Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 9: A Quarta Força

 — Em meio às profundezas do crepúsculo, um fulgor está para nascer? Não... Que palavras são essas? Crepúsculo? Que horror. Melhor: Em meio ao negrume... Um fulgor. Não... Uma cintilação... Em meio ao negrume... Uma cintilação. Aquela outrora desprezível liberta-se de seu casulo expandindo suas asas e se tornando um anjo...

 — O que está fazendo minha senhora? — Eu pergunto.

 Minha senhora ri-se.

 — Oh, meu bebê... Estava pensando em escrever um livro. Um relato... Sobre nosso futuro. Sobre a nossa ascensão.

 — Não estaria pouco cedo demais para isso?

 — Nem um pouco, meu bebê. Nem um pouco. Você não imaginaria o quão adiantados estamos.

 “liberta-se de seu casulo expandindo suas asas e se tornando um anjo” Sublimemente prosaica. Minha senhora descreve a si mesma de modo idêntico a como posso enxergá-la. Suas asas de vampiro embora desprezíveis a olhos humanos cintilam em minhas retinas como de anjos.

 Entretanto ela não descreve a si mesma, sim a nosso progresso, nosso egresso ao submundo de Sproustown, à fascinante jornada de transação de Deluxes. Minha senhora explica-se:

 — Atualmente há o que? Três? Sim... Três pontos maiores. Controlados pelo Dragão, pelo Verde e por Wilkinson. Hummmm... Me parecem gente perigosa. Melhor manter-nos longe? Esconder-nos e não chamar a atenção? Tenho medo de ser caçada e degolada.

 As palavras de minha senhora são a pura definição de ironia.

 — Se minha senhora pensa em chamar a atenção, espera alguma coisa grande nesta noite?

 — Insinuações sujas à parte, meu bebê, espero sim algo grande esta noite. O trabalho que vamos fazer agora não é de longe o mais importante. Mais importante que ele é a consequência dele.

 — Estaria pensando em fazer algo a respeito do convite?

 Minha senhora pela primeira vez se vira para mim, deixando escondidas de minha vista suas lindas asas e reluzentes cabelos loiros, passando a mostrar seus únicos dentes caninos, à medida que me responde:

  — Hummm... O convite. O convite de Arthur Cooper para o torneio clandestino da Arena. Se não estou enganada... Houve um assalto ao prédio do DCAE no início da semana? Se formos somar dois mais dois é seguro admitir que o convite já está nas mãos de não sei mais quem que não a polícia... Não concorda, meu bebê?

 — É seguro assumir que sim, minha senhora.

 — O que nos leva a quatro possibilidades: Wilkinson roubou o convite. Verde roubou o convite. O Dragão roubou o convite. Outro interessado roubou o convite. Se a quarta opção for verdadeira, este será caçado e degolado por um dos três primeiros e assim a escolha se torna uma das três anteriores. O que deveríamos fazer?

 Minha senhora anda por sobre o chão de tacos elegantemente à medida que vem até mim, sua mão levemente apoiada sobre seu queixo.

 — Adivinhar um deles? “Suponho que é este.” E a partir daí fazer o que? Persegui-lo? Observá-lo? Arriscar roubar o convite novamente?

 — Com minha finesse eu poderia tentar ao menos localizar o culpado, minha senhora.

 Minha senhora ri-se novamente.

 — Ora, se não estamos nos excedendo. Você é todo ação, não é mesmo? É um bom mordomo, Jarbas.

 — Preferia que não me chamasse de Jarbas, minha senhora. — Sou mais conhecido como Shinobi, o mercenário.

 — Afinal de contas... Os outros dois grupos que têm um convite faltando... Tentarão fazer o mesmo não acha? O que acha, Jarbas?

 E mais essa agora. Por que Jarbas?

 — É seguro assumir que sim. Mas pelo tom de tuas palavras... Poderia ser que já tem algo em mente, minha senhora?

 — É lógico que tenho algo em mente, Shinobi. Venha... Vamos acabar com esta tarefa de uma vez por todas.

