Ladrão de Poderes Brasileira

Autor(a): Crowley


Volume 1

Capítulo 53: Mudando a Proposta

— Eu sinto muito, Leonardo Avalon infelizmente sucumbiu aos ferimentos. Os órgãos foram feridos gravemente e perdeu sangue demais. Só sobreviveu tanto tempo por ser um mutante.

O doutor continuou a explicar, falando terem feito todo o possível, mencionando a competência dos médicos, o estado extremo de Leo e a clara vontade de viver, suportando a dor e, no fim, morrendo.

Desabando na cadeira, pôs as mãos na frente do rosto e viu o nada. Na hora em que escutou "sinto muito", um zunido enorme abafava qualquer som ao redor.

O médico foi embora, e San continuava parado, em silêncio absoluto, sem mover um dedo, uma estátua. Jack olhava de longe, preparado caso fosse necessário contê-lo.

Minutos depois, Marco tocou seu ombro, perguntando:

— Tá bem?

Permanecendo quieto, olhava à frente, demorando para a ficha cair, duvidando se tinha ouvido certo e estar acordado. Recebendo um toque no ombro, voltou a si.

Levantando, andou à saída da sala de espera. Tanto Jack quanto Marco repetiram o gesto, pretendendo segui-lo.

Girando à esquerda no corredor, correu, ignorando a ardência do corpo cansado, implorando descanso e a mente rodando.

O zunido impossibilitou de escutar os chamados e reclamações. Passando por pessoas, funcionários e pacientes, só acelerava. A perna o matava de dor, os pontos da mordida de Garmir abriram e deixaram uma trilha de sangue durante o caminho.

Aleatoriamente, mudava de direção inúmeras vezes, entrando em portas aleatórias, até chegar ao fim de um corredor localizando os banheiros.

Entrando, havia duas pessoas dentro, uma lavando as mãos e a outra usando o mictório. Virando a cabeça, espantados pela força da porta ter sido aberta, olharam de cima a baixo o novo visitante. Um jovem todo enfaixado e os olhos indo de um lado ao outro, andando cambaleando e trazendo um rastro de sangue.

No mesmo instante, saíram. Parando na frente da pia, San ligou a torneira, fazendo o som da água preencher o ambiente. Enchendo a mão, jogou no seu rosto, o molhando completamente, repetindo o processo várias vezes, dizendo:

— Tem que ser um sonho, é a única explicação, por favor.

Olhando o espelho, só via um rosto cansado, olhos vazios e uma aparência péssima, desarrumado e sujo.

Nisso, o zunido sumiu, deixando-o finalmente pensar.

— É mentira, me enganaram. Trataram tarde demais. Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado, Tá errado.

San sussurrava as palavras repetidamente, até a boca secar, a voz enfraquecer e o ar acabar. Subitamente, sentiu sua respiração falhar. Tentando puxar ar, não ia. Colocou a mão no pescoço e arregalou os olhos, apoiando-se na pia, forçando o corpo a puxar ar.

— Se acalme, está tendo um ataque de pânico. — Sacro falava e o orientava, e o ar piorava a cada segundo.

“ A culpa é minha, eu o deixei pra trás, fui matar Gus, esqueci meu melhor amigo. Eu o matei.” Achando que ia desmaiar, San só deixou sair.

Abrindo a boca, soltou um grito, liberando tudo preso no peito, a dor, tristeza e desespero. Junto a isso, o banheiro tremeu.

De repente vasos explodiram, pedaços de vidro voando, portas de cabines saindo e caindo, as pias indo parar no oposto do banheiro. Sem controlar ou ter a intenção, San gastou a essência acumulada nas breves horas. 

Esgotado, caiu no chão. Em um canto escuro, a cabeça sob os joelhos, no meio da água jorrando, vidro e sangue, chorou, seja lá por quanto tempo.

Perdido em pensamentos, as lembranças vinham todas de uma vez, o nublando por completo e piorando a situação.

***

Duas crianças, ambas precisando de dinheiro e dispostas a tudo. Ao se conhecerem, odiaram um ao outro na hora, brigando constantemente, só por causa de um emprego de levar drogas nos bairros pobres.

Leo, tendo uma constituição melhor, conseguiu o emprego, formando uma rixa entre os dois. San, vestia uma camiseta azul e calças jeans, tinha o cabelo curto bagunçado. Passando em uma rua, escutou uma discussão interessante escondida.

