma vez. — Fitei a cara redonda dele — O que foi? Você está sério.

 — Quero saber o que leva uma garotinha a cometer assassinato.

 — Blablá! E isso vindo de Craig Kummer, o torturador.

 — Isso não parece casual, Bubble. O que eram aqueles caras? Porque tem gente com nome falso? E o que “Boe” está fazendo lá no meio?

 — Boe?

 — Era o segundo cara, que você me mostrou. Com as duas identidades. Quando vi a foto imaginei ter visto já em algum lugar. E assim me lembrei de “Boe” o mercenário que fugiu da penitenciária da Arena naquele comboio ilegal que veio à Terra em 2008.

 — Ah... Então você reconhece?

 — Conheço de fotos... De ouvir falar.

 Craig respondeu rápido demais. Soaria a qualquer detetive amador que falou como se quisesse desabonar o assunto de propósito. Mas não dei bola para isso.

 — Ok. Lembra que eu tinha sido paga para seguir o casal de pombos?

 — A policial e o suspeito do Verde? Lembro.

 — Pois bem... No final das contas o suspeito do Verde era sim um suspeito do Verde, se é que me entende... Ele acabou mencionando um lugar que também soou suspeito, um restaurante, aí eu peguei um ônibus e fui até esse lugar suspeito.

 — Sim?

 — A propósito era o Sweet Oaks, o novo que abriu.

 — Sei...

 — O que ninguém suspeitava era: tinha um compartimento secreto no Sweet Oaks. Um graaande compartimento secreto. — Gesticulei “graaande” com as mãos — E então eu entrei. Ficava atrás da lareira.

 — E ninguém viu...

 — Viram... Dois guardas, digo... Garçons... Chegaram a me ver.

 — E...?

 — Nocauteei eles.

 — Nocauteou.

 — Sim.

 Craig estava esperando eu dizer mais.

 — Não Craig, não vou sair por aí matando todo mundo. E depois... Como eu ia saber o que ia achar lá no compartimento quando os derrubei. Na hora nem sabia se o que eu ia achar lá tinha real relação com o Verde ou não.

 — Pelo amor... Bubble: você mata três capangas do verde... E deixa os outros vivos. Os outros que literalmente viram você.

 Não podia deixar de discutir com a lógica.

 — Eu não sabia que ia precisar matar ninguém, Craig. Escute até o fim, vai? — Fiz um gesto condescendente com a mão direita na direção do brutamonte de bíceps à mostra — Lá dentro tinha um labirinto de corredores escuros... E no final estavam eles três. Estavam falando sobre alguma coisa. Eu já tinha sentido o ductu quando estava na lareira então tomei o cuidado de usar o sigilo. Estavam discutindo sobre pegar um iate e sair de cena, porque estavam sendo procurados pela polícia.

 — Espere. Esses três? Dos documentos? — Craig apontou para os mesmos que tinha colocado em cima da escrivaninha dele.

 — Esses mesmo. Estavam com medo da polícia e queriam fugir, mas não entendi direito. Aí eles perceberam meu ductu e esconderam o deles, e ficaram num momento de tensão. Aí não adiantava mais me esconder. Entrei na sala.

 — Assim, sem mais nem menos? Típico de você.

 — Só tinha uma porta... Como eu deveria ter entrado?

 — Típico de você.

 — Que seja. Eles nem eram lá grande coisa. Quer saber como foi a luta?

 Craig se encostou no travesseiro sobressalente e cruzou os braços.

 — Um deles sacou uma arma, disparou contra mim três vezes, e errou duas. Acertou a outra. Mas eles não enxergaram porque estava escuro. Como meu corpo é só uma carcaça é óbvio que não senti nada. Assim como eu estava com a mão no bolso porque estava jogando Cinder Clash — Craig ergueu as sobrancelhas de modo irônico — eu feri minha mão usando indarra na unha e peguei balas sobressalentes da minha pistola para fingir que tinha pegado elas no ar. Foi um ótimo blefe. Consegui causar uma desestabilidade mental! Rá rá! Tinha que ver a cara deles!

 Craig permanecia impassível.

 — E eles queriam me fazer cair numa armadilha que eles tinham pendurada no teto, mas ela só se camufla por causa do escuro, e o hawkeye não tem nada contra o escuro. Aí desde o começo eu sabia que eles iam tentar jogar aquela coisa contra mim a qualquer momento, eu só tive que calcular para ficar de olho nela quando viesse, desviar bem na hora e me posicionar de forma que ela batesse neles depois que eu desviasse.

 — Não estou entendendo nada.

 — Era uma armadilha dessas mecânicas! Estava presa com fio. Já viu aquele filme que tem um cabo de aço no navio que corta a cabeça da tripulação toda? Algo assim.

 — Sei...

 — Continuando... Aí o primeiro veio lutar contra mim e perdeu. Eu fiz ele tropeçar usando taiar no chão pela indarra da minha perna, aí isso fez estremecer a lajota e fez ele perder o equilíbrio, porque ele estava vindo muito rápido. O segundo era melhorzinho. Era esse Boe que você reconheceu.

