Infernalha Brasileira

Autor(a): San


Volume

Capítulo 27: Passado, Presente e Futuro,

Agora… Eu venci… Hahaha! HAHAHAHAHA!!! — Adão riu insanamente, curvando seu corpo para trás com um olhar maníaco no rosto. — Acabou para vocês!

 Ele então criou uma imensa lança de chamas, a direcionando para Hayakaz. No entanto, quando a disparou, ela rapidamente foi dissipada, revelando Rameel diante de Hayakaz.

 O momento tenso suspendeu-se quando Rameel, o Pecado da Preguiça, interveio para impedir o avanço de Adão em direção a Hayakaz. Um olhar sério foi trocado entre os dois, e Rameel afastou Hayakaz do alcance imediato de Adão com feitiços de movimentação, indicando que estava disposto a enfrentar o ex-servo sozinho.

— Ainda não é a sua hora, Hayakaz. Espere mais um pouco.

 Enquanto Hayakaz observava a cena, uma onda de memórias começou a inundar sua mente. Rameel, em um ato de confiança, compartilhava com ele fragmentos de suas próprias experiências e emoções. A imagem de um Construtor vagando após a guerra era nítida, uma pequena criança  caminhava em meio a uma imensa floresta, seu corpo já falhando em mantê-lo de pé.

 Imagens de Dartanham o estendendo a mão vieram a cabeça. Seu curioso salvador o tratava como um filho, o levando ao reino de Lúcifer e o ajudando a sobreviver. Imagens de batalhas passadas, momentos de incerteza e sacrifícios pela causa que ambos agora defendiam eram transmitidos para Hayakaz.

 De repente, a visão de uma outra criança surgiu em sua mente, um pequeno nyancaller de pelos brancos cuja roupa parecia vinda de um apocalipse. Foi então que palavras ressoaram em sua cabeça “Eu vou ajudá-lo, quero pelo menos salvar uma alma nessa guerra”. Hayakaz rapidamente entendeu o que estava acontecendo, Rameel se selou dentro de seu corpo para salvá-lo de algo.

— Rameel… O que você… — Hayakaz, ainda desnorteado, voltou para a realidade e estendeu sua mão para Rameel.

 Rameel, em um gesto inesperado,  retirou sua máscara, revelando sua verdadeira identidade e seu rosto: Azazel, o mago de Mizuhara, estava diante dele.

— Desculpe por esconder isso de você até agora… E obrigado por me dar essa segunda chance. — Azazel lançou-se contra Adão com uma ferocidade descomunal. Os poderes do Oniromante foram intensificados, manifestando pesadelos vívidos que atormentavam a mente de Adão.

 — Você realmente ficou vivo até agora só pra isso… Você tem meu respeito — falou Adão, disparando bolas de fogo em Azazel.

O combate entre os dois foi como o choque de duas estrelas. Antigos inimigos, agora lutando com os lados trocados. O impacto de seus ataques eram como fogos de artifício em um belíssimo céu estrelado.

 No entanto, a força avassaladora de Adão prevaleceu, e Azazel, mesmo com sua resistência e determinação, foi derrotado. Seu último olhar encontrou o de Hayakaz antes que o Oniromante caísse diante da imensidão do poder de Adão, que o envolveu em uma onda de chamas e explosões, desintegrando seu corpo.

 Hayakaz, tocado pelas memórias compartilhadas e pela coragem de Azazel, levantou-se do chã, lembrando das palavras que Azazel havia lhe dito em seu primeiro embate, “Eu falhei, lorde Hayakaz”. Olhando ao redor para seus companheiros — Hexoth, Garrik e Rameel agora caído — ele sentiu uma onda de gratidão e determinação.

— Obrigado a todos que lutaram ao meu lado — expressou Hayakaz, suas palavras ecoando no campo de batalha. Naquele momento, a aparência de Hayakaz mudou completamente. Seus olhos se tornaram bicolores, um dourado brilhante como um raio e o outro azul como o oceano refletindo o céu. Sua pele se avermelhou, se igualando com a de Adão, seus cabelos amarelaram, perdendo o branco fantasmagórico de sempre. Uma pequena auréola surgiu sobrevoando sua cabeça e um par de asas angelicais emergiu de suas costas.

 Naquele momento, memórias invadiam e inundavam a mente de Hayakaz, memórias da vida que ele havia esquecido ter, a vida que lhe foi dada por Adão.

 Há trezentos e cinco anos, nos confins do reino de Lúcifer, uma criança desamparada enfrentava a dura realidade, tendo escapado dos experimentos insanos de Adão. Eram dias sombrios, nos quais o pequeno Hayakaz era visto como uma aberração, um resquício indesejado de uma experiência que visava trazer seus irmãos de volta à vida. Ele era uma falha, um fragmento descartado que não servia ao propósito do sádico criador.

