Volume 1

Capítulo 1: Contrato

 

Em meio às trevas de um ambiente desconhecido por mim, um belo homem se encontrava sozinho lendo um livro, à luz de um velho lampião em cima da mesa onde ele estava. 

O motivo disso? Não fazia ideia — e, honestamente, nem me interessava. Recém havia chego, e a sala onde surgi me era estranha.

Havia lâmpadas espalhadas pelo cômodo, mas estavam todas desligadas. 

Hmmm... Pensando bem, a razão daquele homem não as ter ligado também era bem esquisita. Será que não tinha energia no recinto para deixá-las acesas?

Bom, seja como for, isso não fazia diferença para mim, pois eu, assim como qualquer outro demônio, podia enxergar no escuro.

E, por conta disso, pude notar que no local residia várias prateleiras, todas repletas de livros. Não havia poucas para ser considerada um acervo pessoal, mas também não tinham tantas para ser considerada uma biblioteca.

No entanto, sem sombra de dúvidas, este era um lugar que trabalhava da mesma forma que uma. 

Podia dizer isso com certeza, por conta das mesas e cadeiras dispostas atrás daquele homem, que eu observava por detrás de uma dessas prateleiras, e de um balcão à minha esquerda.

De repente, a porta à minha frente se abriu, e dela a luz de uma lanterna surgiu, acompanhada de um velho com semblante assustado.

— Ma-mas o que é isso?!?!?

Por um breve momento, meu coração — que não existia — se encheu de alegria ao ouvir claramente alguém falando em português brasileiro. Eu estava no Brasil!

Contudo, logo em seguida, me espantei com seu alarde. 

O idoso à minha frente se vestia com as vestes de um padre e parecia ter notado a minha presença, afinal me encontrava em uma posição em que podia ser visto nitidamente por ele.

Normalmente, não precisaria me preocupar com isso, pois humanos comuns não conseguiam nos ver. A menos que nos revelássemos para eles, claro.

Entretanto padres — religiosos no geral — eram exceção. Podiam nos ver independentemente se nós nos apresentássemos ou não. 

E eu nem precisaria dizer o que alguém desse tipo faria com um demônio como eu, né? Seria expurgado!

No entanto o velho apenas fechou a porta atrás dele e seguiu em direção àquele homem, que calmamente lia o livro, como se não o tivesse escutado antes. Provavelmente, deveria estar muito imerso em sua leitura.

— Frederico de Melo, é você? O que está fazendo aqui a essas horas da noite?

Soltei um suspiro de alívio, parecia que ele não havia me visto. Sobrou para Frederico agora — kikiki, que nome engraçado.

Ele, com um sorriso simpático no rosto e uma certa surpresa no olhar, levantou a cabeça. 

— Ah, nada demais, coordenador. Estou apenas lendo um pouco, e o senhor?

— Nã-não é da sua conta… Digo, apenas fazendo a mesma patrulha de sempre. Sabe, o seminário está fechado, a luz foi cortada e não tem mais ninguém por aqui. Se era só isso que queria fazer, não era mais fácil voltar aqui amanhã de manhã?

— Até era, mas vocês não emprestam livros, e tinha um que eu estava morrendo de vontade de continuar lendo. Estava no ócio, então decidi vir aqui, pois, sabe como é, “mente vazia, oficina do diabo”, hahaha.

— Hm. — Seu tom demonstrava total desinteresse pelo que lhe foi dito. — E o que está vendo aí?

— “A Gaia Ciência”.

— Nietzsche? Mas você já estudou filosofia há muito tempo atrás. As provas finais deste último ano são de teologia, era isso que deveria estar estudando.

— Eu sei, e estou fazendo isso sempre que possível, mas alguns dos filósofos que estudei nessa época acabaram se tornando fonte de meu interesse, e por hobbie venho lendo algum de seus livros. Este que estou lendo, por exemplo, é bem interessante.

“Nele, o filósofo expõe seus conceitos acerca de arte, moral, história, política, conhecimento, religião, mulheres, guerras, ilusão e verdade. É aqui que aparece, pela primeira vez, sua teoria sobre a morte de Deus.

“Argumenta-se que a moralidade e os significados tradicionais perderam sua justificação divina, exigindo que os indivíduos busquem novas formas de dar sentido à existência.