Uma mulher bonita, loira, usando roupas curtas, salto alto e dentro de um beco, discutia com Leo, uma criança, desarrumada e raivosa.

— Eu já disse, pode ter quantos filhos quiser, mas você vai cuidar.

— Cê é meu filho, tem que me ajudar.

— To cagando e andando, velha inútil.

Saindo irritado, avistou San espiando, irritado e de cara no alvo perfeito, partiu pra cima. Leo, tendo doze e o adversário dez anos, brigavam no meio da rua, chamando a atenção de algumas pessoas reclamando.

Durando um tempo, caíram no chão, ofegantes e os rosto arranhados. A multidão, cansada, saiu, os deixando sozinhos.

— Eu te mato se conta pra alguém. — Leo disse ofegante.

San, quieto, pensou no que ele falava. Entendendo rápido, deu uma risada alta e disse:

— Cara, você é bem maluquinho. Fica tranquilo, tô nem aí pro seu passado.

Dessa vez foi Leo quem se confundiu.

— Sério? Estranho, sabe quantas pessoas tentaram me chantagear?

— E se importa por quê?

— Ah, minha mãe é uma vadia, mesmo assim, odeio quando a machucam.

— Compreensível.

Machucados e cansados, levantaram-se agarrando um no outro, quase caindo. Ao ouvir a barriga de Leo roncando alto, San abriu um sorriso e disse:

— Tá me devendo uma. Vem, vamos comer algo.

Hesitante, seguiu o garoto, curioso das suas intenções. Andando por um tempo, conversaram sobre suas vidas. Leo foi quem falou mais, dizendo como era sobreviver nas ruas e dando dicas.

Na frente de um prédio de dois andares, subiram as escadas e San bateu na porta. Leo sempre a alguns passos de distância, com medo de homens saírem e o pegarem para vender seus órgãos.

Ao invés disso, uma mulher abriu a porta, bonita, seus longos cabelos vermelhos soltos e exibindo um sorriso. Paralisado, a encarou.

— San!

Aproximando-se rapidamente, deu um abraço no filho. Tentando se soltar, contorcia o corpo e reclamava. Soltando uma risada, o libertou e viu o visitante.

— Caramba! Os dois tão bem machucados. Vamos, entrem.

Abrindo um sorriso, a seguiram. A casa era bagunçada, objetos em lugares por aí e sujeira no chão. Indo até o banheiro, voltou trazendo curativos.

Os cobrindo por completo de bandagens, sorriu satisfeita. Nessa hora, bateu na cabeça e disse:

— Me desculpe, esqueci de perguntar seu nome. Sou Rachel.

A encarando, só percebeu a boca aberta após segundos demorados, recompondo, estufou o peito e disse:

— Sou Leonardo.

Rindo, voltou à cozinha, mexendo no fogo e preparando a comida. Os dois permaneceram no sofá, de vez em quando conversando e rindo.

A refeição deu e os três comeram alegres, falando do passado e contando histórias. Ajeitando a mesa, Rachel levava um prato à pia, parando no meio. Cobrindo a boca com o braço, tossiu fortemente.

San foi a ajudar, a levando até o quarto e a dando seu remédio. Deitando-a na cama, fechou a porta e disse a Leo:

— Seca a louça?

— Claro.

Secando e guardando, Leo repassou os momentos com Rachel, hipnotizado com sua beleza, nem notou seu estado. Tremendo ocasionalmente, assegurando a tosse e mal ficando de pé.

Tomando coragem, disse:

— É ruim?

Quieto, demorou a responder.

— É. Tô tentando pagar os remédios.

— Considerou levá-la ao hospital?

— Sim, é complicado. Esquece isso, como tava a comida?

— …Muito boa.

Acabando, Leo foi até a porta e encarou San.

— Sem ofender, achei que fosse um babaca. Foi mal.

— De boas, eu pensei o mesmo de ti.

— Então, se precisar de ajuda, me chamar, to te devendo agora.

— Ótimo, vou cobrar.

— Só avisando, se for algo grande demais, você me deve.

— Podemos nos ajudar. Ficar trocando quem deve, vai complicar.

— Humm, boa ideia.

Estendendo a mão, apertaram em um sorriso.

***

Aceitar a morte de alguém é difícil, as pessoas se convencem de que essa pessoa não podia morrer. Podem tentar encontrar um significado. Mas não há, só dor, um ódio insuportável. Mortes sem sentido… Ódio eterno e dor da qual não passa.