 Foi nesse período que Azazel cruzou o caminho do indefeso Hayakaz, resgatando-o do abandono cruel. Dartanham, compadecido da situação do garoto, ofereceu-lhe refúgio e alimento, salvando-o da morte iminente. O corpo frágil de Hayakaz, entretanto, desafiava a própria biologia, uma maquinaria biológica prestes a falhar. A única saída era abraçar a transformação em demônio, uma metamorfose que reestruturaria seu corpo para a sobrevivência.

 No ritual sombrio que se seguiu, o corpo da criança começou a rejeitar a transição. A mana induzida em seu ser era avassaladora, até mesmo para um demônio de alto escalão. A perspectiva de sua carne tornar-se uma massa inerte era iminente. Em um gesto desesperado, Azazel propôs a Dartanham que o selasse dentro do garoto, uma tentativa ousada de conter a excessiva mana. Assim, naquele dia, o garoto encontrou sua libertação. Suas correntes com Adão foram cortadas, e as amarras com o mundo humano desvaneceram. Naquele dia, Zariel, o Anjo da Igualdade, pereceu, enquanto Hayakaz, o Lorde Demônio das Bestas, emergiu para a existência.

 

De volta à realidade, o confronto de Adão e Hayakaz estava longe de acabar. — Você… Como ousa assumir a aparência dele?! — Adão conjurou centenas de lanças flamejantes assim que viu a aparência de Hayakaz, idêntico a Zariel, seu irmão mais velho.

— Você lutou por muito tempo, meu pequeno irmão… — falou Hayakaz, com uma voz calma e lenta. — Agora… eu o farei descansar…

 Concentrando-se profundamente, Hayakaz utilizou seus poderes, agora despertados, para copiar as magias de Hexoth, Garrik e as lembranças vívidas de Azazel.

 A luta atingiu um novo patamar, com Hayakaz lançando uma fusão poderosa de técnicas mágicas que antes pertenciam a cada um dos lordes. Cortes de espadas sombrias, flechas feitas de água e pesadelos oníricos convergiram na direção de Adão, que se viu subitamente em desvantagem diante dessa ofensiva combinada.

 Todo o castelo vibrou com os efeitos colaterais mágicos, enquanto Adão tentava desesperadamente se defender. Os ataques coordenados superavam sua resistência e regeneração, deixando-o vulnerável a um golpe final.

 Hayakaz, aproveitando o momento, canalizou todo o poder adquirido em uma única magia de metamorfose, transformando sua mão em uma réplica da espada lendária de Hexoth, a Henklaus. Com um movimento ágil, ele desferiu um golpe preciso, e a lâmina encontrou o pescoço de Adão, lançando uma onda de magia para todos os lados, como um imenso tsunami.

 A cabeça de Adão rolou pelo chão, e, no último suspiro, imagens e memórias dos desejos dos outros anjos inundaram sua mente. Visões de um mundo restaurado à sua antiga glória, onde humanos e seres celestiais coexistiam em harmonia, ecoaram enquanto a vida abandonava o corpo de Adão.

— Eu… perdi? — falou ele, enquanto lágrimas escorriam de seu rosto e seu corpo se esfarelava no ar.

 Foi então que a imagem de Eva surgiu diante de seus olhos, estendendo sua mão e o chamando para perto. Aos poucos, ele caminhava em direção à luz, retrocedendo a sua forma original, até desaparecer em uma simples e bela poeira brilhante.

 A batalha que havia começado como um conflito cósmico chegou ao seu fim, deixando para trás um campo de destruição e um grupo de lordes exaustos. Dos dois, Hexoth foi o primeiro a acordar, seguido quase que instantaneamente por Garrik. Ainda atordoados pela intensidade da batalha, eles recobraram a consciência para se deparar com Hayakaz em uma forma alterada e efêmera. A aura de poder mágico pulsava ao redor dele, indicando a transitoriedade desse estado.

— Não tenho muito tempo... meu corpo está se desfazendo… — Hayakaz murmurou com um olhar melancólico. O ambiente ao redor deles começava a desmoronar, fragmentos do espaço-tempo se dissipando enquanto o colapso do local se aproximava.

— Hayakaz… — Hexoth tentou se aproximar do amigo, mas foi parado por Garrik.

— Não podemos fazer nada, Hexoth… — disse Garrik, que abaixou seu rosto, segurando suas emoções.

 Hexoth virou seu olhar, finalmente entendendo o que estava acontecendo.

 Hexoth e Garrik, agora cientes da situação, compartilharam um olhar de resignação e gratidão. Hayakaz, mesmo nessa condição crítica, manteve sua compostura. — Vocês precisam sair daqui. Vão para o castelo, eu vou lidar com o que resta.

 Os três se olharam, sabendo o quão difícil seria tomar essa decisão. Eles sabiam que nada podiam fazer, somente aceitar o triste destino que aguardava Hayakaz.

— Desculpe, velho amigo… — Hexoth abaixou sua cabeça, contendo suas lágrimas.

— Não se preocupe… Você tem alguém para quem deve voltar, vocês dois… Eu sou apenas uma alma que esqueceu de morrer… a muito tempo… — respondeu ele, deixando uma lágrima escapar de seu rosto.