 — Ele deveria ser o melhor dos três se for quem eu estou pensando.

 — Não era ruim, mas estava agindo nervoso por causa do blefe. E foi ele que caiu na armadilha. Ele não tinha como ver ela vindo de trás de mim daquele ângulo. Que azar o dele...

 Me ajeitei na cadeira da mesa de computador do Craig.

 Aí o terceiro se chamava Spikey. Eu ouvi quando eles estavam falando qualquer coisa atrás da porta.

 — Spikey? Então será que tem uma possibilidade de esses serem os três eufórbios que roubaram o DCAE naquela segunda passada?

 — Então! — Saltei exaltada para a frente — Eu pensei a mesma coisa. Às vezes é bom lembrar as palavras avulsas que o canto da mente capta quando ouvimos uma conversa à distância, hã? Se eram eles, então significava que o Spikey era o eufórbio que tinha espinhalado a menina do DCAE não? Pelo menos foi o que eu chutei.

 — “Espinhalado, é?” — Craig ironizou a escolha do termo.

 — Então ao invés de lutar com o terceiro eu só saquei a pistola. Ele estava longe e não veio para cima.

 Houve uma pausa. Eu tinha terminado a narrativa. Craig parecia pensativo.

 — Tem que ser muito burro... Para se auto apelidar de Spikey... Se sua carta na manga são os espinhos de seu corpo... — Foi a primeira coisa que comentou.

 — Não é?

 Craig ficou um momento em silêncio, refletindo em sua cama antes de continuar:

 — E depois disso... Você pegou o convite.

 — É. Na verdade eu amedrontei bastante o cara para que ele ficasse gelado e não pudesse fazer nada e enfim ao invés de atirar venci ele encostando mesmo. Só para ver se eu conseguia.

 — Bem você mesmo.

 — Ué. Eu sou só uma carcaça. Não é como se ele realmente fosse me ferir se tivesse conseguido se transformar em espinhos...

 — E o convite. Trouxe ele?

 — O convite? Eu não! Deixei em casa. Por que eu traria para cá? E se você for um agente do Verde disfarçado?

 Craig franziu as sobrancelhas em um olhar debochado.

 — E se Marcelle for uma agente do Verde?

 Craig fez que não esboçou reação. Em seguida trocou o assunto:

 — Depois disso tudo... Você disse que tinha ido à casa da Mourne. Como foi lá?

 — Mourne?

 — Megan Mourne. A jornalista do Daily Inquirer.

 — Aquela que estava se metendo no caso do policial que foi morto por um lobisomem? Eu fui lá já faz um tempo. Wilkinson tinha me pedido para ver o que ela tinha descoberto... E para eu apagar qualquer pista que ela tivesse que viesse a comprometê-lo.

 — E como foi lá? — Craig perguntou desta vez em tom pouco mais invasivo.

 — Por que a pergunta súbita? Tem algo de errado?

 — Vamos dizer que... Sim. Eu fiquei sabendo de umas coisas.

 — Coisas? Que tipo de coisas?

 — Tipo de coisas que dizem respeito a você. Sabe Bubble... Eu fui falar com o chefe hoje de manhã...

(Então o Craig não fica o dia inteiro jogando água da mangueira na calçada quando eu estou fora trabalhando. Ele também trabalha de vez em quando. Que bom. Me sinto um pouco menos injustiçada. Mas só um pouco menos.)

 — E...?

 — E ele disse... Que segundo os contatos dele...

(Isso que eu queria saber... Como aquele Dragão que passa o dia todo naquela sala escura com uma máscara de luchador mexicano fica sabendo das coisas? Quem são seus contatos?)

 —... Segundo eles Megan Mourne foi vista saindo do prédio do DCAE esta manhã...

 — E? O que eu tenho a ver com isso?

 — Ela estava reclamando que alguém tinha invadido a casa dela.

 — O quê? Como?

 — Exatamente... “O quê? Como?”

 Impossível! Eu tinha deixado tudo no mesmo lugar. Quer dizer... Eu cometi sim um erro. Mas foi um erro bobo. Não era motivo para ela ter levado a sério e percebido! Não pode... Megan Mourne é uma humana comum. Ela jamais chegaria a tal ponto de percepção.

 Mesmo assim, agora que isso aconteceu eu não podia evitar de contar para o Craig:

 — Digamos assim... Eu cometi um errinho ao entrar na casa naquele dia... — Disse eu cuidadosa.

 — Ah! Você cometeu sim um erro.

 — Um errinho. Um erro mínimo. Um erro de sinal.

 Craig fechava mais e mais a cara à medida que eu falava. Era tão divertido.

 — O que foi que você fez?

 — Eu entrei no quarto pela janela, destacando-a pelo lado de fora, como de costume. Tomei cuidado para que ninguém me visse pelo lado de fora...

 — Mas...?

 — Mas acontece que a infeliz tinha uma câmera filmando dentro do quarto. Ela saiu do trabalho e deixou a câmera ligada.

 Craig levou a mão à testa:

 — E você está me dizendo que não percebeu isso?

