Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 1: O início de uma nova jornada

Poucas semanas antes do grande alvoroço em Ancor, no reino de Carmim, finalizava-se o processo de graduação dos soldados. Um reino considerado o arsenal do continente. Lugar onde eram feitos os treinamentos e qualificações para integração no exército dos reinos e da almejada guarda mundial.

Dentre os cem aspirantes selecionados, os cinco com os melhores resultados disputavam, entre si, a vaga para o cargo de oficial da guarda do reino. Uma disputa quase como um torneio, onde cada um demonstrava em combate suas habilidades.

As regras eram bem claras, apenas imobilizar ou nocautear o adversário. Armamentos e escudos, somente os disponibilizados pelos responsáveis da prova. Magias podem ser utilizadas desde que não infrinjam nenhuma regra do conselho. Matar é contra as regras, mas sem restrições contra lesões aos oponentes, que muitas vezes saiam da prova direto para a ala dos curandeiros.

Dessa vez, houve um grande destaque de um dos participantes: Vladmyr Polan. Um jovem, esguio, cabelos na altura dos ombros num tom loiro. Sua pele clara, deixava bem em evidência os hematomas e cortes causados por seus adversários durante seu treinamento para a prova. Seus olhos eram bem expressivos e azuis como o céu. Um jovem arrogante. Tinha em torno dos dezenove anos. Treinado desde criança para ser o homem a se destacar no cobiçado exército mundial.

Ele não só se mostrava habilidoso em combate com espadas, mas também eficiente no corpo a corpo. Em sua última etapa, nocauteou três dos seus adversários e imobilizou o último, o qual deu mais trabalho por ser usuário de magia a longa distância. Dando fim ao combate e saindo como o vitorioso. Aproximadamente uma semana depois, Vladmyr recebeu oficialmente sua nova patente. Finalizou seu status como guarda, ingressando, agora, como oficial.

Nesse mesmo dia, houve uma solicitação de urgência no reforço da guarda no reino de Ancor. Ector Brugnar, um senhor com seus 54 anos, líder e comandante responsável pela distribuição do exército e tropas gerais, aproveitou a situação para incluir Vladmyr na missão. Afinal, seria uma ótima oportunidade para ver e avaliar suas atuais habilidades e atitudes em uma situação real. Poder acompanhar a evolução daquela criança, que cresceu e se transformou em um soldado, era algo muito importante para ele.

Ector é um homem forte, pardo, alto e com grande porte físico. Guarda consigo várias lembranças em sua pele de batalhas passadas. Seu cabelo curto e de um tom acobreado, continha vários fios brancos e mesmo assim era uma figura de impor respeito sem precedentes a qualquer um.

Excelente em combates com armas de grande porte. Carregava sempre consigo um grande machado de guerra, com alguns traços de desgaste, mas sempre bem afiado. Apesar de sua vasta experiência na guerra e em treinamentos de jovens oficiais, acreditava que a melhor experiência sempre foi e sempre será a que se aprende em campo.

Dias antes do chamado urgente, a várias léguas de Carmim, chegava um eufórico correspondente. Ele trazia consigo uma carta do conselho de Ancor, endereçada à cúpula de dirigentes mágicos. Aquele magricela mal se sustentava de pé, provavelmente veio correndo o caminho todo, aparentemente queria demonstrar um excelente serviço, pois de fato foi solicitada uma incomum urgência.

O reino de Manshur é constituído em sua maior parte por magos, feiticeiros e sacerdotes, mais conhecido como o Reino Mágico. Dentro da cúpula são tratados a maioria das negociações de compra e venda de magias e poções. Também são feitas as traduções e resgates de pergaminhos antigos.

— O que traz consigo mensageiro, que é de tanta importância? — O correspondente foi recebido pessoalmente pela Sacerdotisa Mirra Clein.

— Uma mensagem direta do... do conselho de Ancor. — Ele vacilava entre uma fala e outra devido à falta de ar.

Era incomum mensageiros irem direto à cúpula de Manshur, mas dada urgência foi algo necessário. Ela pegou o envelope e após verificar o selo de autenticidade, logo dispensou o rapaz que deu de cara com os portões se fechando em sua frente, antes mesmo que pudesse se virar para a saída.

Mirra sempre foi uma mulher elegante e estudiosa. Seus cabelos ruivos um pouco abaixo dos ombros destacavam suas sardas que também ficavam em evidência por trás das grandes lentes de seus óculos. A jovem ficava a desejar na parte física, sendo magricela, frágil e quase desprovida de curvas femininas. Sua grande aptidão, na prática de magias e encantos garantiram seu alto cargo na cúpula, um meio que dominantemente ainda é masculino.

Ao abrir a carta, franziu a testa. Claramente preocupada, a mostrou aos demais presentes ali. A maioria, após ler, parecia querer evitar o assunto que estava naquele papel. Um silêncio inquietante pairava, um ar de incerteza e medo se estampava em seus rostos. Foi quando Cázhor Wilheiman, um dos notáveis magos do reino, se pronunciou.

— Bom... o Sr. Sthef jamais perderia seu tempo se não fosse algo realmente importante.

— Mas por qual motivo ele fez essa solicitação direcionada só a você? — Mirra indagava claramente descontente enquanto encarava aquele papel — Então... eu vou com você!