“E eu não o culpo por pensar assim, não culpo as pessoas por estarem perdendo a fé na religião. A figura do Senhor está sempre em pele de fieis leprosos.

“Se lembram da nossa cruz para ir ao pódio, mas em seus olhos há um ódio diabólico. Eles pecam, pedem por perdão e, assim que perdoados, voltam a cometer os mesmos erros. Isso quando se arrependem, é claro.

“O mundo vem se tornando um lugar cada vez mais violento, e é tanta pessoa má que sai impune de seus atos que às vezes até eu me pergunto se Deus realmente está morto…”

— Basta! 

O coordenador bateu a palma da mão na mesa, fazendo a pequena chama do lampião em cima dela ondular. 

— Não sei o que deu em você, mas devo lembrá-lo de que o único motivo de ter estudado esses ateus é para poder ouvir suas baboseiras e contra-argumentar as possíveis confusões que elas podem causar nos fieis. Eu não tolerarei um seminarista do meu curso desvirtuando do bom caminho, por causa de ideias tão blasfêmicas!

— Nã-não seja tão limitado, padre! Peço que não se engane a meu respeito. Deus é a verdade, Deus é o caminho. Jamais disse que concordava ou de que pensava da mesma forma do que aquilo que acabei de dizer…

— Afffff…

Após um longo suspiro, o coordenador esfregou os olhos com dois dedos e se acalmou. 

— Olha, filho… vou te dizer a verdade. Você tira as melhores notas da sua sala e é, de longe, o melhor de todas as classes que este seminário administra. A coordenação do curso tem grandes expectativas em ti, por isso irei fingir que nunca tivemos esta conversa. Nem eu nem você estivemos aqui, combinado?

— Ce-certo! Muito obrigado, padre.

— Ótimo... Agora, saia daqui o mais rápido que puder e nunca mais volte a ler algo desses pecadores. Quando voltar para o seu quarto, ore três ave-marias e dez pais-nossos para te livrar da tentação.

Frederico assentiu e, com um sorriso triunfante, o coordenador se retirou do local, alegando que tinha coisas para fazer. 

Assim que a porta se fechou, o homem certificou-se de que estaria só e desfez aquele lindo semblante simpático. No lugar, um rosto frio e amargurado se formou.

— Mas como sou idiota! Por que fui sincero com ele? Por que achei que ele entenderia o meu lado? POR QUE CARGAS D’ÁGUA ELE VEIO PARA CÁ???? Supostamente, não era para ter ninguém no Seminário neste horário! “Patrulha”? Tá bom, nunca tinha ouvido falar disso antes!

Como que para descontar a sua frustração, Frederico pegou o seu livro e repetidamente bateu ele contra a sua cabeça. 

— BURRO, BURRO, BURRO!

Sua sessão de auto-punição durou por um breve período de tempo, o suficiente até ele se acalmar. Pôs o livro sobre a mesa e, ao reclinar-se na cadeira, olhou para o teto.

 — Afffff… deu tudo errado…

Permaneceu assim por mais um tempo, com um rosto pensativo, enigmático, até que subitamente se levantou da mesa.

Pegou seu livro e veio em direção à prateleira onde eu estava escondido.

Quando ia guardá-lo no lugar, o derrubou no chão. Seus olhos se arregalaram em surpresa ao… me ver?!?!?! 

— AHHHHHHHHHHH!!! — Frederico caiu de bunda no chão.

Por ser apenas um seminarista — ainda estou tentando entender isso — e ter a fé abalada, pensei que não pudesse ser visto por ele… Mas o julguei errado. 

Jamais cogitei a possibilidade dele poder ter o dom de enxergar demônios! Quer dizer, as chances de um ser humano poder ter essa habilidade eram tão baixas que nem cheguei a mencionar ela anteriormente…

Mas, enfim, quando me dei conta, já era tarde demais.

Frederico habilmente havia rastejado de costas até a mesa onde estava antes — ficava perto da prateleira em que me encontrava atrás — e pegou aquele velho lampião de cima dela.

Recitou algo na linguagem sagrada — latim —, e alguma força sobrenatural me empurrou. Tentei resistir, mas de nada adiantou. Acabei sendo sugado para dentro daquele objeto nas mãos do seminarista.

