Infernalha Brasileira

Autor(a): San


Volume

Capítulo 23: Entre Lagrimas e Sangue.

 Ao atravessarem a fenda, os quatro guerreiros se depararam com a calma e acolhedora visão do grande castelo, onde Rameel os esperava.

— E aí, Rame… — Antes que Hayakaz pudesse terminar de falar, a exaustão finalmente atingiu os quatro, fazendo os quatro, incluindo Arthur, caírem de cansaço.

  Em poucos instantes, Rameel convocou os médicos e os levou para a enfermaria, praticamente os transformando em múmias de gesso, com todas as suas feridas fechadas por magias e ataduras.

— Isso tá ficando mais comum do que deveria, né não? — perguntou Rameel, apoiado na porta da enfermaria enquanto comia uma maçã por baixo da máscara.

— Eu não esperava que a desgraça do Papa fosse aparecer… — falou Hayakaz, com somente a boca desenfaixada.

— Bom, era o ritual de um herói lendário. Seria estranho ele não supervisar. — Hexoth tentou se sentar, mas seus ferimentos o forçaram a voltar para a posição inicial. — Argh!

— Por que raios estamos tão feridos?! Nós mal nos machucamos nesse combate! — gritou Garrik, tentando pegar um copo de água na escrivaninha ao seu lado, mas falhando completamente.

— Bom, vocês tiveram dias muito… corridos? Enfim, suas feridas nunca se recuperaram completamente, então elas foram se acumulando até chegarmos aqui. — Rameel terminou sua maçã e a arremessou na lixeira do outro lado da sala. — Cesta de três pontos!

— Então… Quanto tempo a gente fica aqui? — Hayakaz colocou os braços atrás da cabeça, aproveitando para se espreguiçar.

— Ah! Coisa simples, só uns três dias…

— Três dias?! — Garrik e Hexoth falaram juntos, arregalando seus olhos.

— Ou! Aquietem ai! Se não vai ficar pior!

— Não tem algum jeito de acelerar isso não? — Hayakaz retirou a faixa de seus olhos, reacostumando com a claridade.

— Tem um tratamento, mas é melhor não. Ele tem uma grande chance de ser fatal…

— Oh droga… — suspirou Hexoth, relaxando seus músculos na cama.

 De repente, passos pesados foram ouvidos no corredor, junto ao forte ranger do metal. Então, Arthur colocou seu rosto para dentro da enfermaria, não tendo ferida alguma.

— Estão se sentindo melhores? — disse ele.

— Arthur? não devia tá numa cama também? — falou Hayakaz.

— Ah! Sobre isso, a minha bainha regenera minhas feridas.

— Por que todo mundo tem essas coisas legais?!

— Enfim, eu queria conversar com vocês, principalmente com você. — Arthur mirou seu olhar em Rameel, que rapidamente foi até ele.

— Faz vista grossa pra mim, me quebra essa, cara! — sussurrou Rameel, suplicando.

— Certo… Depois conversaremos sobre isso, Preguiça… Enfim, ainda precisamos conversar sobre a senhorita Sanarion, sobre o que ela andou fazendo…

— Então você já tá sabendo… — Rameel se afastou, coçando sua nuca como se estivesse receoso sobre algo. — Certo. Eu pretendia falar disso quando vocês estivessem regenerados, mas parece que o cerco fechou.

— Rameel… o que aconteceu? — Hexoth calmamente perguntou, com um olhar preocupado no rosto.

— Desde que vocês foram para Flammendorf, ela atacou diversas cidades, um caos completo.

— Ela fez o que?! — Garrik rapidamente se sentou, para logo cair para trás pelos ferimentos. — Argh!

— Ela lançou ataques surpresa em muitas cidades, as destruindo completamente. A contagem de inocentes mortos já passou de três mil… — Rameel abaixou sua cabeça, envergonhado pelas ações de sua ex-companheira.

— Três… mil… — Hayakaz arregalou os olhos, gritos de milhares de pessoas ressoaram em sua cabeça, o gosto do sangue passou pela sua boca.

— Fora que, na última cidade, ela deixou um recado para vocês.

— Um recado? — Garrik fixou seus olhos em Rameel, já que não podia se levantar para tal.

 Rameel retirou um cristal de seu bolso, os lordes rapidamente o reconheceram, era um cristal de projeção. Com o levantar da mão, o cristal começou a absorver mana de Rameel, projetando uma imagem diante deles.

 Era uma visão de dar calafrios, revirando o estômago dos três. Diversos corpos humanóides, de crianças a idosos de todos os gêneros, estavam despojados de maneira que formassem as palavras “Mizuhara”. O sangue deles escorria de seus corpos, formando um imenso mar vermelho.

— Mas que porra… — Os olhos de Hexoth espressavam seu desgosto com a cena. Nem mesmo o mais brutal dos lordes chegaria a tal.

— “Mizuhara” — repetiu Hayakaz, tentando chegar em alguma conclusão. — Essa é a cidade que a gente lutou com o Azazel…

— Espera… Se ela está trabalhando com o Adão, e ela quer que a gente se encontre em Mizuhara, então o Adão… — concluiu Hexoth.

