Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 23.4: O Dia que o Sub me Levou Para Jantar à Luz Intensa

 O prédio da Ansoft era desses bonitos e grandes, quadradinhos cheios de janelas, com design moderno e todos limpinhos por fora e por dentro. Suspirando contra a vontade, entrei lá mais uma vez. Só de pensar que teria que descer até o sexto pela porta secreta interditada e ficar naquele lugar soturno e claustrofóbico me dava um desânimo.

 E não deu outra.

 Quando cheguei ao local combinado, me deparei a sós com o que mais parece ser um pedófilo mascarado com uma tara de mau-gosto. De costas para mim, em sua cadeira, usando sua máscara, a qual desta vez decidi que não valia o gasto de energia para ser vista com o hawkeye.

 Vou poupar-lhe das apresentações, da troca de chavões irônicos, e de toda a explanação de todas as minhas atividades que tive que relatar para a suprema chefia, após ter posto os pés ali no recinto. Atesto que apenas relatei o que você já leu na coleção de frases acima.

 Foi uma narrativa enfadonha, que me deixou com sede, e até então o Dragão não tinha pronunciado nada (isto é, nada de útil, senão os cumprimentos tradicionais) durante a conversa toda.

 Mas nada disso interessa.

 O que vai interessar (talvez) é o que ele disse depois. O que o Dragão disse depois de eu ter relatado todo o episódio desde a manhã com Wilkinson no barco até o episódio com Sub-Snow, nos perímetros da Dalilah em South Gorem.

 Ele falou:

 — Ok... Vamos por partes: Em primeiro lugar, eu não disse nada para o Sub-Zero.

 Aquela frase já me intrigou, mas deixei-o concluir o raciocínio.

 — Sub-Zero pesquisou por si mesmo sobre as caixas. Tem feito isso durante muito tempo. Ele é bom nisso. Tem monitorado todos os antigos e novos locais que têm relação com o tráfico, em especial quando se trata do grupo do Verde, com o qual já temos mais familiaridade com os planos e locais de trabalho. Ele já havia deixado naquele lugar não só daqueles dispositivos que você usou o outro dia para monitorar a intensidade do namoro entre Emma Crane e Richard Galloway, grudando em seu carro, mas também dispositivos que usam tecnologia detectora de metal de ampla área de ação, que informam nossos computadores se algo de novo foi colocado ou não nos locais em determinado tempo. Sub-Zero não estava apenas tirando fotos em Paris durante o episódio do convite de Cooper, você sabia, Bubble? O que significa que sim: ele quem salvou sua vida e você deve sim uma a ele.

 Virei os olhos. O Dragão continuou:

 — O que é interessante são alguns questionamentos que me vieram à tona com todo esse seu... Discurso. Questionamentos que talvez tenham trazido certa luz à questão. Sim, a resposta a essas perguntas encerra por definitivo quem está por trás de todos esses acontecimentos sobrenaturais que vêm acontecendo nesses últimos dias.

 Quanta pretensão! Estava meio cética, mas não reagi.

 — Bubble... Vamos tentar responder algumas perguntas. A primeira pergunta é: se você tinha o original, por que você foi buscar o convite falso na Dalilah?

 — Ué. Eu não tinha certeza se era falso ou não. Tem tanto convite falso nesses últimos dias que parece a China! É melhor colecionar o máximo possível. E mesmo se soubesse que era falso eu teria ido... Tanto porque terei que dar explicação ao Wilkinson, já que ele não sabe que nosso grupo já tinha botado as mãos no original antes, quanto porque queria saber do que se tratava essa tal transação do Verde.