— Eu o matei. — Sua voz era rouca e cansada.

San aceitou, só queria fechar os olhos e ficar daquele jeito. Quieto por um tempo, Sacro respondeu:

— Está errado.

— Poderia ter deixado Gus ir, esquecido. Ter me apressado em o salvar. Bolar um plano melhor e entrar junto às garotas. Errei em tudo.

Analisando o seu estado, Sacro sabia da situação ruim, podia necessitar tempo para uma pessoa se recuperar. Por isso, escolheu a segunda opção, cruel e objetiva.

— Não é sua culpa…

— Fica quieto, por segundo.

— San, pense. Como seu amigo ficou assim?

Ainda que desanimado, só desejando fechar a boca, respondeu:

— Monstros o encurralaram.

— Isso, e tinha vários mutantes juntos, e ele era um bom lutador, perdeu por quê?

— Era muitos?

— Errado, diga, qual foi o maior problema de Leo?

— …A mão machucada.

— E quem a deixou assim?

Sentindo o corpo energizar de novo, levantou do chão.

— Laurem…

— Sim, essa é a verdadeira culpada, e se safou.

Forçando a permanecer de pé, ódio emanava, os olhos tremiam, punhos tão cerrados a ponto de cair sangue.

— É verdade, Lauren o traiu, o machucou. É culpa dela.

Com a boca tão fechada que doía, decidiu na hora, justiça seria feita.

— Sacro, pesquise aquela mulher. Quero cada detalhe da sua vida, pista ou informação. Tenho um novo alvo.

Saindo do banheiro, achou uma enfermeira e deu ponto na sua perna. Descendo de elevador até o primeiro andar, sabia seu objetivo, e iria o cumprir. No momento, iria focar em outras pessoas.

Chegando até o quarto das garotas. A cada passo, o peso nos ombros crescia e a hesitação aumentava. Só de imaginar o estado delas, fez seu coração doer e sua nova motivação aumentar.

Entrando, continuava o mesmo, pessoas deitadas ou sentadas no chão e as duas no canto. Emile, a primeira a vê-lo, levantou animada correndo dos braços da irmã e foi até San.

— Onde tá o mano? Quero mostrar um desenho.

Emma se aproximou também. No entanto, só de ver o rosto de San, entendeu na hora, nem contendo, chorou.

— Emma, tá tudo bem, o mano já vai vim, né, San?

Sentindo algo preso na garganta, foi a coisa mais difícil que fez em anos.

— Me desculpa, Leo… Se foi.

Demorando para processar, Emile tentava compreender.

— É mentira, o mano tá bem, você prometeu… — A voz começando a mudar, segurando o choro.

— Eu sinto muito.

Os olhos de Emile se encheram de lágrimas. As duas, choraram alto. San não sabia o que fazer, nunca consolou alguém. Então, foram até os seus braços, e ficaram assim por longos minutos.

***

O tempo passou, a cidade resistiu, os humanos resistiram. Mark morreu lutando contra o chefe dos mercenários, Mercer se feriu gravemente, sendo obrigado a ser enviado a uma das cidades grandes.

Os monstros, a maioria mortos, o restante fugiu. Com isso, a cidade teve umas semanas de paz, o exército junto aos mercenários, afugentaram qualquer monstro corajoso que tentasse entrar.

Também construíram abrigos temporários, muitas das casas foram destruídas, incluindo a de San. As pessoas recebiam um teto e comida ruim de graça.

Arrumar um emprego nunca foi tão complicado, a maioria das lojas destruídas e inúmeras pessoas se feriram, dificultando as coisas. Pelo menos, os mercenários conseguiram trabalho facilmente.

Um mês se passou, os ricos preferiram continuar nas suas casas em cidades seguras, por isso, poucas das mansões tiveram os donos de volta.

San, sentado no chão da sua nova sala pequena, mantinha os olhos fechados. Seu cabelo crescendo indo até os olhos e vestindo uma camisa branca. Concentrando, sua expressão mudou. Finalmente, dominou a telecinese, atrasou por precisar resolver outros problemas.

Ainda de olhos fechados, moveu a energia do cérebro ao coração, os unindo. Quando se ligou, todo o corpo ardeu.

Arregalando os olhos, pôs as mãos no chão, uma dor enorme espalhou nos mínimos centímetros do seu corpo, modificando o interior, moldando.

