Ladrão de Poderes Brasileira

Autor(a): Crowley


Volume 1

Capítulo 19: Descobrindo Sobre a Noite

Andando nos campos de flores brilhantes, San deitou em uma parte ao longe e ficou observando o céu. As nuvens se dissiparam, dando espaço ao sol; a neblina abria caminho, revelando novamente a floresta.

Levantando a cabeça, Mavara cuidava do filhote. Falando baixo, com medo de ser ouvido pelos ouvidos apurados, perguntou a Sacro:

— Diz aí, por que me fez ficar?

— Provavelmente, se continuasse recusando, ela teria te matado.

— Sei lá, salvei a vida do filhote, talvez me poupasse.

— Ah, San, você realmente é ingênuo. Me lembre de te dar aulas sobre monstros. A raça dela é orgulhosa; deve ter sido difícil pedir ajuda a um humano, e ainda ofereceu te acompanhar até a cidade.

— Então qual a raça dela?

— Cão do inferno.

Demorando para processar, falou surpreso:

— Tá me zoando, achei ser uma lenda.

— Muito do contrário, existem aos montes, porém, são raramente vistos. Normalmente, servem a um demônio poderoso; é realmente curioso ter um aqui sem dono.

— Quão estranho?

— Quando um filhote nasce, são dados diretamente a um demônio de classe alta e se tornam soldados a vida toda. Mas olhe para ela, ninguém por aqui e um filhote no meio do nada.

— Legal. Os Dretch também são servos de demônios; Eles tem ligação?

— Pode ter. Tome cuidado.

— Mais uma coisa, por que falou baixo naquela hora?

— Ajustei para somente você me ouvir; o problema é: monstros de audição apurada me ouvem.

Entendendo um pouco, San levantou e foi até Mavara, lambendo o pequeno. Arriscando interromper as lambidas, perguntou:

— Ah, senhora, já que vou ficar aqui um tempo, posso saber onde vou dormir?

Depois de terminar, o encarou com seus olhos vermelhos, completamente calmos.

— Achei que tivesse encontrado.

— Encontrei?

— Estava deitado ali.

Parando um momento, olhou de onde veio e compreendeu.

— Espera, tá dizendo pra eu dormir aqui, sem proteção nenhuma?

— Tem a mim de proteção.

— Olha, a senhora deve ser forte, no entanto, a noite é perigosa.

— Vocês humanos, sempre preocupados e medrosos; saiba que nem é tão ruim assim, depende somente de saber a forma de andar pela noite.

Ao ouvir isso, sua mente começou a trabalhar. Considerando tudo, esforçou-se para ficar calmo e disse:

— Tem uma forma de andar por aí sem se preocupar?

— É claro, vários da sua espécie conhecem; deve estar desatualizado.

Erguendo as sobrancelhas, acenou a cabeça.

— Devo tá, me ajuda?

— Depois, precisamos de comida. Volte e pegue o javali morto.

Levantando as sobrancelhas e fazendo uma cara azeda, disse:

— Sem querer ser estraga-prazer, o corpo já deve ter sido pego por outro animal.

— Duvido, estamos no meu território, e deixei uma marca nele para ninguém o tocar.

Levantando as sobrancelhas de surpreso, concordou.

— É claro, tô indo.

Voltando no mesmo caminho, finalmente conseguiu sentir a presença de terror dela sumindo. Achou o cadáver igual a minutos atrás; nem moscas o rodeavam.

Por curiosidade, o virou de lado e procurou em todos os lugares, só para tentar achar a marca. Demorando dez minutos, tinha certeza de que estava normal.

Erguendo nas suas costas, sentiu muita dificuldade; era pesado, e os constantes machucados só pioravam. Demorou o dobro de tempo voltando; ao chegar na clareira, deixou jogado e se sentou.

Mavara, vendo aquilo com olhos pacientes, aproximou e cheirou o animal por completo; mordendo a pata, o arrastou fora da clareira, em uma parte da floresta.

Vinte minutos depois, voltou trazendo uma perna grande e cozida, soltando fumaça. Deixou aos pés de San e voltou ao filhote.

Comendo animado, surpreendeu ao descobrir o quão bom ficou. Acabando, falou em voz alta:

— Por que juntou todas as flores estelares aqui?

Sem olhar, respondeu:

— Dois motivos. O primeiro: é uma planta que animais e monstros odeiam o cheiro; isso os repele. E o segundo: atrair o maldito.

Curioso com quem ela, um cão do inferno, estaria tentando atrair, perguntou:

— E esse seria?

— Um humano capaz de se teletransportar. Sempre consegue fugir de mim. Ele está obcecado nessas flores, então as recolhi em quilômetros. Quero só ver, irá com certeza aparecer.

Engolindo em seco, se controlou em evitar gaguejar:

— O que aconteceu pra te deixar brava? Ao ponto de se esforçar tanto.

Dando um rosnado, seus olhos se tornaram raivosos.

— Quando o conheci, ignorei, e seja curiosidade ou vontade de morrer, me seguiu até a caverna onde eu morava. Vendo meu filhote, tentou o roubar. Agora tô procurando querendo o matar.