 Ela faz o sinal para eu acompanhá-la com o indicador. Em meio ao caminho explica-se:

 — Adivinhe qual o melhor caminho ao tomar enquanto os três grupos concentram-se em brigar pelo convite? O caminho escondido! O caminho ignorado. Não iremos nos juntar à luta por aquele ataviado pedaço de papel. Antes vamos nos concentrar em assegurar clientes para nosso pequeno grupo de vendas de Deluxes! Enquanto ninguém está realmente concentrado nas balinhas... Nós estamos. Tudo é negócio, Shinobi meu bebê. Vender, vender e vender!

 Entendo. Nada melhor que aproveitar o momento de descuido dos demais líderes do tráfico para aumentar sua preferência no mercado. Afinal, se os demais grupos realmente são tudo o que dizem é seguro assumir que eles resolverão entre eles o caso do convite. Minha senhora é certamente uma empreendedora.

 Bela, elegante e um vampiro paranormal. Minha senhora se chama Cayme. Cayme e eu temos estado em Sproustown há apenas duas semanas. Seu objetivo é conquistar espaço no mercado ilegal, embora eu acredite que este já esteja saturado.

 Sproustown tem três linhas divisórias imaginárias, cada qual manipulada por seu dominador. A região sul é dominada pelo Verde. Perto do centro existe o império do Dragão, e mais ao norte da cidade, quase perto de Orchid Highway, o comércio é de um ser sem identidade alcunhado Wilkinson.

 Não é que certa vez entro em argumento com minha senhora? — Deus me livre, não um argumento violento, sim apenas mera discussão — Dou-me o trabalho de explicitar que muitos tentaram ascender ao mercado, devido à tentadora demanda de consumo, mas todos pereceram ao cartel. Ninguém que se estabelece em Sproustown e rixa contra estes três chefes escapa com vida.

 Como típico de minha senhora, ela apenas ri-se e afirma confiar em si mesma.

 Começo não duvidoso, mas um pouco curioso acerca seu sucesso. Contudo até então minha senhora tem se saído muito bem. Conseguimos informação sobre os principais pontos de vendas, detalhes sobre o serviço oferecido pela concorrência, conseguimos até alguns clientes. E até onde estende nosso conhecimento, os três principais competidores ainda não reconhecem nossa existência.

 Quase todos nossos clientes fazem as transações de maneira impecável, exceto um: Daniel Carter. Ocupando um cargo considerável no tribunal estadual, vê-se na necessidade de aumentar seu patrimônio fazendo compras de Deluxes. Compra em altíssima quantidade, o que deixa clara sua intenção de fazer lucro diversamente ao consumo próprio.

 Grande e influente magnata é mal acostumado a sair impune de afazeres ilegítimos. Acredita-se não sujeito às consequências dos seus contratos. Possui luxuosa residência em High Cheawuld Garden. Daniel Carter crê-se suficientemente seguro por seus guardas e por isso não nos devolve a quantia esperada de dinheiro na hora da transação. Como consegue tal façanha? Minha senhora não é de conferir a quantia na frente de um de nossos primeiros clientes, visto que tal atitude não inspiraria confiança em nosso trabalho.

 Infelizmente para ele, sabemos do local de sua residência.

 Por sermos iniciantes no ramo, vê-se em posição de passar-nos para trás.  Apenas conhece nosso serviço e ele já apela para gafe de tal calibre...? É preciso tomar alguma providência.

 Com este pretexto saímos os dois naquela noite. O acerto de contas com Daniel Carter.

 High Cheawuld Garden é vizinhança chique e calma, cada quadra sua é enfeitada com enormes moradias, pertencentes aos mais abastados da cidade. Bairro tranquilo e bem localizado, encontra-se lado ao centro e na parte mais alta da cidade. Por ser demasiado tranquilo e coberto de natureza, não exatamente é livre a ataques noturnos. Serei franco: não é bairro perigoso. Se houvesse muitas ocorrências criminosas, a polícia rapidamente tomaria providências, assim que diversamente é escasso em furtos e maldades. Mas isto transmite uma falsa segurança, ajudando a mascarar as poucas ocorrências.

 Assim, nós dois nos camuflamos com o escuro do anoitecer e fazemos breve visita a Daniel Carter.