Lá, na esperança de poder sair, bati no vidro e fiz muito barulho. No entanto a prece que ele tinha feito havia sido muito boa. Foi forte o suficiente para conseguir me selar ali.

— No-nossa… funcionou! — Soltou uma risada convencida e recuperou sua pose. — Não que eu duvidasse da minha capacidade, é claro. Sabia que conseguiria, afinal estudei um pouco sobre exorcismo no primeiro ano do seminário.

De repente, comecei a subir, como se estivesse em um elevador. Ele havia se levantado.

— Humano desgraçado! O que você pretende fazer!?

Diante daquela tela de vidro, tudo o que podia ser visto naquele instante era o seu cabelo preto, a sua pele branca e os seus olhos — de íris castanho-escuro — me observando, enquanto arfava.

— … Hm? Ora, eu não tenho poder para fazer mais do que te aprisionar aí. Então irei te levar ao coordenador do meu curso, para ele dar um fim em você. 

Irritado, rangi os dentes e continuei batendo no vidro. — Verme maldito! Tire-me daqui! Deixe eu sair!

Esperneei-me, fiquei agitado, mas todo meu protesto foi inútil. Acabei sendo ignorado por completo por aquele ser inferior que, antes de sair do cômodo à procura de seu coordenador, murmurou para si mesmo:

— Supostamente, não deveria ser possível você vir para cá. Então por que está aqui?...

Essa era uma pergunta que também martelava a minha cabeça, dado a tudo aquilo que vi e ouvi até então.

À medida que Frederico buscava o padre, cruzando corredores e entrando em salas comigo em mãos, ficava cada vez mais evidente o motivo de tamanha estranheza: eu estava em um Seminário Católico! 

Quer dizer, normalmente, demônios que subiam ao mundo humano pelo mesmo método que eu surgiam em ambientes ruins, de vieses tortos e más vibrações, próximos de pessoas que emitiam essa mesma sensação.

Então como acabei aparecendo na biblioteca de um lugar destes? Demônios não podiam colocar os pés dentro de lugares sagrados ou protegidos por Deus.

Para minha sorte — ou por uma piada de mau gosto —, estar dentro deste lampião me protegeria de qualquer punição aplicada a mim. 

Sem ter o que fazer, sentei-me com as pernas cruzadas e observei a paisagem à minha frente. 

Frederico usava roupas casuais, compostas por camisa do curso, calça longa, meias e sapato fechado.

E, olhando bem para seu rosto, ele parecia ter algo entre vinte cinco ou vinte seis anos…

— Ah, coordenador!

Sua busca acabou quando entramos em um corredor e o vimos prestes a entrar naquela mesma sala onde estávamos no início.

— Estava te procurando. Gostaria de falar com o sen…

O padre congelou no lugar. Ao seu lado, havia uma criança com as vestes de coroinha.

O garotinho parecia assustado. Estava todo pálido e com os olhos bem arregalados, como se dissessem: “Ajude-me…”.

Ah, sim, naquela hora eu entendi. Aquele era realmente um ambiente digno de demônios surgirem, kikiki.

— O-o que é isso, coordenador? O que o senhor está fazendo???

— A-ah… Espera! — Era perceptível, suor frio escorria de sua testa. — Nã-não é isso que você está pensando! E-eu só estava… — Seus olhos vagavam de um lado para outro, como se estivessem buscando por uma boa resposta para dar.

— Não diga mais nada! Agora tudo faz sentido. Realmente, não era para ter gente aqui neste horário… Você também sabia disso!

— O-Olha, cuidado com o que você está me acusando…

— Uma ova! Amanhã mesmo irei te denunciar à diretoria! 

O coordenador baixou a cabeça, e Frederico se voltou para a criança. 

— Não se preocupe, o homem malvado não vai te machucar mais. Poderia vir comigo? Tentarei achar uma forma de chamar os seus pais para virem te buscar.

O garoto assentiu com a cabeça e caminhou em direção ao Seminarista. Mas foi impedido por uma mão apertando o seu ombro. Era o velho, emanando um certo odor podre que só eu poderia sentir.

— Você não vai para lugar nenhum.