— Hayakaz! — gritou Garrik, levantando seu rosto já coberto em lágrimas. — Nos espere do outro lado! Entendido, bola de pelos?! Não ouse reencarnar sem a gente!

 Hayakaz se espantou por um momento, antes de entender o real significado daquelas palavras, abrindo um enorme sorriso no rosto.

— Pode deixar, orelhudo maldito!

 As palavras de despedida foram ditas entre lágrimas, mas Hayakaz sabia que não havia outra escolha. Ele ergueu a mão trêmula e, com um feixe de luz mágica, teleportou Hexoth e Garrik de volta para o castelo.

 No instante em que eles desapareceram, Hayakaz sentiu a desintegração de seu próprio ser acelerar. A metamorfose mágica, impulsionada pelo esforço hercúleo que ele havia empregado na batalha, estava cobrando seu preço. Cada parte de seu corpo estava se dissolvendo lentamente, como areia sendo levada pelo vento.

Enquanto o local ao seu redor desmoronava em caos, Hayakaz refletiu sobre os momentos que compartilhou com Hexoth e Garrik. As risadas, os desafios e até as divergências que fortaleceram sua amizade inundaram sua mente. Com um sorriso triste, ele sussurrou um agradecimento para o vento que carregava suas últimas palavras.

— Obrigado, meus amigos. Vocês são os verdadeiros heróis…

Numa última explosão de luz, Hayakaz desapareceu junto com os escombros do local, deixando para trás a lembrança de um guerreiro que se sacrificou para preservar a esperança em um mundo tumultuado.

 Ao chegarem ao castelo, os lordes despencaram, seus sentimentos não podiam mais ser controlados. A perda de seus quatro amigos era um fardo grande demais para suportarem calados, até mesmo para os poderosos Lordes Demônio…

 Ao passar de três dias, os dois lordes se reuniram no mausoléu onde tudo havia começado, reunindo pertences e lembranças do amigo. Colocaram todos os objetos e desejos dentro da tumba de onde Hayakaz havia saído, e com o tilintar do ferro, uma grande chama se ergueu dentro da cova, iniciando o ritual fúnebre em homenagem ao herói que acompanhara os dois nessa imensa jornada.

À luz do dia, cinco imponentes sepulturas se erguiam majestosas, cada uma contando a história única de um indivíduo notável. A primeira delas exibia uma gigantesca espada dourada, cujo punho ostentava o majestoso símbolo de um leão orgulhoso, testemunhando a grandiosidade do guerreiro ali sepultado. Sobre a segunda cova, uma máscara de flores intricadamente esculpida se destacava, rivalizando em beleza com o desenho de um urso gravado no solo ao seu redor.

A terceira sepultura impressionava com um lindo manto branco, estendido com elegância sobre uma imensa cruz de ouro. O contorno de um dragão, meticulosamente desenhado, circundava a cruz, testemunhando a força e a coragem da homenageada. Na quarta cova, montanhas de ouro e jóias preciosas se amontoavam, uma representação da ganância superada pelo sacrifício daquele que dedicou tudo para proteger seus senhores.

Por fim, a quinta cova abrigava a esplêndida espada outrora empunhada por Hexoth, agora transformada em um tributo comovente ao mestre, cunhado e melhor amigo que partira. Cada túmulo contava uma história única, uma jornada de vida, e as sepulturas se erigiam como testemunhas silenciosas do legado deixado por aqueles que ali repousavam.

 Ao fim das homenagens, os dois lordes voltaram para seu castelo, observando o pôr do sol diante da enorme cratera onde ficava sua prisão de anulação.

— Garrik… — Hexoth melancolicamente chamou o amigo.

— Fala…

— Você acha que as coisas vão se resolver agora? — Hexoth cerrou os olhos, tentando visualizar o futuro que os aguardava. — Parece tudo tão fosco agora…

— Sim, eu acredito. Pelo descanso daqueles que lutaram nessa guerra… Eu acredito!

 Hexoth pensou um pouco até entender o significado das palavras do amigo, e então ergueu um sorriso verdadeiramente feliz no rosto.

— Hexoth… — Antes que Hexoth pudesse se retirar, Garrik chamou sua atenção, quase não contendo suas lágrimas. — Eu nunca pensei que diria isso, mas ele realmente foi um grande herói!

 Com o fim da fala de Garrik, os dois lordes se afastaram da grande cratera, deixando seus passados e tristezas para trás.

 Ao longe, Dartanham os observava, aos poucos se desintegrando em uma névoa de poeira brilhante. O Construtor apenas os olhou e disse:

— Vocês realmente conseguiram, pequenos heróis…

— Lúcifer? Vamos? — De repente, uma luz surgiu na visão de Dartanham, ou melhor, de Lúcifer, o chamando para seu descanso eterno, o qual aceitou sem hesitação.

 Com o desaparecimento do rei dos demônios, uma era de salvação e esperança estava prestes a se espalhar por todo o mundo, ela não seria a primeira e nem a última, mas seria, de fato, uma grande era.



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