 A mansão é escura por fora e iluminada por dentro. Vemos as silhuetas dos seguranças. Eles fazem suas rotas alvoroçadamente. Vestidos de casaco preto e camisa branca, equipados com armas e aparelhos radiotransmissores, o mais perigoso o último deles.

 — Hummmm... Será que devia deixar isso apenas com você? Você é o “shinobi” aqui. — Minha senhora sussurra para mim — O que você acha?

 Me viro para ela e vejo seu sorriso afiado tal qual seus dentes, reluzindo em contraste com a noite. Claramente está ironizando.

 — Vamos direto ao ponto. — Ela diz.

 Me apresso e salto com as pontas dos pés, pousando silenciosamente na varanda anexa ao escritório onde se encontra Daniel Carter, acompanhado de dois guardas. Ele está ao telefone. Os guardas são inexperientes e têm a guarda baixa. Poderia oferecer descrição, mas adianto que estarão em decomposição daqui a alguns parágrafos, sendo que não importa.

 Faço o panorama do escritório: a mesa é pequena e o magnata está na cadeira. Um dos guardas logo a seu lado, o outro mais perto da porta que se encontra atrás da mesa. Há uma estante e um armário encostados na parede, também outra cadeira desocupada.

 Com o cérebro ponderando minhas possibilidades elaboro um plano de assalto. Visualizo-me entrando na sala sem fazer barulho, abatendo o guarda da mesa e logo após o da porta, fazendo uso de meus equipamentos laminosos e minha finesse em menos de três segundos. Estou acostumado a fazer tal tipo de trabalho sem deixar ruído ou pista visível. Tal sequência de eventos é acessível para mim.

 Esqueço-me da companhia de minha senhora. Ela tem em mente plano mais direto:

 Ainda lá de baixo, salta direto na janela, estraçalhando o vidro todo, entrando-se na sala de supetão. Daniel Carter dá um pulo na cadeira e joga o telefone no chão fazendo um gemido estapafúrdio. Os guardas se intimidam e sacam as armas do bolso, apontando-as para Cayme, que adentra portando pose sublime e destemida.

 Um. Dois. Antes que possam disparar, dois corpos esvaem-se, vindo de encontro ao chão. São os guardas falecendo misteriosamente em momento inoportuno, aparentemente sem razão alguma.

 — M... Mas o quê? O Verde não disse que... O que você está fazendo aqui? Saia da minha...

 O alto e corpulento Daniel Carter estremece não só o corpo, mas também as palavras.

 — Hummm. Seria um problema se os outros viessem e atirassem e fizessem bagunça. Tranque a porta, Shinobi.

 Com o máximo de minha indarra corro a trancar a porta arrastando a estante frente à mesma. Nenhum dos demais guardas podem entrar ao recinto.

 — Como? O que aconteceu? — Carter olha incrédulo à sua volta.

 — Ora... Se não é um mau momento para um ataque cardíaco. — Minha senhora olha para os corpos no chão. Ela não se dá o trabalho de explicar o ocorrido.

 Entretanto eu vejo necessário: o nome disso por incrível que pareça é ductu. Sim, ductu. Aquele mesmo pequeno temor lançado pelos chamados seres paranormais quando em presença às demais espécies. O que acontece é que o ductu de um vampiro é de intensidade deveras maior.

 É possível tirar a vida de seres vivos — mais ainda: de seres humanos — apenas direcionando a eles o temor natural? Até então eu acreditava incerto, porém ao passar a conviver com minha senhora, vejo tal possibilidade realizada. Cayme manuseia sua natureza com tanto virtuosismo que direciona o pânico como arma pontuda, frontalmente ao coração daqueles presentes. A única maneira de sobreviver a tal ataque é usar o anti-ductu a tempo, coisa que só seres paranormais são capazes de fazer.

 É claro, uma vez que ela não intencionalmente dirige o terror ao coração de Carter, este permanece vivo. Apenas os guardas perecem.

 Minha senhora, sorrindo calmamente, caminha de modo lento e misterioso até a cadeira de nosso cliente charlatão. Este se retrai e se retrai até a física não o permitir mais. Pobre coitado. Mal sabe que o temor que sente não só é dado à situação, mas consequência natural do ductu de um vampiro.