 — Verde! Exato! Essa transação foi organizada pelo Verde. E as bombas foram detectadas por Sub-Zero nos pacotes que deveriam ser entregues à gangue do Verde. Assim como eu, Wilkinson deve ter ficado sabendo. Mas acontece que você me disse que você tomou o convite justamente das mãos de três alienígenas que estavam a serviço do Verde, não? Aqueles que você... Sentou o dedo. Agora vamos fazer uma suposição: suponha que esse convite que você tomou do Verde seja o verdadeiro. Ainda não enviamos para análise, mas suponha que seja. Isso até conflite com o que discutimos outro dia sobre Sarah Harmon do DCAE ter usado de isca uma cópia falsa, mas não vem ao caso... A suposição nos faz concluir que Verde era quem estava na posse do convite de Cooper até então. Aí você, Bubble: você aparece em um dos esconderijos da gangue do Verde e toma o convite das mãos de três mercenários subordinados. Está acompanhando até agora?

 — Sim...?

 — Essa sequência de fatos indica que após o final de semana, Verde ficou sem o original com o qual estava até então. Entretanto aparece agora um convite falso! E justamente quem tem a posse desse convite falso? A própria equipe do Verde.

 — Sim...?

 — Não? Não percebe como é estranho? Verde aparece com um convite falso, e ambos: eu e Wilkinson, ficamos de alguma forma sabendo sobre essa “transação” que ele deseja fazer, e que vai ter algum responsável lá com o convite numa mão e uma bandeirinha branca na outra esperando para ser capturado. Eu não sei como foi que Wilkinson ficou sabendo, mas eu recebi a informação do Sub-Zero, que veio dos dispositivos que ele espalhou na Dalilah. Agentes subordinados ao Verde têm se reunido lá e preparado o terreno para a entrega desde sábado... Enfim... O que interessa é que ficamos sabendo os dois: eu e Wilkinson. E agora que tudo terminou, fica a impressão de que o objetivo inicial era causar essa explosão a qual se não fossem as antecipações de todos os grupos: nosso e da polícia do DCAE, teria causado uma redução em massa na população sobrenatural de Sproustown.

(É Paranormal que se fala, Dragão.)

 — Pergunto, Bubble: quem foi que deixou essa informação vazar?

 — Ora. Quando o senhor coloca assim... É quase certo que foi o próprio Verde, não? Ele teria tudo a ganhar! Estava com raiva porque tinha perdido três dos integrantes de seu grupo, e queria ver se conseguia alguma vantagem. Sabendo que nossos grupos têm acesso a grampos de sistema e finesses que facilitam intercepção de comunicação, Verde aproveitou para “vazar” a informação de modo casual incentivando simples fofoca entre os integrantes de seu grupo. Ele perdeu o convite e quer de volta, ele perdeu time e quer compensar. Por que não matar dois coelhos com uma cajadada só? Incentivando uma busca por um suposto convite atrai a nossa atenção e não só tem oportunidade de recuperar o convite em confronto direto, como também acaba com todos os inimigos explodindo tudo no final.

 O Dragão conseguia manter-se estático em sua cadeira, com posição de vilão, de costas para mim e com uma mão sobre a outra sobre seu colo durante a conversa toda. Eu tive que me encostar na parede porque já estava cansada.

 — Mesmo, Bubble? E os integrantes do grupo do Verde que estavam lá? Verde perdeu três importantes membros de sua facção. Mas ainda assim estaria disposto a se livrar de mais integrantes? Duvido que eles aceitariam de bom grado manter-se na área da iminente explosão durante o conflito com a polícia se soubessem que virariam torrada. E já que estou citando a polícia penso também que isto não foi coincidência. O normal é a polícia ficar sabendo das práticas ilegais “depois” delas e não durante. Até onde sei, a polícia reage ao bandido e não o contrário. Então penso que se Verde armou para mim e para Wilkinson, deve ter armado para a polícia também... Seja como for, o fato de que tinha agentes dele lá no local não faz muito sentido. Ou faz para você, Bubble?

 — Se parar para pensar... Deviam ser pessoas que ele já desejava se livrar... Talvez gente que dá com a língua nos dentes? Gente que sabe demais? Não acredito que quem se deixa capturar por uma viatura do DEA é eficiente o suficiente para trabalhar para um grupo que lida com mais duas facções empregadoras de mercenários paranormais e ainda mais numa cidade que tem uma divisão policial de casos especiais. Verde devia estar querendo se livrar deles.