Ele levantou o rosto e olhou para Frederico. Esboçava uma expressão irritada… diabólica! Digna de um verdadeiro demônio. 

— Quem você pensa que é? Com quem você acha que está falando? Eu sou a porra do seu coordenador de curso. O seu sucesso depende de mim, posso muito bem te reprovar e dificultar as coisas para o seu lado!

— Isso deveria ser uma ameaça? É ridículo! Quando eu te denunciar, você não terá qualquer influência aqui!

— Mas como é ingênuo… — Um sorriso cheio de malícia surgiu em seu rosto. — Você acha que só eu faço isso? Há toda uma rede de apoio! Tem gente da chefia daqui participando. Podemos muito bem te expulsar e fazer com que jamais entre em outro seminário. Já pensou como seus pais se sentiriam sabendo que seu filho jogou fora todos os seus esforços?

Quando sua ficha caiu, Frederico começou a perder as estribeiras. 

— Ma-mas… você disse que a coordenação esperava muito de mim… Eu sou o melhor da sala, o melhor de todo esse seminário! Vo-vocês não podem fazer isso comigo… Não assim, do nada!

— É engraçado, você fala como se fosse único. Mas milhares de pessoas  iguais a ti já passaram por nossas mãos, e nem todas atingiram as nossas expectativas. Estamos acostumados com a decepção e, além do mais, não foi você quem entrou de fininho na biblioteca para ler livros duvidosos e alegar profanações, como “Deus está morto”?

— Não… não foi isso que aconteceu… Você só está distorcendo as coisas que te contei!

Com uma expressão sádica ao ver Frederico se remoendo em dúvida, o velho soltou uma não tão alta risada de satisfação e se aproximou dele, ainda com a mão no ombro da criança. 

— E então? O que vai ser? Ainda planeja me dedurar para a diretoria?

O Seminarista rangeu os dentes. Só Deus sabia o conflito que se passava dentro dele. Infelizmente, eu não.

— Tsc! — Após estalar com a língua, fechou os olhos, virou o rosto para o lado e permaneceu em silêncio.

— Muito bem…. agora saia daqui. E lembre-se: nem eu nem você estivemos aqui.

O velho deu dois tapinhas de leve na bochecha de Frederico, e eu, nessa hora, tive uma crise de riso. Que invertida maravilhosa!

Ele nem sequer me ouviu — como poderia? — e, em seguida, seguiu com a criança até a biblioteca

Ela começou a tremer; seus olhos estavam cheios de lágrimas. E, por um segundo, Frederico viu isso — de relance, mas viu.

Pergunto-me se nesse curtíssimo período de tempo o seminarista chegou a notar o olhar esperançoso que o garotinho fazia para ele. Eu adoraria saber isso…

No mesmo instante em que a porta daquela sala se fechou, o homem deu meia volta e começou a andar pelo corredor, provavelmente obedecendo as ordens de seu superior.

— KIKIKI! — Eu não parava, comecei a rir cada vez mais alto.

— Cala boca… — murmurou Frederico.

— Kikiki… E por que eu deveria? Tem medo que seu amiguinho me escute? Não se preocupe, ele não irá. Seus atos tiraram a sua proteção divina, ele não serve mais a Deus… KIKIKI.

— Eu mandei você calar a boca!

Seu grito ecoou pelo corredor. Mas, diferente das ondas sonoras que propagavam a sua voz, o homem permaneceu parado no lugar.

— Kikiki, então agora você me responde…

Olhei para cima e o vi. Seu punho se fechava com força, enquanto que algumas poucas lágrimas escorriam de seus olhos. 

Angústia e frustração. Esse sujeito era bem complexo, ele tinha substância… Gostei, faria dele o meu novo contratante. 

Mas, para isso, deveria me aproveitar deste momento de impotência para tentar firmar um contrato com ele. Logo contive minha risada e perguntei:

— Você gostaria de deixar de ser fraco e fazer alguma coisa?

Ao ouvir a minha pergunta, Frederico permaneceu em silêncio. Mas seu punho, que antes estava fortemente cerrado, agora levemente se desafrouxava. Continuei:

— Por um certo preço, posso te emprestar um pouco do meu poder…

— Jamais faria um pacto com o diabo.

