Lana – Uma Aventura de Fantasia Medieval Brasileira

Autor(a): Breno Dornelles Lima

Revisão: Matheus Esteves


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 18: Viajantes

Lana, Aline e os dois viajantes de Polaris dormiram num pequeno acampamento improvisado, próximo a uma estrada nas matas do reino.

No dia seguinte todos acordaram cedo. O sol foi o primeiro a dar os sinais de um dia quente e ensolarado, e as garotas fizeram o desjejum juntamente com os viajantes, mas elas permaneceram a maior parte do tempo em silêncio.

Apesar de Aline se afeiçoar um pouco mais por Edmundo que carregava um semblante gentil e sempre oferecia algo saboroso para que a jovem degustasse, preferiu economizar as palavras. Via claramente na expressão de Lana o quanto incomodava a companhia daquelas pessoas.

Terminando a refeição o pequeno grupo preparou-se para partir, seguiram juntos pela estrada principal por algumas horas e então chegaram numa bifurcação.

— Tem certeza de que não querem vir conosco? Estariam seguras em nosso reino — disse Edmundo.

— Não, nós ainda temos assuntos a tratar — falou Aline estampando um sorriso de gratidão no rosto.

— Vão se arriscar ainda mais em meio à guerra? — insistiu o homem inconformado.

Aline apenas assentiu com a cabeça enquanto Lana permaneceu em silêncio.

— Assim sendo, ofereço a minha adaga para que possam se defender em momentos de apuros. — Rafael sacou da cintura uma pequena lâmina, segurou-a pela ponta afiada e apontou o cabo para a ruiva.

Lana permaneceu parada encarando-o com um olhar de indiferença. O jovem percebendo a teimosia da garota insistiu:

— Não a ajudo por piedade. Escute, eu sei que é pouco, mas prometo que assim que chegarmos à Polaris, diremos pessoalmente ao supremo as coisas que estão acontecendo ao seu povo. — E então Rafael aproximou da jovem, olhando em seus olhos com afeição, pegou a mão direita da garota e colocou a adaga em sua palma. — É uma promessa.

Então Lana sentiu sua face corar. Não fundo, ela não queria admitir o gesto de nobreza de Rafael. Seu orgulho a impelia a recusar, mas sentiu uma ponta de vergonha e uma pequena chama de esperança se ascendeu, talvez o jovem estivesse dizendo a verdade e quem sabe a ajuda realmente viria do Norte.

Por fim se despediram, e cada dupla foi por um caminho. Os viajantes rumaram para o noroeste enquanto Lana e Aline seguiram a nordeste rumo ao bosque.

Depois de mais algumas horas de caminhada as jovens finalmente chegaram em um local familiar.

Adentrar pelo bosque depois de tudo que aconteceu causava uma certa sensação de desconforto em Lana. Nada mudara, parecia que o tempo havia congelado naquele lugar. A ruiva não sabia quanto tempo passou desde que fora capturada pelos guardas, era como se bosque a recepcionasse de forma fria e silenciosa.

Ela seguia como de costume com uma vareta nas mãos, riscava o ar com alguns golpes que saiam quase que automaticamente, pois estava em volta as memórias daquele passado recente. A amiga mais à frente recitava algo baixinho:

 

“Três deles à esquerda,

Algum outro à direita,

Se fores para baixo,

Péssima ideia eu acho,

Lá encontrará mais um,

Reino arbóreo do Sul,

Para cima tem um reino,

Muito gelo em seu meio,

Seu rei começa com e … ”

 

— Está recitando errado Aline — interrompeu Lana.

— Como?

— São dois reinos para a esquerda, não três.

— Não são não!

— Porto Celeste e Álbion ficam à oeste, esquerda na sua rima, o reino de Ária é o que fica à direita, Polaris ao norte, ou seja, para cima e Merídia ao sul.

Aline levou algum tempo quieta, era como se estivesse calculando e então com um sorriso amarelo e um pouco sem graça acabou por dizer:

— A minha versão é a correta, tiraram um reino do mapa só para parecer que eu estou cantando errado.

— Sei, sei. A propósito onde você aprendeu isso? Não me lembro de escutar nada parecido na escola.

— Sério? Ai Lana, é que eu sou muito princesa, eu tinha aulas particulares só para mim! Você acredita?

— E a professora deveria ser a sua mãe?

— Não importa quem era a professora, era aula particular.

— É acho, está explicado.

— E aí, estamos chegando?

— Sim, só mais algumas horas e chegaremos em casa. Ao menos ao que restou dela.

— Sabe de uma coisa Lana? Você deveria tentar ser mais simpática com as pessoas.

Lana olhou surpresa para Aline, e um pouco sem jeito tentou convencer a amiga:

— Mas eu sou simpática!

— Muito! O monge e aqueles viajantes que o digam.

— Eu não sou que nem você que se abre toda feito uma mala velha quando vê um prato de comida, só isso — retrucou Lana.

— Dá licença que eu estou em fase de crescimento, preciso me alimentar bem.  Você já pensou se o meu príncipe me vê assim, toda esquelética? Eu preciso estar esbelta e radiante.

