Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 3: Uma difícil aceitação

Nos aposentos, Vladmyr estava inquieto com a novidade sobre o grande livro de Fazhar.

— Como o grande reinado pôde esconder tais informações da população? Será que, ao menos, sentiram um pouco de remorso de fazer isso?

— Mas qual seria a necessidade de espalhar que algo tão poderoso não está em posse do reinado e sim ao suposto alcance de qualquer um? — retrucou Ector.

O líder do exército avaliava a situação e apesar de tudo, compreendia a falta de divulgação do caso, concordando com a escolha dos integrantes da equipe. Após o conflito mais cedo, de cabeça fria, agora ele enxergava que foi a melhor escolha: um oficial recém-graduado com excelentes habilidades, porém ainda desconhecido, que anda com seu superior nas missões, algo totalmente comum e insuspeito; um mago renomado, porém acompanhado de um transmorfo que repudia os olhares alheios fazendo com que sua presença seja menos chamativa.

Vladmyr já se preparava para dormir, mas ainda permanecia com sua convicção de que ela atrapalharia a missão. Perguntava-se a todo momento se ela estaria a trabalho dos rebeldes. Pensamentos esses que acabavam com seu sono.

— Jovem, compartilho do seu sentimento, mas neste momento, apenas podemos ter cautela. Somente o tempo e uma análise mais profunda nos dirá se ela realmente planeja algo — desabafou Ector ao seu oficial inquieto.

O silêncio predominou por vários minutos, até que, sem mais opções, mesmo que contra sua vontade, ambos acabaram caindo no sono.

Logo pela manhã houve uma leve volta à normalidade dos comércios no reino. Cázhor já se encontrava no salão principal do refeitório, mas sem a companhia de Lenna. Sentado em uma mesa quase que isolada dos demais, finalizava seu chá com pequenos quitutes que lhe foram servidos.

Vladmyr e Ector se direcionaram à ala norte do refeitório, que era enorme. Várias mesas e pessoas andando de um lado ao outro, algumas se servindo, outras somente de passagem para outro local. O salão de tão grande parecia comportar quase toda uma província do reino.

Após o término do café, Vladmyr se levantou da mesa dizendo que iria verificar se as montarias já estavam ajustadas para a partida. Enquanto isso, Ector se direcionava de volta ao quarto para buscar seus pertences e pegar alguns suprimentos.

O jovem oficial caminhava por um grande corredor que levava até o estábulo principal. Quando estava se aproximando do final, escutou uma voz feminina que parecia calmamente conversar com alguém. Olhando da extremidade da parede, viu Lenna. Era clara sua feição de desgosto e receio ao ver tal cena.

“Será que ela vai sabotar as montarias?” analisava ele. Decidiu observá-la por mais tempo, para, no momento certo, pegá-la em flagrante.

Sentada no feno, próxima a um cavalo marrom com uma grande mancha preta nas costas, Lenna parecia bem à vontade. Neste momento não tinha ninguém além dos animais. Ela estava segurando um pequeno pedaço de algo parecido com o pão élfico, ou mais conhecido por eles como phador. Um alimento altamente nutritivo, feito para saciar e durar bem mais do que os pães normais.

Lenna conversava com esse cavalo como se ele realmente a entendesse. Sua expressão esbanjava doçura em seus olhos. Hora ou outra, soltava alguns risos baixos, parecia estar com medo que alguém a ouvisse. Ao observar melhor, Vladmyr percebeu que ela estava aparentemente terminando seu café da manhã.

“Porque ela está sentada ali sozinha?” indagou ele.

Aquela situação só dava mais motivos para confirmar as suas suspeitas, enquanto isso continuava a observá-la.

O jovem oficial se esticou para tentar ouvir melhor o que ela murmurava. Surpreendeu-se quando Lenna, subitamente, olhou desconfiada para a sua direção, mas se deparando com o vazio. Vladmyr se sentiu frustrado por quase ser descoberto espionando. Uma posição, ao seu ver, ridícula para um oficial.

Percebendo que Cázhor se aproximava. Resolveu, então, se retirar antes que fosse descoberto. Quando se virou, deu de frente com seu superior, o encarando com uma feição de desgosto ao ver Oficial do exército espionando alguém daquela forma. Dando um pequeno tapa em suas costas, o empurrou de sua “tocaia” fazendo-o desequilibrar e ir para frente aos tropeços. Totalmente embaraçado, se direcionou ao encontro dos demais enquanto Lenna e Cázhor olhavam constrangidos, sem entender a cena.

Finalmente, com tudo preparado, os quatro se puseram a caminho da coordenada mais próxima, indicada nas anotações entregues por Liffa, sendo Ector e Vladmyr na frente, seguidos por Lenna e Cázhor.

O primeiro destino era o reino de Mizuyr, mais co­nhecido como lar dos druidas, fadas e duendes. Normalmente sua população não é muito amigável, devido à grande ação de caçadores e ladrões, que vão atrás de itens raros, muitas vezes, destruindo a mata e assassinando seus habitantes. Tudo pelas sonhadas “iguarias”.

Ector estava em posse do mapa, enquanto Cázhor organizava e tentava alinhar as informações recebidas de Liffa.

— Se tudo der certo e não houver nenhum imprevisto — afirmou o guerreiro — nossa viagem até as proximidades do reino de Mizuyr levará em torno de uma semana, levando em conta as paradas para descanso e reposição de suprimentos.

