Volume 2
Capítulo 34: A semente da dúvida
A espessa camada de neve os envolvia como um manto pesado. Seus olhos tentavam ainda se acostumar com a claridade do céu acinzentado. O cheiro úmido da vegetação se misturava às partículas da densa magia recém-utilizada. O silêncio se fez presente e, ora ou outra, era quebrado pelo assobio do vento nas folhagens ou pelo som irregular da respiração de Gutter, que ainda tentava se recompor do que acabara de acontecer.
Varbbek olhava fixamente para Cázhor. Também parecia confuso de como chegaram ali. Sua mente ainda tentava processar tudo.
— Você... — O druida hesitou por um momento. — Você copiou a magia dela?
— Copiar é uma forma meio grosseira de dizer, Sr. Beothoro, mas, respondendo à sua pergunta, sim. Na verdade, eu observei e adaptei para fazer o reverso. — O mago fez uma pequena pausa com um ar incrédulo — E veja só, funcionou.
— Como assim, “funcionou”? — disse Gutter, com os olhos arregalados, enquanto olhava em volta, tentando reconhecer o local. — O senhor não tinha certeza se ia funcionar, e mesmo assim mandou a gente entrar naquele vórtex?
— Nada se cria do nada, meu caro. Tudo é um experimento. Só precisei de um tempo para entender como ela moldava a energia e torcer para que minha versão não nos despedaçasse no processo. — Cázhor flexionou os dedos da mão restante, sentindo a energia residual ainda percorrendo seu corpo.
— Impressionante. — Varbbek sorriu de canto, ligeiramente preocupado — Você realmente faz jus ao seu título.
— Vamos deixar a conversa para depois. Precisamos voltar quanto antes. Acho que tive uma ideia de como passar a barreira — A respiração de Cázhor era pesada. Tudo indicava que remodelar uma magia daquele nível consumia muita mana, principalmente por não conhecer a base de seu encantamento.
— Isso agora será fácil! — comemorou Gutter. — Estamos a poucos dias da base. Chegaremos logo. Finalmente, uma vitória.
— Melhor não se precipitar, meu caro — Cázhor soltou um riso seco e debochado — Estamos sendo rastreados.
O mago ergueu a mão com a qual conjurara a magia. A mesma linha fina e translúcida de mana, que usara para identificar a ligação entre os feitiços, agora o conectava à sua criadora original.
— Mas... como...? — Varbbek e Gutter estreitaram os olhos, tentando compreender o significado daquela linha quase imperceptível e até onde ela se estendia.
— Parece que, ao usar a essência de mana daquele lugar, ela também conseguiu usar a minha.
— Mas ela sabe onde estamos? Quanto tempo temos até que ela nos encontre? — Gutter estava claramente apreensivo.
— Infelizmente, não tenho uma resposta para lhe dar — Frustrado, Cázhor também encarava o pequeno rastro de mana que se ligava a ele.
Então, o druida fechou os olhos por um instante e colocou suas mãos sobre o tronco de uma grande árvore próxima a ele. A madeira, úmida pela neve, exalava um frio cortante. Ao seu toque, a fina película de gelo que a cobria se desfez. Cázhor observava em silêncio, atento à ação do companheiro. Varbbek estava em sua terra natal e tinha a vantagem de se conectar ao terreno ao redor. Claramente, ele tinha um plano.
— Graças àquele maldito lugar, agora consigo distinguir com mais precisão onde a terra está em desarmonia com a mana natural de Gaia — continuou Varbbek, ainda de olhos fechados. — Assim, podemos evitar as criaturas. E se, de fato, aquela mulher estiver nos rastreando, precisaremos seguir uma rota diferente. Será mais longa, mas dificultará que ela nos alcance e encontre nossa base.
O grupo começou a se deslocar, mas a espessa camada de neve, resultado das constantes tempestades, dificultava a progressão do trio. Tinham um longo caminho a seguir. Cada passo era medido, e cada som ao redor, analisado com cautela. De tempos em tempos, Varbbek parava para avaliar o terreno e, como imaginava, sua nova habilidade estava se provando extremamente útil. Até então, haviam conseguido evitar qualquer encontro com as criaturas.
A densidade do ar ainda os envolvia como um manto pesado e sufocante, tornando cada passo mais cansativo que o anterior. Não importava para onde olhassem, tudo estava tomado pela neve. As árvores, retorcidas sob o peso do manto branco, davam à floresta um aspecto sombrio. Mesmo assim, o vento cortava as folhagens como um uivo que ecoava e se dissipava no vazio. No céu, uma mistura opaca de tons de cinza se mantinha, impedindo-os de discernir se era dia ou noite. O trio mal conseguia enxergar além de alguns metros à sua frente, pois a visibilidade se tornava cada vez mais limitada.