— Você não está nada esquelética, ontem estava até mesmo com uma pancinha de tanto que comeu.

— Credo Lana, que indelicado falar deste jeito da minha pessoinha.

— Você que começou Aline.

— E você não mude de assunto! O Rafael até te deu uma adaga e você nem mesmo agradeceu.

— Aline! — gritou Lana surpreendendo a loirinha que assustada deu um berro.

Assim que desviou o olhar para baixo, percebeu que a vareta que Lana manuseava pelo caminho estava rente ao seu pescoço. Talvez estivesse ali antes mesmo que Lana tivesse gritado o seu nome.

— Tá querendo me assustar de novo? Já falei para não praticar em cima de mim!

Com um sorriso de satisfação no rosto Lana se desculpou:

— Tudo bem, não vou mais.

— É bom mesmo.

— Embora seja divertido.

— Lana!

 

***

 

No outro caminho a dupla de viajantes discutia sobre o fato de terem que revezar o único cavalo que possuíam.

— Já disse Edmundo, não importa se foi o meu pai te mandou me buscar, foi o meu cavalo que morreu antes da travessia do lago. Não é problema algum revezarmos.

— Mesmo assim eu não poderia deixar o senhor andando a pé.

— Na próxima cidade compraremos um cavalo e tudo estará resolvido. Lembro que existia um vilarejo no final desta estrada.

— Sim há mesmo. Só espero que ela ainda esteja de pé após todas estas invasões.

— Sabe, ainda estou com aquela garota na cabeça.

— Não seria aquelas? — perguntou Edmundo.

— Verdade, tem a menina também. Engraçadinha ela por sinal — disse Rafael.

— Só assim parar rirmos em tempos tão difíceis.

— Mas o que me chamou a atenção foram as palavras da ruiva. Havia muita emoção em seu discurso.

— Não tiro a razão dela. Quem sabe das mazelas que tem passado? — perguntou Edmundo.

— Sim, e como será que conseguiram escapar de um campo de concentração?

— Uma boa pergunta.

E enquanto conversavam notaram que enquanto avançavam, no horizonte se formava cada vez mais presente uma carroça parada no meio da estrada. Logo puderam ver também um burro pastando na mata que margeava o caminho, e agachado na traseira do veículo era possível avistar um homem.

Os dois redobraram a atenção, mas não desviaram a rota.

— Justo agora isso foi me acontecer! Espero que os deuses não tenham me abandonado! — resmungava o homem enquanto tentava reparar o eixo danificado de sua carroça.

— Boa tarde, meu senhor! Precisa de ajuda? — disse Edmundo alisando a situação.

O homem ajoelhou-se para os céus e disse em voz alta.

— Que fique registrado que eu jamais duvidei de vós! — Logo em seguida virou-se para a dupla, ajeitou o óculos na face como lhe era de costume, com a outra mão limpou o suor da testa com a ajuda de um lenço e continuou: — Uma boa tarde aos senhores, mas como podem ver a minha tarde já não anda assim tão boa, e eu ficaria muito feliz em contar uma ajudinha.

— O que aconteceu meu senhor? — perguntou Edmundo.

— Creio que uma pedra tenha feito o favor de estar no meio do meu caminho, e ela provou que quem deveria ter se desviado era eu. Logo, quem se deu muito mal foi o eixo de minha carroça que partiu ao meio.

— Bem, está danificado mesmo, mas creio que podemos trocar o eixo por um outro — falou Edmundo após inspecionar a peça avariada. — Aquela árvore! Creio que podemos improvisar daquele galho mais grosso um eixo. — Então Edmundo tirou um machado que estava preso a sela do cavalo e partiu para a mata.

Rafael que até então assistia tudo em silêncio ao lado do cavalo encarou o religioso. Com um aceno o cumprimentou e o monge devolveu o gesto de mesma forma.

— Muita pressa monge?

— Como?

— No mínimo deveria estar correndo para que o eixo partisse ao passar por cima de uma pedra.

— Uma observação precisa meu jovem.

— Mas não vejo soldados e tão pouco bandidos por perto, logo não estava em fuga e pela direção que segue a cidade mais próxima daqui está a dias de distância. Qual o motivo da pressa?

— Um tanto curioso da sua parte não acha?

— Ah! Perdoe-me pela intromissão. Eu estava apenas especulando em voz alta. A propósito, meu nome é Rafael e aquele que desbasta a madeira da arvore é meu bom amigo Edmundo.

— Amigo, o termo correto não seria servo? — disse o monge. — Ah! Pode me chamar de monge Daniel — completou a frase com um sorriso.

— É verdade que ele serve a minha família, mas nem por ele isso deixa de ser meu amigo.

— Vocês não são daqui, não é mesmo? — falou o monge.

— Um tanto curioso da sua parte não acha? — disse Rafael de prontidão.

O religioso o encarou por alguns segundos. Pode-se ouvir um certo “Hunf!”, e então ele deu as costas ao rapaz e começou a retirar o excesso de peso da carroça. Rafael tratou de ajudar o monge, e logo ambos estavam esvaziando a traseira do veículo em silêncio.



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