 Vou lhe dizer de modo franco: até eu estremeço diante de tal intensidade.

 — Mas agora que esta coincidência ocorreu... Podemos trocar palavras de modo civilizado. Sem o som de balas ou seguranças gritando.  Me diga, mr. Carter... — Ela olha diretamente nos olhos dele. Posso sentir o frio na espinha que imagino que ele sente. Quando de perto nota-se a cor única de seus olhos, cinza e amarelada, cor esta desumana, particular de um vampiro.

 — Me diga, mr. Carter: quando entregou aquela maleta com nosso pagamento no domingo... Quando o fez não esqueceu de alguma coisa?

 — Eu... Eu... Por favor...

 Minha senhora encosta levemente na cabeça de Carter como uma troça. Ele contorce o rosto, fecha os olhos e espera o pior. Ela apenas sorri e dá um passo para trás, soltando-o.

 — Tudo bem... Tudo bem. Posso imaginar que o senhor tenha esquecido. Ou tenha contado errado. É isso. — Ela coloca a mão sobre o queixo — Deve ter contado errado as notas. O que o senhor acha?

 — Olhe... Se é dinheiro que vocês querem eu...

 — Shhh. Não estamos nos excedendo? Eu estou falando aqui, mr. Carter.

 Ele faz silêncio imediato.

 — Esqueça, mr. Carter. O que eu quero não é o resto do dinheiro. Vou deixá-lo com você... Fica como um presente do início de nossa relação. Um brinde ao primeiro de muitos negócios! O princípio dos negócios merece um bônus, não acha?

 Daniel Carter está com uma mão em seu bolso, fitando esbaforidamente minha senhora enquanto esta balbucia. Ela aproxima-se e tirando forçadamente sua mão do bolso, toma dele seu telefone.

 — Este é seu celular? Seu número ainda é o mesmo, não? Vamos fazer o seguinte, mr. Carter: vou enviar um telefonema a você com algumas instruções. Se quiser se redimir é melhor segui-las. Em outras palavras você não tem escolha se não segui-las.

 Minha senhora lhe lança olhar gelado como a morte.

 — Não pense em tentar me passar para trás de novo, mr. Carter.

 Ele empalidece enquanto a encara. Ela se distancia com um sorriso.

 — Brincadeira. Eu sei... Você errou as notas, não lembra? Isso... — Ouvimos batidas do outro lado da porta. Ignoro-as, pois sei que a estante a segura — Então o que estou fazendo é apenas pedir um favor a você. Afinal o que é uma relação de negócios senão uma troca de favores? Enfim... O que vou pedir que você faça é o seguinte.

 Ela lança o celular de Carter nas mãos dele novamente.

 — Quero que você contrate duas pessoas para um certo trabalho. Dois mercenários. Eu sei, eu sei... O custo é alto. Mas ei... São só dois. É mais baixo do que se você tivesse que pagar o restante, não é mr. Carter? O que acha?

 Muito relutantemente, seu rosto apavorado consegue se mexer minimamente, vagamente lembrando aceno afirmativo.

 — Ótimo! Então fique com os ouvidos atentos. É só seguir as ordens e não vamos mais aparecer repentinamente em sua casa.

 Ele instintivamente olha para o vidro estilhaçado. Torna a fitá-la quando ela muda o tom de voz para aquele gélido e abissal tom novamente:

 — Vamos deixar você e sua família em paz, mr. Carter...

 Minha senhora anda calmamente até a janela.

 — Tudo o que quero são alguns mercenários. Eu poderia contratá-los eu mesma, mas é preciso que elas pensem que o contratante é você. Hehehe.

 Minha senhora cantarola alguma música levemente para si enquanto aproxima-se da janela, onde me encontro.

 — Só isso. Vamos voltando, Shinobi?

 De prontidão, salto até a frente da casa novamente. Escuto-a proferir sua última frase ao derrotado trabalhador judiciário:

 — A propósito, meus pêsames pelos seus guardas. Deviam sofrer do coração não? O que acha que aconteceu? Não aguentaram a minha entrada dramática?

 Ela salta janela abaixo e corre em direção à entrada, até me alcançar.