Pelo caminhar das coisas, a viagem parecia que seria longa e tediosa. Mal havia comunicação entre os quatro. Hora ou outra ouviam-se alguns murmúrios de Cázhor sobre a precariedade das informações e orientações recebidas e qual caminho seguir.

Após longos dias de jornada, os cavalos estavam exaustos. A fim de evitar fazer o repouso em algum local deserto, optaram por acampar em uma província bem ao sul de Ancor, a quase dois dias de Mizuyr. Apesar do local parecer bem deserto, pois o comércio e as residências já haviam ficado para trás, ainda não era tão longe de algum povoado do reino no caso de uma emergência.

Cázhor preparava um encanto para sinalizar qualquer intruso que se aproximasse do acampamento. Vladmyr, a mando de Ector, providenciou lenha para montar a fogueira e preparar os alimentos juntamente com Lenna, que preparava algo parecido com uma sopa de legumes.

Ele ainda a observava atentamente, sempre desconfiado. Por mais que tentasse esconder, ficava bem visível sua feição de desconforto diante a presença dela.

“Engraçado, vê-la tão alegre cozinhando... ela é tão simples, considerando sua situação, não deveria se sentir tão bem”. Vladmyr sentia um conforto ao ver aquela cena que acabou se perdendo em seus sentimentos.

Passados alguns minutos a comida estava pronta. Vladmyr havia saído para colher mais galhos para alimentar a fogueira enquanto Cázhor terminava seus preparativos.

— Com licença senhores, vou verificar as montarias. Podem se servir. Espero que gostem! — disse Lenna, enquanto se levantava, meio sem graça, e ia em direção aos cavalos.

Vladmyr voltava com vários galhos nas mãos, mas quando a viu indo em sua direção, disfarçadamente voltou o caminho, a fim de evitar o contato visual. Assim que ela saiu de vista, ele retornou a fogueira e recebeu de Ector uma grande tigela com sopa. Ele acabou aceitando a contragosto.

— Considerando quem fez, até que está bom! — ironizava — Sr. Wilheiman, o que sua mascote está fazendo? Já tem um tempo que ela saiu.

— Garoto, pelo amor dos deuses, pare de provocar! — repreendeu Ector.

— Se tem tanto interesse, vá você mesmo perguntar a ela, meu caro — respondeu Cázhor, dando de ombros.

Irritado, Vladmyr levantou-se e foi em direção às montarias. As várias advertências e objeções de seu superior não foram o suficiente para ele desistir.

— Como podemos deixá-la sozinha, Senhor? Ainda mais em uma missão tão importante. Ela deve estar tramando algo com certeza! — convicto, disse o jovem oficial. Logo após, seguiu em direção onde Lenna estava.

Ao voltar sua atenção para o caminho, Vladmyr acabou trombando em Lenna. Ela parecia guardar algo em uma pequena bolsa de couro antes do brusco encontro. Subitamente ele agarrou seu punho com força, obrigando-a a tirar o que quer que estava guardando.

— Aposto que está planejando algo, o que está escondendo aí?

— O quê? Como assim escondendo? Me solta! Você está me machucando!

Ector se levantou bruscamente e foi em direção a Vladmyr a fim de evitar um desastre ainda maior. Puxou-o fortemente pelo braço, isso fez com que ele soltasse Lenna, que caiu sentada.

— Está louco, garoto?!

Da pequena bolsa da maga, caiam pelo chão, alguns pedaços de phadors. Embrulhados com folhas de plantas silvestres do campo, o qual ajudavam a conservá-los por mais tempo, revelando o que ela guardava antes de ser abordada.

— Qual é o seu problema?! — indagava Lenna assustada e aos prantos.

— Jamais te ensinei a agir dessa maneira! — Ector repudiou o ato de seu subordinado.

— Achei que fosse algum feitiço, algo do tipo... sei lá... — Vladmyr tentava se justificar.

— Veja, meu jovem, também me perturba ser acompanhado por uma espécie que já trouxe tantos conflitos a esses reinos. Mas a culpa não é dela. Por mais que ela seja da mesma raça, é justo julgá-la por algo que nem ao menos esteve presente?

Vladmyr escutava cabisbaixo e em silêncio.

— Deixando de lado o meu estúpido preconceito, devo agir fazendo com que o título imputado a mim, valha algo. Você deveria fazer o mesmo! Ou o lema: "proteger aqueles que se sentem oprimidos", que você disse durante sua graduação, não valeu de nada? Se for o caso, temo de ter fracassado como seu mentor!

Depois que terminou de dar uma lição no jovem oficial, Ector percebeu que Lenna tentava juntar os poucos pedaços que encontrava de phadors pelo chão. Estava com a mão trêmula e de cabeça baixa.

Ele curvou-se para ajudá-la a se levantar. Tal atitude repentina fez com ela se assustasse ainda mais, arrastando-se pelo chão no sentido contrário, como um animal acuado e com os olhos ainda marejados.

— Desculpe, não era minha intensão assustá-la ainda mais... — Porém, antes mesmo que pudesse continuar, foi interrompido por Cázhor o qual, rapidamente, se prontificou a levantá-la.

— Já basta! — disse Cázhor, direcionando seu olhar para os dois ali de pé. Logo em seguida, acompanhou Lenna até sua tenda.

Depois de toda a confusão, Ector com um olhar claramente decepcionado, pegou seu saco de dormir e deitou-se próximo à fogueira.

— Fique de vigia essa noite. Você precisa de muito tempo para pensar em suas atitudes — ordenou Ector à Vladmyr.

Ele, sem contestar, apenas reforçou as chamas da fogueira com mais lenha e ficou de prontidão.



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