— Não há necessidade, senhorita Clein. Não vejo o motivo de dois membros do conselho se deslocarem até lá. — Ele dizia imparcialmente.

— Mas é uma viagem longa, com os ânimos do jeito que estão, pode ser perigoso. — Ela claramente queria acompanhá-lo.

Praticante assíduo de magias de alto nível, Cázhor tem uma vasta experiência nesse quesito. Com seus trinta e quatro anos possui porte físico e estatura mediana, cabelos curtos, ouriçados e estranhamente esverdeados. Considerado por muitos um pouco apático, porém ainda assim, mantinha bem o aspecto de polidez na maioria das situações.

Para auxiliar em sua jornada, Cázhor optou pela presença de sua jovem e esforçada pupila, Lenna Weins. Uma jovem praticante de magia, meiga, de cabelos longos num tom avermelhado quase que escarlate que combina com o tom de seus olhos.

— Ela sempre se virou com os conhecimentos que adquiriu nos livros e pergaminhos dados de empréstimo da grande biblioteca do reino de Nifhéas, nossa biblioteca mundial, ou na sala de estudos onde passa a maior parte de seu dia — ele justificava sua escolha continuando — um pouco de experiência fora daqui será bom para ela.

— Sr. Wilheiman, há tantos outros que podem lhe auxiliar melhor do que ela… e seria bem menos arriscado. — Mirra insistia, aflita, para que ele trocasse sua escolha.

— Ela ainda era um projeto em construção. Mesmo não aparentando muita habilidade, a considero especial, com um grande potencial a ser explorado. — Sua expressão, levemente, mudava, ao falar dela.

Lenna vivenciou sempre uma grande rejeição por ser uma transmorfo. Uma raça conhecida por ser criada a partir de mutações forçadas de outros seres. Isso se evidenciava ainda mais devido às suas orelhas e a grande cauda felina, o que facilita seu reconhecimento pela população.

Uma garota transmorfo legítima de sua raça, o que hoje em dia é algo extremamente raro de se encontrar. Ela foi abandonada ainda criança em frente à cúpula e colocada sob cuidados de Cázhor desde então. Era compreensível ele querer que ela se destaque, afinal ele a ensinou tudo o que ela sabe até hoje.

Para aprender e desenvolver sua magia, nada mais justo, que ela permanecesse ao lado de alguém que esteve com ela desde o início. Talvez a população, vendo a participação dela em eventos de tal importância, faça criar um elo com os demais da raça. Esse vínculo talvez ajude a entender e estudar melhor essas criaturas, sem que haja sempre um conflito.

— Não vou questionar mais sua escolha, mas por favor, dê notícias quando chegar lá. — Mirra parecia triste, mas não havia mais o que fazer. A decisão estava tomada.

Após a convocação de Cázhor, Lenna aprontava seus pertences para a viagem. Apesar de ser praticante de magia, levava consigo poucos livros, pois, devido ao seu árduo treinamento, conseguia memorizar bem todo seu conhecimento.

Para a viagem, levava também dois cantis, uma pequena bolsa de couro e alguns mantimentos para a jornada. Tudo coube em algumas caixas no fundo da carruagem. Usava uma roupa leve de tons mesclados do roxo claro ao escuro, botas de cano médio e um acessório que não abria mão: uma tiara com uma joia de cor azul esverdeada. Acessório esse, que lhe foi dado por seu mentor.

— Senhor, do que se trata essa tal chamada urgente? — questionou Lenna, enquanto finalizava o arranjo de seus pertences.

— Algo sigiloso que você não precisa saber de detalhes, apenas me acompanhe e aprenda o máximo que puder na viagem — ele respondeu de forma vaga e inquietante.

Ele a alertou que, apesar da pouca informação, ainda assim, algum rebelde poderia abordá-los no caminho e que ela poderia ser usada como “moeda de troca”. Então deveria sempre estar de prontidão para evitar ser capturada e comprometer a missão.

— Veja bem, senhorita Weins, mesmo sendo minha pupila, qualquer vazamento de informação pode comprometer a missão — ele continuava impaciente — nem eu mesmo estou completamente ciente do que nos espera.

— Minha vida toda esperei que você me levasse junto em suas viagens. Eu estou preparada para situações como essa, ainda mais tendo o senhor como mentor! — Ela parecia empolgada, sua cauda balançava continuamente de um lado para o outro.

— Apesar de tê-la criado, não se gabe. Apenas lhe fiz o favor, tornando-a minha pupila, já que nenhum outro mentor a aceitaria. Então coloque-se em seu lugar e contente- se em fazer o que lhe for ordenado — disse Cázhor de forma rude e seca.

— Sim senhor... — Lenna disse cabisbaixa.

— Vamos! — Cázhor disse firme, mas também parecia ansioso com o que estava por vir.

Após isso, a viagem seguiu sem mais conversas e com uma atmosfera pesada. Lenna sabia que ele se empenhava em ensinar-lhe o melhor e que estava longe de ser uma pupila cobiçada pelos demais. Mesmo assim, aquelas palavras atingiram-na como farpas em seu coração, fazendo a jornada até o reino de Ancor seguir silenciosa e ausente de interrupções.



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