 — Viu? Isso foi fácil e rápido. — Minha senhora dirige-se a mim enquanto tomamos nosso rumo de volta ao esconderijo anterior, localizado no centro da cidade.

 — E desnecessário, minha senhora. Eu poderia ter cuidado disso sozinho.

 — Está dizendo que dispensa minha ajuda, meu bebê?

 — De modo algum... Apenas... É incomum o próprio chefe do tráfico aparecer pessoalmente quando se trata de clientes inadimplentes, minha senhora. Deveria considerar deixar o trabalho sujo comigo apenas.

 — E deixar toda a parte boa com você? Hummm... Vou pensar... Pensei: Não, obrigada.

 — Corre o risco de se expor desnecessariamente. Lembra-te que Wilkinson, o Dragão e Verde podem ter olhos e ouvidos em qualquer lugar.

 — Então quanto menos eu der as caras melhor? É o que quer dizer? Tem razão... Com sua pele escura e sua experiência como assassino pode se esconder muito melhor do que eu durante a noite, meu bebê.

 — Minha senhora...

 — Falando no escuro da noite, ela está linda, não? A lua está cheia. Cheia como um puro vampiro gosta.

 — Minha senhora... Deveríamos virar por ali. Passamos a rua...

 — Ah. Não. Não vamos voltar para lá, hoje, meu bebê. Você não escutou o Carter? Ele disse algo sobre o Verde sem pensar? Não me diga que achou que não era uma informação importante que escapou?

 — Não esqueci. Mas não vejo o que poderia querer dizer com aquele nome. Nem vejo o que isto poderia ter a ver com o esconderijo, minha senhora. — Apresso o passo para acompanhá-la.

 Ela faz um sinal com o indicador para eu segui-la.

 — Apenas me escute até o final, Shinobi: por que Daniel Carter, tendo ciência que eu sou uma vampira, uma aberração...

 — De modo algum és uma aberração minha senhora... — Ela dispensa com um gesto minha cortesia:

 — ...Sabendo que sou uma aberração, por que volta para casa mesmo que saibamos seu endereço e mesmo que tenha roubado mais de metade do valor combinado? Ele acha que não vai haver repercussão?

  Fico silencioso. Não consigo imaginar um motivo que não singela burrice.

 — Porque ele já tem laços om outro distribuidor de Deluxes, meu bebê. Ele pensa em comprar nossos produtos a preço de banana e então delatar para seu distribuidor que tem nova concorrência no mercado. Desta forma o cartel se pronuncia e nós “sumimos” — ela faz um gesto transversal em sua garganta — do mapa, e ele fica com os produtos pelos quais pagou apenas um terço. Parece um bom negócio para mr. Carter, o que acha?

  Entendo! Carter também possui esquema de sua parte.

 — Então quando se ouve o nome “Verde” da boca dele dá para se ter uma ideia de com qual dos três ele está envolvido, não acha?

 — Sendo assim... É seguro assumir que Daniel Carter ainda entrará em contato com seu fornecedor visando tirar-nos do campo de trabalho não, minha senhora? Se planejava fazer antes, agora ainda mais. Não seria melhor voltar e...

 Fico um passo atrás e me viro na direção contrária, preparando-me para voltar e terminar o serviço. Mas Cayme para-me com um gesto.

 — Não! É melhor deixar as coisas como estão. De qualquer forma... Nesta altura Verde já deve estar sabendo então é por isso que não voltamos ao esconderijo de antes, mas sim, vamos a um novo.

 Entendo. A ideia era despistar o Verde desde o princípio.

 Após poucos minutos chegamos ao destino. Por fora é apenas um hotel regular. Nem muito chique e nem muito ordinário. Embora fique no centro não é construído em rua movimentada, o que é bom. Eu e minha senhora andamos a pé por preferência dela, que gosta de caminhar sob o luar. Mas eu não gosto da ideia de ela andar sem devida cobertura das asas. Não devemos chamar muita atenção. Felizmente temos escassez de público durante todo o percurso.

 Minha senhora está acostumada a não ligar para as aparências, mas aqui em cidade governada por traficantes com acesso a matadores de aluguel de conhecimento elevado... É sensato ter um pouco mais de cuidado. Não se mostra sua identidade em cidade onde há conhecedores dos seres paranormais.