— Não… Adão é outra pessoa… — disse Hayakaz, cortando a linha de raciocínio de Hexoth. — Azazel se arrependeu quando vencemos ele…

— O que? Você tá defendendo o Azazel?

— Tenho meus motivos — concluiu Hayakaz, com um olhar sério em seu rosto.

— Voltado ao foco. — Rameel chamou a atenção de todos. — Em breve a gente vai ter que ir pra Mizuhara, não podemos arriscar mais vidas.

— Mas isso não colocaria a própria cidade em risco? — perguntou Hexoth.

— Mizuhara foi uma das primeiras cidades a ser destruída, agora é uma enorme ruína.

— Entendi…

 No silêncio que se seguiu à revelação de Rameel, Arthur absorveu a ideia de que Sanarion havia se rebelado contra os lordes. Uma sombra de preocupação cruzou seu rosto, revelando a complexidade das emoções que o envolviam. Contudo, em um gesto de resolução, ele ergueu o olhar para seus companheiros.

— Estamos diante de uma ameaça formidável — começou Arthur, sua voz carregada de determinação. — Para vencer, precisamos elevar nossos poderes, nossas habilidades. Estou disposto a ajudar, mas com uma condição.

— Condição? Essa é nova, diz aí! — Hayakaz o mirou com atenção.

— Eu irei treiná-los pessoalmente. — Arthur então cruzou os braços, jogando a proposta para os três.

 Ao ouvirem a proposta de Arthur, os lordes foram tomados pela preocupação. Eles sabiam que aquilo seria um treino espartano, capaz de matá-los se falhassem.

 Após pensarem por alguns segundos, os lordes trocaram olhares de aceitação, reconhecendo a necessidade de elevar seus limites diante da iminente ameaça. Concordaram unânimes em submeter-se ao treino proposto por Arthur.

— Calma… nós não temos tempo! — disse Hayakaz, se dando conta da limitação de tempo. — Se treinarmos, vamos demorar demais para enfrentar ela, já que a gente vai ficar três dias aqui.

— Merda! Ele tem razão! — Hexoth colocou a palma no rosto, procurando uma solução. — Espera! Rameel! Você disse que tinha um trata…

— Não mesmo! Aquilo é suicidio! — gritou Rameel, cortando a fala de Hexoth.

— Rameel… — Hayakaz olhou para Rameel e calmamente continuou. — Nós não temos escolha.

— Não vem com essa! Esse ritual só vai remediar! Vocês querem se matar?!

— Não vamos permitir que ela mate mais inocentes…

 Rameel olhou ao redor, buscando alguém que também discordava da ideia, mas só encontrou olhares determinados a se sacrificarem pelo bem dos outros.

— Aaaargh! Certo! Eu vou fazer isso, mas vocês estarão por suas contas em risco! — disse ele, erguendo suas mãos.

 Em instantes, uma névoa roxa começou a emanar do corpo de Rameel, envolvendo os lordes. Foi então que a névoa adentrou por suas feridas, invadindo suas correntes sanguíneas e órgãos, os forçando a se regenerar. Os três ficaram estáticos, envolvidos pela fumaça macabra que os envolvia e absorvia.

— Argh! Aaargh! — De repente, os três começaram a convulsionar, espumando pela boca e tendo espasmos por todo o corpo.

De ferro é sua carne… de fogo é seu sangue… — Rameel começou a recitar o encanto, criando círculos de magia por toda a pele dos lordes. — Seus órgãos são o carvão mais quente… seu coração a forja… Tão frio quanto a morte… tão quente quanto o inferno…

 De repente, os três pararam de tremer, voltando à estaticidade anterior. Foi então que um brilho roxo tomou conta de toda a sala, tornando impossível enxergar algo dela.

¡Dios de La Maquina!

 Quando Hayakaz acordou, a noite já havia chego, seu corpo estava pesado, mas nenhuma faixa o cobria, indicando êxito no ritual. Ao se dar conta do ocorrido, ele saiu correndo da enfermaria, aproveitando o corpo sadio.

 Não longe dali, Hexoth e Kagura estavam sentados observando as árvores. Eles apreciavam a calmaria de antes da enorme tempestade. 

 No crepúsculo da jornada que se desenhava, Hexoth dirigiu-se a Kagura com uma seriedade que pesava no coração.

— Pequena… Essa missão que nós iremos…

— Eu soube, senhor… A investida final contra Adão e Sanarion — interrompeu Kagura, adiantando a conversa.

— Sim… Eu queria conversar com você sobre isso. — Hexoth agora portava um olhar que exalava seriedade. — Essa missão é uma guerra entre a vida e a morte, e caso eu não volte…

— O senhor vai voltar…

— Caso eu não volte, tudo o que é meu será seu.

— O senhor vai voltar! — gritou a garota, já não conseguindo conter suas lágrimas.