Caindo de costas no chão, os ossos se moviam, tornando a dor pior e prolongada. Demorando um longo tempo, diminuiu de pouco em pouco. Levantando, sua cabeça girava e o senso de equilíbrio estava confuso.

Esticando os braços, pernas, deu socos no ar, chutes, e testando movimentos. Sentia ter ficado diferente, pesado. Porém, era só questão de tempo, uma hora iria melhorar e voltar ao ápice.

Naquele momento, pensava no nível da sua resistência. Considerando pegar uma missão, escutou batidas na porta. Estranhando, preparou a essência, as garotas foram à escola e nunca recebia vistas.

Abrindo a porta, deparou com um homem de terno, constituição forte, careca e usando óculos escuros, o melhor guarda-costas de Eugene.

— O chefe que te ver.

Acenando, saiu junto. Andaram sobre a estrada de terra, passando as casinhas pequenas com famílias grandes morando e soldados vasculhando os lugares.

No bairro rico, onde várias das casas eram reconstruídas. Ao chegarem na de Eugene, exatamente como sempre, até o gramado se mantinha perfeito.

Entrando na casa, subiram no segundo andar, após uma batida do segurança, escutaram uma voz mandando entrar.

Eugene permanecia atrás da sua mesa, exibindo um sorriso grande, mostrando os dentes de ouro. Sem precisar ordenar, San sentou na cadeira da frente.

Encarando por um tempo, Eugene relevou um leve espanto e disse:

— Impressionante, tem treinado?

— Um pouco.

— Bom, e esse olhar, impressionante, me lembra dos meus homens mutantes. Aqueles malucos violentos.

— Se veio me dizer isso, tô indo.

Levantando da cadeira, virou até a porta. O segurança já preparando para o impedir. Eugene, ficou surpreso, era inesperado.

— Tudo bem, vou direto ao assunto.

Voltando ao lugar, continuou:

— Tenho um trabalho pra você.

— Eu já falei antes, me esquece.

— Entendi, sabe, quero te contar uma coisinha. Depois da última vez, decidi ir atrás de um interesse seu. Então, procurando nos confins de informantes e subornando uns soldados, descobri algo realmente interessante.

Suspirando, San o olhou com tédio, esperava bobagem.

— Acredito que o destino queira, as coincidências são boas demais. Eu me lembro de anos atrás, uma garotinha, animada e alegre, sua irmã. Ela sumiu, sem rastro algum, na época, supus ter morrido, contudo, agora.

Dessa vez concentrado, San ouviu as palavras com cuidado.

— A encontrei, no local da sua missão, praticamente o esperando. E melhor, soube que tem procurado por uma Laurem, perguntando por aí. Também sei dela, e não vai acreditar na coincidência, está indo no mesmo lugar da missão. É o destino dando um sinal.

Inclinando o corpo para frente, San disse sério:

— Qual a missão? Com detalhes melhores dessa vez.

— Certo, quero que roube um item pra mim, em um lugar chato chamado: “academia para mutantes, Anastasia.” Vai ser difícil, perigoso e se for pego, pode morrer.

Revelando uma animação minúscula, disse:

— Feito, entretanto, quero mais.

— Como assim? Já tô ajudando bastante.

— Tenho outros assuntos a me preocupar. Essa academia fica bem longe daqui, se vou pra lá, vou levar as garotas comigo.

Com um rosto confuso, juntou os pensamentos, lembrando e respondeu:

— Ah, as irmãs do Leonardo. Bem, vai ser caro e elas vão ter dificuldade, mas OK.

— Não, uma vida boa. Vai pagar pela educação, dar um trabalho legal, casa, proteção, todo o necessário.

Mantendo a boca fechada por um tempo, olhava San com novos olhos. Antigamente, nem o imaginaria exigindo tanto.

— Ai me complica. — Pensando, considerou. — Tá bem, a mais velha pode trabalhar em um dos cabarés e a pequena espera até ter…

Sequer terminando a frase, os olhos de San brilharam vermelho, com um rosto tranquilo, respondeu:

— Claro, faz isso. E quando eu roubar seu item, destruo na sua frente.

Os dois, olho a olho. San, mostrava um rosto calmo, no entanto, até Eugene poderia ver a mudança, cabeça erguida, preparado a qualquer momento em o matar na hora.

Dando uma tossida leve, disse:

— Tudo bem, vou a colocar em um emprego de verdade. Feliz?

— Muito.

Estendendo a mão, Eugene esperou. San apertou com firmeza, revelando um sorriso sinistro.



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