 Uma vez no interior de nosso destino, o hotel chamado Pinnacle, as paredes internas são cor de pêssego. A brisa penetra levemente pelas janelas em seus corredores e sua atmosfera é relaxante. Nos dirigimos à recepção. A atendente faz já saber de quem se trata. Onde minha senhora consegue tais contatos? Se existe uma recepcionista ciente de nossa posição significa mais gente existente em quem depositamos confiança. Posteriormente devo fazer uma checagem na credibilidade da procedência da recepcionista.

 Somos guiados ao quarto encostado na parede do corredor do primeiro andar. Ao entrarmos é acionado um botão no controle da recepcionista e nova entrada é aberta na parede atrás da cama. A recepcionista nos faz os cumprimentos e deixa-nos a sós.

 A porta é pequena e desemboca em um corredor vasto, guiando a nova parte do hotel que embora se veja pelo lado de fora não tem aparente acesso por dentro.

 — Entendo. — Comento.

 Minha senhora salta rapidamente à minha frente, pousando no meio do corredor com classe.

 — Gostou? Os quartos aqui dentro são muito mais luxuosos, meu bebê. Se alguém viesse atrás de nós aqui custariam bastante a achar esta entrada, e tem uma saída para a rua de trás por aqui por dentro, se acontecer o improvável caso de sucederem.

 Sigo-a corredor adentro até chegarmos a um salão com poltronas de couro e uma mesa reluzindo de tão polida. Ela deixa seu corpo cair em uma das poltronas.

 — Ok... Agora está tudo resolvido. Agora falta só esperar e ver como Verde responde à nossa influência. Eu gostaria que ele abusasse na resposta. Faria minha reputação crescer em Sproustown.

 — Isso é perigoso, minha senhora. E não muda o fato que pelo menos Verde já sabe de nossa existência agora.

 — Hummm... Mas ele deve estar muito ocupado com a história do convite. Claro, a não ser que ele mesmo seja quem tenha recuperado o convite na segunda, mas acho difícil. O que acha?

 — Continuo achando perigoso, minha senhora.

 — Bobagem... Eles não vão nos encontrar aqui. Sente-se. Mas pegue um espumante no frigorífico primeiro. — Ela aponta para um frigorífico no canto da sala. Procedo como sugere minha mestra.

 — O que acontece é que negociamos com um cliente ruim, apenas isso. Mesmo assim saímos ganhando, Shinobi! Considere os fatos: nossa reputação crescerá por causa dos boatos. Espalhar-se-á por aí que existe um novo distribuidor de Deluxes e que este não pode ser passado para trás tão facilmente. Um bônus: consigo contratar dois mercenários sem fazer aparição pessoal ou de nenhum de meus homens de confiança. Você não ia querer contratar um mercenário você mesmo com o propósito de seguir ordens de um novo distribuidor não acha? E se esse mercenário fosse um agente duplo já trabalhando sob as ordens de outro chefe? Humm... Agora isso sim parece perigoso. O que acha?

 — Eu poderia cumprir os trabalhos dos mercenários facilmente, minha senhora.

  Ela me olha com descrédito.

 — Meu bebê... A grande dificuldade deste trabalho não está em sua complexidade de somente fazê-lo, mas sim na necessidade de fazê-lo sem mostrar a cara. Podemos sair de noite e invadir a casa de um cliente estando cientes que ele no máximo nos revelará para seu fornecedor e isso não vai significar grande coisa, pois se ele tem um fornecedor, este já está ciente de nós mesmo. Agora esta tarefa... Esta tarefa não pode ser atribuída a Cayme. Esta deve ser uma tarefa anônima.

 — E qual seria tal tarefa, minha senhora?

 Ela pressiona o espumante aplicando força extrema na ponta dos dedos no que a rolha escapa com pressão, indo parar no outro lado da sala, dentro da caixa do lixo apropriado.

 — Oh, você verá Shinobi... Isso você verá. Por agora... Apenas bebamos à nossa ascensão.

 — À nossa ascensão.

  Brindamos e a noite se dá por concluída.



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