— Kagura… Faça isso por mim… é meu único pedido

— Eu… — Entre hesitação e determinação, ela concordou, aceitando a carga emocional que aquele compromisso carregava.

— Me desculpe por passar tão pouco tempo com você, eu queria…

— Você vai passar mais tempo comigo quando voltar de lá! Vivo! — ordenou a garota.

 Hexoth então fixou seu olhar na garota em sua frente. Ela havia evoluído muito, de uma garota submissa que aceitava seu destino sem dizer uma única palavra, para uma filha incrível, que lutaria com toda sua força para defender aquilo que a pertencia.

— Sim… Eu vou! — concluiu ele, também não conseguindo conter mais as lágrimas.

Enquanto isso, Garrik voltou seu olhar para Sebastian, que havia sido chamado pelo mesmo.

— Você sabe o que vai acontecer, não sabe? — começou Garrik.

— Sim, 

— Então…

— Mas tem algo que eu quero dizer antes que você viaje!

 Naquele momento, Garrik foi tomado pela surpresa, gesticulando para que Sebastian continuasse.

— Primeiro: Eu, Sebastian Flammendorf, atual líder da vila de Flammendorf, declaro que levarei nossa nação à vitória! Criarei uma nação onde as pessoas não precisem temer umas às outras ou serem presas por regras para viverem em segurança e com felicidade — começou ele, se curvando para o lorde.

 Foi então que Garrik viu em seu irmão um jovem e futuro líder promissor, não conseguindo conter o sorriso que se formava em seu rosto.

— Você tem minha permissão, nobre líder! — disse ele, concordando com o irmão

— Segundo: Eu, seu irmão, humildemente peço perdão por tudo que fiz contra você! Todo o caos e dor que causei a você não pode ser reparado, mas lutarei para que consiga sua aprovação!

— O qu… — Garrik foi pego de surpresa, ele não esperava um pedido de desculpas escondido em uma declaração de posse.

— Então, eu lhe peço: Viva até que eu me torne alguém digno de seu perdão!

 Sebastian levantou seu rosto, coberto de orgulho e lágrimas, esperando a resposta de Garrik, que após alguns segundos, abraçou o irmão, sem dizer uma única palavra. Naquele momento, Garrik não conteve seus sentimentos, aceitando suas lágrimas, tanto de medo quanto de felicidade.

 Enquanto o destino traçava seus caminhos, Hayakaz chamou Rameel para uma conversa decisiva. Num gesto desafiador, exigiu um combate, e sem hesitar, os dois guerreiros começaram a trocar golpes. Cada movimento era uma dança frenética, uma expressão visceral de conflitos internos e desafios iminentes.

 Enquanto os golpes se desenrolavam, Rameel, dotado de uma habilidade mágica excepcional, lançava feitiços elementais em uma sequência coreografada. Sua agilidade contrastava com a força bruta de Hayakaz, que avançava determinado a superar as defesas de seu oponente.

— Você já consegue se mover? Parece que sua recuperação é bem rápida… — comentou Rameel, enquanto desencadeava uma série de feitiços com maestria.

— Vamos lutar de novo quando tudo isso acabar, entendeu?! — exigiu o lorde, rompendo as defesas de Rameel com a fúria de seus ataques.

— Pode ter certeza, senhor! — confirmou Rameel, mantendo-se firme na troca intensa de golpes.

 Cada impacto ressoava como uma sinfonia de colisões, fazendo o solo tremer sob a intensidade do confronto. Naquele dia, os dois guerreiros gravaram cicatrizes uns nos outros, marcando seus corpos como testemunhos eternos do que estavam prestes a enfrentar e das promessas feitas em meio à tempestade que viria. Cada ferida era um lembrete duradouro, uma narrativa crua da jornada que se desenrolava naquele campo de batalha carregado de significado.

 Mais tarde, sob o céu estrelado, os lordes se encontraram com Arthur e Rameel. Rameel, com seriedade estampada em seu olhar, anunciou uma decisão que ecoaria como uma brisa distante, carregando consigo o peso de uma jornada desconhecida.

— Arthur é muito poderoso, então vou enviar vocês para um local muito distante, assim vocês poderão lutar sem se segurarem. — explicou Rameel, sua voz ressoando com a importância da situação.

 Num piscar de olhos, uma aura roxa envolveu os lordes, e o mundo ao seu redor distorceu-se antes de desaparecer completamente. Num instante, encontraram-se em um local desconhecido, sob um céu diferente e diante de paisagens totalmente diferentes das do castelo.

 Ao olharem ao redor, os lordes perceberam a magnitude da decisão de Rameel. O desafio que os aguardava era tão vasto quanto o horizonte que se estendia à sua frente. A responsabilidade de aprimorar suas habilidades pairava sobre eles como uma bênção disfarçada, enquanto se preparavam para enfrentar os mistérios que o lugar distante reservava.

 Assim, a jornada dos lordes continuava, levando-os para além das fronteiras familiares e desafiando-os a crescer além de seus limites. O destino, embora incerto, pulsava com a promessa de aventuras e descobertas que moldariam o curso de suas vidas.



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