“Aquele maldito havia me dito não ter perigo. Espera só eu o achar.” Contendo a expressão irritada.

— História legal, tomara que o ache. — Deu um sorriso de verdade.

— Sim, tomara. — Terminou dando uma risada sinistra.

Depois disso, ficaram quietos. San pensou em explorar por aí, porém, seu corpo tava cansado e dolorido, sua mente, com um sono enorme devido ao dia agitado. Por isso, escolheu deitar e aproveitar o dia de folga.

Passando-se horas, a noite aproximava. Mesmo tentando manter a calma, San ainda estava nervoso; conseguia lembrar vividamente do que teve de passar na árvore.

Quando o sol finalmente se pôs, a floresta aquietou-se. Diferente da primeira vez, continuou assim, sem sons aleatórios ou cheiros fortes, só o barulho de insetos.

Seria um eufemismo dizer estar admirado; pela primeira vez, esteve realmente do lado de fora dos muros na noite, livre de abrigos, esconderijos ou medo, só ele e a natureza.

— Diferente da cidade, né? — Mavara falou deitada.

Demorando em responder, levantou a cabeça. Nessa hora, estrelas já podiam ser vistas.

— Sim, como sabe?

— Já estive em muitas, e sempre que saio e vou ao ar livre, percebo a diferença.

Surpreso e curioso, perguntou:

— O que fazia nas cidades?

— Trabalho. — A voz era triste ao falar. — Está pronto?

— Pra?

— Queria descobrir como passar a noite ao ar livre; eu disse depois, chego a hora, vamos.

Ela foi em direção à floresta; com medo, San a seguiu. Não conseguiu segurar e perguntou:

— E quanto ao seu filhote?

— Está tudo bem, demorará até acordar e está seguro.

Com os dois entrando na floresta, inconscientemente, San segurou o cabo da espada e focou nos seus sentidos. Caminhando trinta minutos, pararam onde adivinhou ser o limite do território de Mavara.

— Antes de irmos, fique esperto quanto a sons ou barulhos.

Assentindo, saíram. Os sons se tornando igual San lembrava, barulhos estranhos vindo de lugares desconhecidos e uma presença diferente no ar.

— Por que tantos monstros andam pela noite? — Mavara perguntou baixo.

San pensou calmamente; essa pergunta o atormentava há tempos. Pesquisou em diversos sites, cada um dando uma teoria diferente. Mesmo não encontrando nada concreto, tinha certeza: As pessoas sabiam a resposta e escolhiam ficar quietos. Escolhendo a teoria melhor aceita na internet, respondeu:

— A noite os deixa fortes?

— Também, mas vários são incapazes de irem ao sol. Por algum motivo, alcançando um certo nível de força, umas raças ficam incapazes de sair ao dia.

— Você pode ir, é mais fraca?

— Não fale bobagens, só umas raças, eu disse. E pare de andar desse jeito.

Pensando por um momento, incapaz de entender aquilo.

— Ando normal.

— Caminha com medo do barulho. Ignore, só se estiver tentando passar despercebido, já tem inúmeros sons aqui que vão te encobrir, claro evite exagerar.

Entrando em um emaranhado de arbustos e galhos, andaram pacientemente; chegando perto de sair, tiveram uma visão do outro lado, um monstro se assemelhando a um pássaro, o corpo repleto de penas metálicas pendurado em um galho olhando os arredores.

— Tome cuidado ao se vestir, roupas claras são fáceis de serem vistas, as melhores são pretas, conseguem se adaptar ao redor.

Se afastando, continuaram até sair em um caminho diferente, andando até ficaram em um lugar cheio de folhas no chão.

— Nunca abaixe a guarda, o perigo pode estar na sua frente, até nos seus pés. Saque a espada e crave na sua frente.

Fazendo como ela disse, pegou e cravou no chão. Ao fazer, ouviu um silvo se mexendo nas folhas, indo longe. Tirando a grama da frente, viu um pedaço da cauda reptiliana de monstro arrancada.

— Vamos.

Andando a passos apressados, saíram dali e se esconderam atrás de uma árvore grande, vendo ao redor. Um tempo depois, um monstro coberto de pelos e sobre as duas patas. Um Gnoll, segurava uma lança com a ponta de pedra e andava encurvado.

— Muitos predadores tem olfato apurado. Se for você a causa e ser incapaz de lavar o ferimento, use os dos monstros.

— Espera, quer dizer pra eu me cobrir de sangue escuro?

— Sim, os de humanos chamam atenção, já de monstros, é fácil encontrar e passa despercebido.

Começando a compreender, olhou a besta; foi pego de surpresa quando olhou de volta na sua direção.

— Tente evitar olhar diretamente no monstro, tem aqueles que conseguem sentir, seja medo ou a vontade de o matar.

A passos silenciosos, a besta se aproximou, evitando fazer barulho desnecessário.

Antes de chegar perto, uma bola de fogo foi jogada na sua direção, acertando ao seu lado. Ainda que fosse pequeno o fogo, decidiu sair.

— Sabe por que fugiu ao invés de tentar nos enfrentar?

— Medo?

— Cautela, sempre evite o desconhecido.

Com o fogo atingindo as folhas, facilmente criou-se um pequeno rastro de chamas.

— Observe a chama.

Demorando minutos, monstros se aproximaram, todos olhando a luz e encarando os lados, procurando.

— Qualquer luz aqui atrai algo. Se for necessário continuar parado, um dos jeitos de repelir os monstros é mostrar sua força; os outros menos confiantes passarão longe. Do contrário, tudo irá te achar.

Indo longe, um lugar sem perigo até onde dava para ver, pararam e ela disse:

— A minha casa é perto, te vejo lá.

— Espera, o que?

— Só saber a teoria não vai te ajudar; precisa ter a experiência. Ah, e uma dica, evite os projéteis azuis, fazem uma luz forte.

Quando San ia falar, som de passos surgiram atrás de si. Ao se virar imediatamente, viu estar vazio. Lentamente, virou o rosto.

— Tá, me diz… — Antes de terminar a frase, Mavara havia sumido.

“Beleza, sem usar a minha habilidade e sozinho.” O som de passos, rugidos e dor. Tudo isso o lembrava do dia na árvore. Seu corpo começou a tremer, lembrando do terror daquela noite, das cenas vistas.

Sua respiração acelerou, quase hiperventilando; ouviu a voz de Sacro:

— Recomendo se acalmar, essa é uma péssima hora pra isso.

— É fácil pra um relógio falar.

Esforçando ao máximo, apoiou-se em um tronco e forçou a respiração a estabilizar; sua motivação foi achar a clareira de Mavara e se salvar.

Caminhando, olhava os lados procurando sinais de perigos, tomando cuidado nos seus passos e nunca ficando completamente exposto.

Uma hora escondia em buracos, outra abaixava e esperava. Perto do seu objetivo, passos na grama foram ouvidos. Se abaixando, procurou a localização do maldito; era um inseto igual a um louva-deus. Duas antenas, de uma cor azulada e o corpo de pé.

Andava cauteloso, procurando uma presa; suas mãos tinham o formato de uma pinça e eram afiadas.

Com seu corpo no chão, San esperava uma oportunidade de atacar ou fugir. Preferia fugir, contudo, sabia que nem sempre podia.

A alguns passos de distância, o inseto ficou de costas, ia embora. De repente, virou-se agilmente e abaixou uma das suas pinças de foice com tudo na direção de San.

Surpreso, rolou de lado; seu braço atingido, deixando um corte grande e um rastro de sangue. Sabendo precisar ser rápido, levantou-se e fez uma investida.

O monstro cortou horizontalmente, e San levantou a espada para defender. Vendo o ataque mal sucedido, o inseto usou a outra tentando cravar na cabeça do humano.

Prestes ao atingir, San deu um chute forte na direção da barriga, o afastando e cortando de raspão na perna.

Aproveitando a chance, foi em frente e tentou acertar uma das pinças; o inseto, achando ser mais forte, também atacou mirando a espada.

Indo contra o que achava possível, a espada ganhou e cortou o membro, saindo sangue negro para todo lado. Sem perder tempo, a lâmina ia diretamente no peito, empalando o monstro inseto.

Lembrando que sangue atrairia outros seres, apressou-se em chegar ao território de Mavara.

Passando rapidamente obstáculos e perigos, alcançou a área segura, onde luzes roxas se espalhavam. Andando um pouco calmo, aproximou-se e viu o cão do inferno dormindo ao lado do filhote.

Deitou-se no chão. Observando o machucado, preocupou-se; se usasse bandagens, poderia resolver o problema, mas o filhote ficaria sem. Optando rasgar o manto, enrolou ao redor do braço e perna. Isso fez com que a roupa ficasse tão curta que alcançava apenas a cintura.

Desconfortável, tirou a armadura de couro surrada e deixou-a ao lado, ficando apenas de camiseta. Virando-se de barriga para cima, contemplou o céu estrelado e adormeceu sem perceber.

Com o nascer do sol, San sentiu seu rosto ficando molhado. Ao abrir os olhos, deparou-se no filhote lambendo-o.

— Ei, ei, amigão, por que me acordar assim?

Sentando-se, o pequenino andava ao seu redor, animado no novo companheiro.

Agora limpo de sangue, era capaz ver sua aparência: um filhote com pelos pretos curtos, um rabo balançava a toda hora, olhos escuros e grandes.

Recém-acordado, quase ignorou o pequeno sem as bandagens no peito, exibindo os pontos.

— Já tirou o curativo. Dá uma acalmada, senão a sua mãe me mata.

Pegando a mochila usada de travesseiro, retirou as bandagens e tentou aplicá-los no monstrinho. No entanto, era difícil; mexia constantemente e não deixava ser pego. San fingindo tê-lo perdido, pulou nele e conseguiu enrolá-lo. “Como já consegue se mover? Monstros recuperam melhor?”

— Fez um bom trabalho ontem, estou ansiosa para as próximas vezes. — Uma voz veio de trás de si.

Virando-se, falou:

— Próxima vez?

— Sim, muitas vezes; há tantas coisas erradas a serem corrigidas. Faz tempo que não ensino.



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