— Então preferes ir embora e deixar aquela criança nas mãos daquele “padre”? Vais aguentar o peso da culpa que carregarás consigo? Você poderia ser a salvação daquele garoto, sabe…

— Deus é a salvação…

— E o que Ele está fazendo neste exato momento para impedir que algo tão ruim aconteça com aquela pobre criatura?

— Bo-bom, eu… eu…

Sua mão finalmente se abriu, e as lágrimas em seus olhos pararam de cair. Finalmente deve ter caído na real.

 — Affffff… Certo… o que você quer em troca? — Peguei-te!

— Ora, nada demais. Quero acesso total a todos os seus sentidos, sentimentos, memórias e pensamentos.

— Tu-tudo isso?!

— Surpreso? Devo lembrar-te um demônio, em um pacto, pode impor qualquer condição, desde que ela seja proporcional ao poder que ele está emprestando. Então se essas foram as minhas requisições…

— Nã-não sei, não…

— Ah, vamos! Pensa só: aquele velho lá atrás dedicou-se durante anos nessa profissão e, sem fazer qualquer pacto com o diabo, se tornou daquele jeito. Então que diferença faz ter ou não um acordo comigo? Você é um cara especial, posso sentir isso, farás um bom uso de meu poder…

Frederico permaneceu imóvel por um momento, analisando a oferta, talvez. Respirou fundo e hesitante respondeu:

— Tá certo… eu aceito a sua proposta.

Começou a chover. Por uma janela à esquerda, que percorria todo corredor, era possível ver. Uma fina chuva começou a cair.

Soltei um sorriso de ponta a ponta; já estava na hora de eu começar a agir.

— Então tire-me daqui para podermos firmar nosso acordo…

Não era tolo. Sabia que agora estaria seguro, conquanto estivesse perto dele. Demônios conseguiam ficar em lugares que não podiam, se próximos da pessoa com quem fizeram o pacto, afinal.

Em um piscar de olhos, o selo foi quebrado, e lá estava eu diante de Frederico.

Estiquei minha mão, e ele com um certo receio a apertou. Do aperto de nossas mãos, uma labareda de fogo surgiu. 

Mas, quando finalizamos o gesto, ela sumiu, deixando para trás um pedaço de papel e uma pluma, na palma do seminarista.

Por ter adquirido total conhecimento acerca de Frederico, como indivíduo, pude perceber a sua leve confusão, inquietação e curiosidade a respeito dos objetos em sua mão. Que maravilha!

— Mas o que é isso? — o homem perguntou.

— Uma fração de meu verdadeiro poder.

— E o que ele faz?

— Hm… Por um acaso, você sabe o nome completo daquele velho asqueroso?

— Sim.

— Então escreva-o nesse papel.

— Por quê?

— Apenas faça isso e verás…

Quando a ponta da pluma — que estava encharcada de sangue — atingiu o papel, a porta da biblioteca se abriu bruscamente.

— QUE BARULHEIRA TODA É ESSA? — O coordenador saiu da sala, sem a companhia do garoto, e distante dirigiu a palavra a Frederico. — Seu idiota! Desistiu de ir embora? O que ainda está fazendo aqui???

Aquela chuva lá fora, que tinha começado fina, agora começou a aumentar.

— Queira me desculpar, verme. Mas, quando planejava voltar para o meu dormitório, acabei parando no meio do caminho. Enfim havia encontrado a resposta daquilo que tanto me perguntava…

— … O quê? Frederico… você enlouqueceu!?

— Não… nunca estive tão são. Deus está morto…

Do lado de fora, naquele mesmo instante, uma tempestade violenta se iniciou.

— … E CABE A MIM RESSUSCITÁ-LO!

Enquanto escrevia o nome completo daquele velho, no pedaço de papel, um raio caiu, iluminando por um breve momento a minha silhueta.

— Ah… — A boca do velho se abriu, mas tudo que conseguiu proferir foi um grito interno. Ele havia ficado paralisado de medo, muito provavelmente pela minha breve aparição.

Quando terminou de escrever, a pluma e o papel viraram cinzas, e o seminarista — que antes estava de costas — virou-se para o idoso.