 — Então você mantém-se firme à sua ideia: Verde elaborou um grande esquema para se livrar de pessoas que sabiam demais. Por isso você acabou vendo o mesmo agente policial gordo do cigarro que você mencionou, por que ele provavelmente é o encarregado do caso... E para você aqueles agentes que estavam brincando de tiroteio com a polícia devem ser meros capangas dispensáveis.

 — Se a morte dos capangas vai trazer a morte de agentes paranormais das equipes inimigas... Está de ótimo tamanho.

 Afinal o Dragão se moveu. Se balançou na cadeira.

 Fazendo nhec nhec nhec.

 — Pergunto mais uma vez: mesmo, Bubble? Porque após seu relato me ocorreram outros dois questionamentos: em primeiro lugar: o motivo está errado. Veja que partindo da hipótese que estamos partindo —que o convite que você tomou dos três mercenários é verdadeiro— concluímos que Verde estaria tentando colocar as mãos no mesmo. Você mesma disse que ele sairia ganhando porque teria chance de tomar o convite em confronto antes que a explosão acontecesse... Mas nada garantia que quem comparecesse no local para lidar com a intercepção da transação fosse a mesma pessoa que roubou o convite, e mesmo que acontecesse — e por ironia do destino aconteceu: foi você mesma quem compareceu — seria ridículo esperar que você portasse o convite consigo para a ocasião. Ou você levou o convite consigo quando foi ao prédio da Dalilah, pensando: “que ótimo dia para ter o convite do torneio de Uahmyr roubado, vou carregá-lo no bolso”?

 — Hmm... Óbvio que não.

 — Percebe? Ele com certeza não recuperaria o convite. E sabia que não. O que significa que este não era o motivo da transação. O que nos leva ao segundo questionamento: qual foi o motivo então? Você acredita que foi isso que você disse? Uma armadilha preparada visando matar potenciais inimigos internos que sabem demais, bem como inimigos envolvidos no caso de outras facções, sejam elas relacionadas ao tráfico ou à polícia?

 — Não consigo imaginar outro motivo... Se bem que partindo do pressuposto que Verde sabia com certeza que não iria recuperar o convite isso fica até meio esquisito... Ao invés de uma bomba ele poderia ter mandado um mercenário forte para tentar me capturar e me forçar a contar onde estava o convite.

 — Mas ele não enviou ninguém...

 — Sim... Ele não mandou ninguém. Quer dizer, tinha aquele morto que encontramos com o convite na mão, mas pelo visto... Não era ninguém importante.

 — E por acaso irei pedir para você avisar o Sub-Zero para pegar aquele corpo ou pelo menos tirar fotos do corpo se possível. Tirando esse detalhe de lado, é como você disse, Bubble: ninguém foi enviado. O que torna a hipótese de que tudo era armadilha para tentar causar algum estrago em nossas equipes de modo “tentativa e erro” muito difícil. Não acha que tem algo por trás disso?

 Espreguicei-me, estralando a coluna.

 — Com todo o respeito, senhor... Tenho a impressão que o senhor mesmo está caminhando com seu raciocínio para sugerir algo por trás disso. O modo como diz dá a entender que tem uma provável solução.

 O Dragão soltou de novo aquela sua risada grave, repetitiva e pateta. Igual a um vilão de quadrinhos prestes a dominar o mundo.

 — Você é sagaz, Bubble. Sim! Eu tenho uma solução! Mas se eu estiver certo... Penso que não se trata só de uma suposição, mas sim da verdade. Sim. Penso que estou certo da verdade por trás disso. Antes de te contar tenho que fazer uma última confirmação: aquele que lhe contou primeiro sobre a transação em Dalilah... Quem foi?

 — Foi o Wilkinson... Hoje de manhã quando eu estava no barco.

 — Como esperado.

 — ?

 — Bubble. Sinto informar que o que você roubou no domingo em Sweet Oaks não era o convite verdadeiro... O verdadeiro esteve com Wilkinson o tempo todo.



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