 — Craig! A câmera estava escondida dentro do armário, filmando por apenas uma frestinha mínima. Como é que eu ia saber que tinha algo lá dentro que importasse? Mais que isso: por que eu ia esperar que uma humana que sequer tem experiência em lidar com casos criminosos do tipo paranormal ia pensar em deixar uma câmera ligada daquele jeito?

 — Que droga, Bubble! Você podia ter usado o hawkeye e visto!

 — Eu... A janela estava fechada Craig. Eu não podia usar até estar pisando lá dentro. Quer dizer...

(Se bem que eu poderia ter entrado no prédio, ido até a porta, usado o hawkeye assoprando uma bolha pelo buraco da fechadura e visto o que tinha lá dentro e só depois de confirmar que a barra estava limpa ter contornado o prédio e entrado pela janela por trás, mas enfim... Agora já foi).

 — Tá... E daí? O que você fez?

 — Bem... Eu tinha poucas opções. Eu podia só quebrar a câmera ou roubá-la, mas Mourne ia dar falta muito fácil e ia achar muito suspeito. Outra alternativa seria bagunçar a casa e simular um roubo. Mas se ela estava saindo de casa deixando câmeras ligadas nos últimos dias quer dizer que ela estava esperando uma atitude parecida por parte dos envolvidos com o assassinato daquele Sifford, então de certo iria associar qualquer roubo com o próprio caso, e é justo isso que eu não queria.

 Craig continuava me olhando com sua cara de pôquer. Estava aborrecido por trás daquela máscara de paciência.

 — Então eu tive que apelar para o último recurso: voltei até uma loja, comprei um filme de marca igual e substituí o filme da câmera pelo filme vazio. Depois deixei a pilha solta para que parecesse que a pilha soltou sozinha e por isso a câmera deixou de gravar.

 — E parece que não deu muito certo...

 — Qualquer humana comum teria dado o veredito de que a culpa era dela. Como vou saber que a jornalista nerd é tão obcecada?

 Craig bufou. Então se levantou e passou a andar de um lado para o outro no pequeno espaço que havia em seu quarto.

 — Tá... Agora isso já aconteceu. Vamos ter que ver como vamos fazer para silenciar o Daily Inquirer e o DEA sobre o caso, para se concentrar apenas em despistar o DCAE. E depois? O que você foi fazer hoje pela manhã? Foi falar com o Wilkinson? O que ele disse?

 — Ah, sim. Isso que eu vim fazer aqui né? Quer dizer... Eu vim mais para entregar os três documentos que peguei dos Verdes para você... — As identidades dos alienígenas falecidos estavam agora na mesa do computador de Craig, ao meu lado — Mas também como sou generosa vou lhe contar uma coisa interessante que Wilkinson me disse.

 — Algo interessante?

 — Tenho luta marcada! E você não vai poder fazer nada a respeito! Rá-rá. O Craig vai ficar assistindo da arquibancada enquanto Bubble entra em ação mais uma vez!

 — Diga logo.

 — Vai ter um transporte das balinhas azuis preferidas dos Sproutanos jovens no prédio da Dalilah, e eu vou até lá interceptar.

 Craig fez cara pouco impressionada.

 — Interceptar Deluxes? Parece um tanto baixo para o Wilkinson. Contratar suas habilidades para algo desse nível?

 — Não! Ele quer que eu pegue o convite de Cooper. Ele disse que o convite vai estar lá.

 — O convite do Verde?

 — É.

 — Esse que está na sua casa? Que você pegou dos alienígenas na última saída?

 — É...

 Levei um dedo à boca, num gesto meditativo.

 — O que nos faz concluir: que Wilkinson não faz a menor ideia do que está acontecendo. E ninguém da equipe dele descobriu nada ainda sobre Sweet Oaks. O que é bom, não?

 — Eu me pergunto como ele acabou sabendo desse transporte de carga... E quando. Será que ele ficou sabendo antes de ontem? E eles iam transportar o convite de Helmsley para lá? Mas não faria sentido. Carregar a peça num transporte faria mais sentido se ela nem estivesse na cidade durante todo esse tempo. E depois: se Verde perdeu o convite no fim de semana será que ainda vai dar continuidade a essa transação que o Wilkinson ficou sabendo?

 — Nosso papel e o que Wilkinson diz não devem ser o mesmo. Um deles deve ser falso. Que seja. Assim que eu for até lá ficarei sabendo do que se trata. E por falar nisso — Olhei meu celular — Já está quase na hora. Eu adoraria ter conversado mais tempo, mas você ficou muito tempo cagando...

 — Você tem bastante trabalho hoje, então. Odiaria ser você. Depois você ainda vai falar com o Dragão.

 — Hã?

 — Ele disse que queria ter uma conversa com você. No local de sempre, o prédio do centro. Sobre o Wilkinson.

 — Hum. Ele deve estar querendo saber o que o Wilkinson disse para mim hoje pela manhã no barco dele. — Coloquei o celular no bolso e me dirigi até a porta — Mas ele não sabe que Wilkinson me deu um trabalho urgente. Só vou se der tempo. Senão nem vou.



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