De repente, um círculo de fogo se formou ao redor do alvo de Frederico. De dentro dele, braços cadavéricos surgiram e começaram a pegar nas pernas do pobre senhor.

À medida que eles o puxavam para dentro do chão, o velho — que parecia entender o que estava acontecendo — em desespero esperneou, tentou se livrar de seu destino selado. Mas foi tudo em vão.

Os braços o continuaram puxando. E só pararam quando o corpo dele esteve completamente submerso na terra.

Após isso, eles sumiram, da mesma forma que aquele círculo de fogo. Tudo havia voltado ao normal, como se nada tivesse acontecido.

Frederico ficou em choque com aquela cena, com os olhos aterrorizados. 

— Eu… eu não entendo… O que foi que eu fiz? 

— Ora! Você escreveu o nome dele em um pedaço de papel, a folha virou cinzas, como se tivesse sido queimada, e… você o arrastou para o inferno.

— Então isso quer dizer que… eu o matei?!

— Pode-se dizer que sim. Você ocultou o corpo dele e arrastou a alma direto para o inferno. Um assassinato perfeito, eu diria.

— I-isso… isso não tem como ser verdade… Como irei para o seu agora?!

— Kikiki… Não se faça de desentendido. Estudaste sobre isso, sabes que, no momento em que firmou um contrato comigo, a sua alma já foi condenada ao 8° círculo do inferno, Heresia.

— Ma-mas se eu for bom e a usá-las apenas para o bem…

— Esqueça. Independente do que você fizer aqui no mundo humano, você irá parar lá, sem julgamento prévio.

— “Como essas almas não seguiram o caminho da vida eterna, elas estão presas para sempre”...

— Exatamente. Essa é uma bela passagem, não? Kikiki. E pensar que se tivesse me rejeitado, sua alma estaria salva e seria devidamente julgada…

Quando a sua ficha caiu, de que eu apenas o havia enganado, Frederico despencou de joelhos no chão e se tremeu todo. Quase vomitou, mas segurou a sua ânsia.

Um milhão de coisas se passaram por sua cabeça. Infelizmente, não consegui as acompanhar, de tão rápidas que transitavam. 

Mas, de repente, tudo ficou em ordem. Seu corpo parou de tremer, e em seus olhos podia-se ver a mesma frieza de seus pensamentos atuais.

— Hmpf, tanto faz. Ele fez por merecer. E se fosse para impedi-lo novamente, eu novamente faria um pacto com o diabo, qualquer um que fosse.

— Hã?

Geralmente, para escolherem as suas vítimas e aparecerem para elas, com uma proposta, demônios podiam sentir o cheiro da energia negativa exalada pelos humanos. E esse aroma pútrido começou a ser liberado por Frederico. 

No começo, quando o senti no seminarista pela primeira vez, assim que o conheci, era tão fraco que mal podia ser sentido.

Mas agora parecia que os portões do inferno haviam se aberto para mim — e não num bom sentido, por incrível que pareça. Estava tão forte que até eu tive que tapar o nariz. Fiquei levemente enjoado!

Ele, por outro lado, estava em êxtase. Inibindo qualquer sentimento negativo, levantou-se e proclamou:

— Mas agora, com esta habilidade que me foi concebida, criarei um mundo justo e benevolente, onde o bem sempre prevalecerá sobre o mal!

“Darei vida a um universo onde a maldade não passará de uma lembrança distante, uma sombra fugaz que nunca se materializa.

“Pecadores estarão presos em um ciclo interminável de dor, lutando contra forças que não podem vencer, pois teriam a certeza de que seriam punidos.

“Enquanto que os fiéis de verdade, esses seguirão o caminho da vida eterna!”

— Então... você deseja se tornar o Deus desse novo mundo que pretende criar? — perguntei de intrometido, curioso para saber se uma mesma história voltaria a se repetir.

— Ora, não seja ridículo! Você sabe muito bem o que aconteceu com o último que almejou esse cargo. — Ô se sei... atualmente ele é o Rei demônio, afinal. — Eu serei um Mártir que guiará as pessoa para o único e verdadeiro Deus!

Frederico soltou uma risada frenética, e eu não pude deixar de gargalhar também.

Eu vim pelo cobre, mas no fim... encontrei foi ouro!

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora