Ladrão de Poderes Brasileira

Autor(a): Crowley


Volume 1

Capítulo 29: A Primeira Missão

A lâmina estava muito rápida; desviar seria impossível. Fazendo a única coisa capaz em segundos, levantou o dedo apontando ao rosto de Charle.

Antes de formar o tiro, a ponta da espada cravou no chão ao seu lado, a centímetros do seu olho direito.

— Morto. — disse Charle.

Desviando a visão da espada e mantendo a mente no lugar, respondeu:

— Dá pra dizer empate. Se eu tivesse atirado, sua cabeça estaria estourada.

— Talvez, porém, meu ataque acertou primeiro e eu podia ter desviado.

— Não dá pra saber.

— Verdade, mas sou o instrutor, eu decido.

Estendendo a mão, ajudou a levantar. Guardando as espadas no suporte, San revisou a luta, os golpes vistos e como foi subjugado facilmente. “Será que dei algum desafio?” Com esse pensamento, subiram as escadas.

Indo até a frente ao balcão do Barbosa, Charle deu um passo à frente e disse:

— Tudo certo.

— Que bom, qual rank o senhor recomenda?

Parando um pouco para pensar, repassou a luta na sua mente, os erros e o que se impressionou. Ficou em dúvida e considerou. Demorando, respondeu:

— Rank D.

San, ao lado, surpreendeu-se. Imaginou ter ficado em uma posição pior. Mesmo sendo um rank D, considerado baixo, é um bom começo.

Os ranks são do S até o F. Em todas as cidades, tem uma certa quantidade, menos o S, os raros. Para subir na posição, é necessário inúmeras missões e passar em um teste especial. 

Enquanto Barbosa se arrumava de trás do balcão, Charle se virou e disse:

— Parabéns, parece ter experiência e conhece o básico da utilização de uma espada. Seu poder também é forte; estou curioso do seu progresso. Só uma coisinha, na minha opinião, devia procurar outra espada. Esse tipo o atrasa.

— Obrigado, já me falaram isso.

Charle se afastou. Olhando o buraco na sua roupa, pensou: “Aquele ataque foi forte, no entanto, parecia faltar algo. Deve ser por estar aprendendo a usar seu poder.”

— Diga 'x.'

Um flash acertou diretamente o rosto de San. Com a visão voltando ao normal, olhou Barbosa, duvidoso.

— Desculpa, precisamos de uma foto sua. — falou guardando uma câmera cara.

Apertando nas teclas, digitou por um tempo. Acabando, pegou um cartão e colocou no balcão. Pegando na sua mão, San se deparou com o cartão repleto das informações e uma foto sua.

— Esse é o seu registro de mercenário, não o perca. Temos um quadro cheio de missões. Se quiser pode criar um grupo ou juntar a alguém. É responsabilidade de vocês a divisão de espólios.

— Valeu. — Guardou no bolso e caminhou ao quadro de missões.

Passando homens que o viram ser aceito, o parabenizaram, convidando a beber e deram tapinhas nas suas costas.

Quando chegou onde queria, uma parede repleta de cartazes a enchia. Tinha de tudo, a derrotar monstros rondando a cidade, ou achar um gato desaparecido fora dos muros. Mercenários pegavam todo tipo de tarefa, só para ter dinheiro.

Lendo cada um, San prestava atenção nos desenhos bem feitos estampados e o prêmio em baixo. Muitos chamavam atenção, havia as fáceis que poderia terminar em horas.

Descartou esses facilmente; evitaria os pagando baixo, precisava de dinheiro urgentemente.

Depois de minutos de procura e considerando qual vale mais a pena, escolheu um que chamou bastante a sua atenção; a descrição dizia:

“Cerca de quatro Caninospinos estão matando inúmeros animais e pessoas perto da cidade. Ache e mate-os, sem deixar um sequer vivo. Recompensa de 300 créditos.”

No canto superior direito, a letra 'D' estampada. Movido pelo dinheiro e um pouco de vontade de se vingar, pegou o cartaz com um desenho detalhado e voltou a Barbosa.

— Quero pegar essa missão.

Lendo a descrição, disse:

— Certo, pode pegar. Para mostrar que concluiu a missão, deve nos trazer as orelhas deles.

— Pera, orelhas? Por quê?

— É necessária uma confirmação que finalizou a missão. Muda de caso em caso. Nesse, é requisitado as orelhas por ser uma característica da sua espécie, difícil de fazer uma falsa.

— Tendi, tô indo.

— Espere, só pra avisar, tem dois dias para completar o objetivo. Senão o cartaz volta ao quadro e outros podem pegá-lo.

Saindo do prédio, San permaneceu quieto pensando sobre isso. Só deu de ombros, concordava dar um tempo limite, isso impedia de enrolar.

Ao invés de ir em casa, foi direto aos portões. O seu equipamento havia sido destruído, sobrando somente uma faca que sempre carregava. Então continuou com uma roupa normal.

***

Andando pela mata, facilmente avistou rastros dos monstros, nem tentavam esconder. Analisando a direção, confirmou estarem caçando ao redor da cidade. “Inteligente, grande parte dos monstros passam da cidade, com medo de serem mortos, por isso os animais gostam de ficar perto, mesmo não sendo todos é um bom número.”

Já sabendo a rota, bolou um plano, um jeito de os pegar de uma vez. “Só preciso atraí-los em um lugar aberto.”

Confirmando o plano, andou até achar a peça chave. Independente dos constantes ataques, alguns animais estavam nas redondezas.

***

Passando-se horas e preparado. No meio de uma clareira grande, o cadáver de um guaxinim gordo e morto jogado, sangue jogado, um convite pra predadores.

O guaxinim foi pura sorte, ferido e, pior, doente. O deixando no meio da clareira, esperou, sabia que o cheiro de sangue os atrairia.

Como planejava, os Caninospinos vieram; suas aparências iguais San lembrava, pálpebras grudadas nos olhos, pelos sujos e manchados de sangue seco e suas orelhas pontudas de pé.

Caçavam em um grupo de quatro, batendo no número do cartaz. Se aproximaram hesitantes em caminhos diferentes e cuidando a floresta. San subiu em uma árvore, por isso tava tranquilo.

Receoso, cheiraram a carcaça. Por sorte, não notaram nada de estranho, ou sentiram e ignoraram. De qualquer forma, devoraram selvagemente.

Esperando uma oportunidade, San os observou calmamente, escolhendo qual acertar primeiro. Firmemente, apontou o dedo. Antes da luz espalhar, deu um tiro passando os galhos e acertou na cabeça do de trás.

Pararam de comer e viraram a cabeça ao amigo morto; seus cérebros processavam o ataque inesperado, e nisso, um segundo tiro veio, atingindo na garganta dum.

Vendo seus companheiros morrendo misteriosamente, se separaram e correram longe.

Em uma escolha rápida, San mirou no que fugia à esquerda. Concentrando-se, disparou. Porém, a energia estava muito à frente, e o Caninospino ainda não chegou.

No meio da fuga, prestes a passar, a bala mudou a trajetória. Pego de surpresa, o monstro nem teve chance de desviar; atingido no meio da testa.

Mirando no último, o tiro foi certeiro, mas raspando o peito no lado direito, o Caninospino mudou de direção. O tiro seguindo; infelizmente, o que deveria ser no peito acertou na perna.

Machucado, fugiu mata adentro.

— Merda. — Murmurou baixo.

Descendo até o chão, foi aos corpos. “Será que percebem se faltar um?” pensou internamente, considerando enganar os mercenários. Logo descartou a ideia; com certeza iriam contar.

Sem querer perder tempo, sacou a faca e cortou todas as orelhas, enrolando em um pano, guardou em um bolso e decidiu ir atrás do último. Pelo menos, havia uma trilha de sangue a seguir.

Já querendo iniciar a caçada, considerou tirar a carne, contudo, descartou imediatamente. Comeram a carne doente do guaxinim e podiam ter feito isso em outros animais; era arriscado.

Paciente, olhava os lados, esperando ser atacado. Sabia que quando um monstro era encurralado, atacaria pior.

Então escolheu ir lento. Após horas de percurso tranquilo, parou e se surpreendeu no fim da trilha. Bem no começo de uma caverna, e não uma simples caverna; era a do gigante que o perseguiu meses atrás.

Hesitante em entrar, pensou no que fazer. Considerou muitas opções, cada uma pior, e o medo de ser perseguido de novo o afligia.

“Eu era apenas um caçador naquela época, agora sou um mutante; consigo.” Balançando a cabeça e se esticando, entrou. Era exatamente igual da primeira vez, paredes espaçosas e um teto grande, uma perfeita moradia de gigante.

Quanto mais entrava, mais a escuridão preenchia sua visão. Mesmo assim, escolheu continuar no escuro; sabia que nesse lugar, na menor luz, chamaria atenção.

Por conta de sua visão ter sido atrapalhada, a viagem foi ficando lenta; tinha de sempre tocar a mão na parede, e a outra pronta caso tivesse de usar a habilidade.

Surpreso, encontrou algo chamativo: uma luz de chamas. Chegando perto, a essência circulava suas veias energeticamente. Vendo a cena na sua frente, o preparo sumiu e suas pernas amoleceram.

Atrás de uma pedra, prestava atenção. Ao redor da fogueira, todo tipo de monstro se espalhava, pequenos, grandes, voadores, até os inimigos naturais.

Focavam no meio. Um ser humanoide, usando um manto o cobrindo e sentado.

O caninospino que San caçava, se deitava na sua frente. O ser, envolto em um manto, estendeu a mão, revelando dedos humanos cobertos em fitas brancas.

Tocando no ferimento, uma luz verde saiu da sua mão. Lentamente, o ferimento fechou, deixando uma cicatriz onde os pelos iriam cobrir.

Os monstros estavam animados; alguns pulavam ou rugiam. San ficou paralisado vendo aquilo. “Isso com certeza tá errado, é um humano. Preciso sair daqui.”

Antes que pudesse tentar sair, o homem falou em voz alta, silenciando as comemorações:

— Venha, criança, vamos conversar.

San suou frio, o coração batendo a mil e prendendo a respiração. Torcendo com todas as forças, esperava não ser ele que o homem falava.

— Se continuar aí, irei pedir a um dos meus amigos te buscar.

Juntando a força que tinha, se mostrou. Inúmeros olhos o encararam ameaçadoramente.

— Venha.

A passos cambaleantes, andou até a frente do homem. Tirando o capuz, San viu seu rosto, coberto de ataduras, nem podendo ver a pele abaixo; seus olhos eram verdes e cansados.

— Sente-se.

Obedecendo, sentou de frente ao homem. Ficaram quietos, como se analisassem mutualmente.

— Sou Mark, e esses são meus amigos.

Olhando os lados, tentou deixar a voz estável, em vão, ao disser:

— Parecem legais.

— E são. Me diga, quem é você e o que está fazendo aqui?

— Me chamo San, vim explorar a floresta.

— E só trouxe uma faca.

— Achei que por ser dia, teria poucos perigos. — Ficando quieto, se arriscou. — E o senhor? O que te trás aqui?

Mark manteve silêncio, completamente imóvel e respondeu:

— Soube que meus amigos foram feridos, vim curá-los.

“Ótimo, monstros tem alguém os curando e eu uso bandagens.”

— Legal da sua parte.

— Sim, devemos proteger aqueles que nos são importantes.

— Concordo.

Ficando quieto, o silêncio reinava. Os monstros o cheiravam, uns irados, outros famintos. Após um tempo, Mark falou:

— Sabe, você me lembra o meu filho.

“Du nada? Bem, ele cura monstros, deve ser meio doido.”

— Ah, aposto que é um cara legal.

— É verdade. Infelizmente, decidiu ir embora, queria visitar as cidades, contudo, é a tradição da nossa família vivermos junto aos monstros.

San tava confuso do porquê o homem estar falando aquilo, mesmo assim, tentou ser uma pessoa legal.

— Devia ter um motivo, talvez um sonho.

— Sim, um sonho, matar todos os monstros. Veja bem, minha família vive desde o nascimento com esses seres, nossas duas espécies são julgadas igualmente de maus.

— Duas espécies?

— Ah, me desculpe, com essas bandagens fica complicado de ver. Minha espécie é chamada de reptilianos.

Procurando ao máximo na sua memória, lembrou. Essa espécie é dos monstros conscientes. Falam, pensam e agem humanamente.

— Me desculpe se o ofender, soube que a sua raça tem rabo.

— Sim, eu tinha, foi cortado e minha ferida queimada. Continuando o meu pensamento, os humanos são os invasores, deveriam aprender a viver em harmonia conosco.

— Até quando os monstros matam outras pessoas? — Ao falar, arrependeu imediatamente, com medo dele se irritar.

Ao invés de mostrar raiva, abriu um sorriso fraco.

— Meu filho falava isso. Sua mãe era uma humana normal, ao nascer, teve apenas algumas características da minha espécie, facilmente se passando de humano. Já na idade adulta, fugiu por influência de um mercenário, fomos atrás.

Parando um momento, focou na fogueira, seus olhos verdes refletindo as chamas, exibindo uma tristeza.

— Fomos até a cidade, como não sou bem-vindo, usava meu manto. Enquanto o procuramos, pessoas contra mim descobriram da minha mulher, a amarraram e queimaram-na viva, depois eu… fugi e me escondi.

— …Sinto muito. Encontrou seu filho?

— Nem perto, deve estar aproveitando a vida, pensando que seus pais estão vivendo felizes. Sabe, naquele dia, aprendi uma lição importante. Os humanos são os monstros.

— Nem todos eu imagino.

— Talvez, mas a maioria. Matam membros da sua espécie, enganam, roubam, abusam e sem um pingo de piedade.

— E os monstros são diferentes? — escolheu arriscar perguntar.

— Sim, vivem em uma lei de que o forte reina. E nisso, protegem os abaixo.

— Se tá dizendo. E vivendo isolado melhora?

— Acreditava que sim, porém, com tudo que tem acontecido, decidi mudar. Primeiro, vou matar os humanos da cidade.



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