A tensão que se instaurava sobre o trio era cada vez maior. A respiração de Gutter, irregular e ofegante, era cada vez mais audível. Ele tentava se recompor, mas o medo crescente de que a mulher-demoníaca os encontrasse o assombrava. A cada estalo, ele olhava para os lados com ansiedade, como se algo fosse surgir das sombras da floresta a qualquer momento.
Varbbek estava incomodado há um tempo com a postura de seu amigo de infância. Sabia que, após anos afastados, ele poderia encontrar outra pessoa do que conhecera quando jovem, mas Gutter não era um covarde. O medo era compreensível, mas parecia haver algo mais. Os jovens cresceram juntos, enfrentaram perigos lado a lado, no entanto, agora ele parecia um estranho à beira de um colapso.
— Por que não compartilha suas preocupações com o restante de nós? — A inquietação de Varbbek não passou despercebida pelo mago.
O druida ficou em silêncio. Sua expressão deixava claro que a resposta que pairava em sua mente era algo em que ele não queria acreditar. Não era só receio; era como se algo dentro dele estivesse em conflito, algo que nem o próprio Gutter compreendia. Depois do encontro com o inimigo, o olhar do rapaz oscilava entre paranoia e uma hesitação contida, como se tentasse esconder algo sem ter plena consciência do que era.
— Está tudo bem? — disse Varbbek, apoiando sua mão sobre o ombro do amigo.
— Sim... sim — respondeu Gutter, piscando os olhos opacos fortemente e voltando a si.
— Certeza? — insistiu Varbbek.
— Claro! — afirmou o rapaz arqueando uma das sobrancelhas e franzindo o senho como se estranhasse a pergunta.
— Bom... vamos seguir — Cázhor, como sempre, parecia completamente indiferente à situação do companheiro.
Apesar da situação atual, o mago tinha suas próprias preocupações. Ele sentia a mana que se agitava ao redor dele, oscilando conforme o fluxo instável que os acompanhava desde que deixaram a caverna. Sem contar a passagem de tempo que parecia estranha; o céu não mudava, as condições climáticas não condiziam com a da região. Desde que receberam aquela marca, essas anomalias começaram a se tornar frequentes. Por onde ficava tempo demais, a mana se agitava de maneira errática, como se algo estivesse sendo influenciado pela mera presença deles.
“Será que tem alguma ligação com isso?” Enquanto andava, Cázhor encarava o local da marca em sua mão.
Varbbek não gostava de coincidências, e essa era grande demais para ignorar. Contudo, sua prioridade era voltar à sede e expor sua ideia para passar as barreiras.
“Não há para aonde ir... Você não vai conseguir se esconder para sempre...” Uma voz risonha ecoou na mente do mago, interrompendo seus próprios pensamentos.
Cázhor parou de imediato. A tênue linha de mana ligada à sua mão pulsava a ponto de quase arder. Ele sabia que o inimigo ainda não os havia localizado, mas era somente questão de tempo. A estranha mulher demoníaca tentava, de alguma forma, invadir seus pensamentos, sondando, rastreando, mergulhando em seu íntimo. No entanto, Cázhor era um mago muito experiente e, graças a isso, conseguiu bloquear a investida mental.
Enquanto isso, muito longe dali, a poeira misturada à estranha névoa ainda se assentava sobre o campo devastado. O cenário, antes acinzentado, agora ardia em vários pontos, com pequenas chamas crepitando, vestígios da fúria da magia de Cázhor. Fragmentos de rochas carbonizadas e árvores retorcidas estavam espalhados por toda parte. O ar permanecia denso e pesado, como se até a natureza lutasse para se recuperar da violência do confronto.
— Tsc!
— Não conseguiu, né?
— Cale a boca! Isso é culpa sua! — A mulher, impaciente, agitava seus longos cabelos azuis.
— Minha?! — resmungou uma voz masculina.
— Você teve a chance de acabar com eles na caverna e preferiu deixá-los à mercê da sorte.
— Aquele lugar maldito estava selando mais da metade do meu poder. O que você esperava que eu fizesse contra cinco?
As respostas petulantes fizeram com que a mulher agarrasse o pescoço do homem de maneira brusca, arrancando-o das sombras e trazendo-o para perto de si, revelando o intenso brilho púrpura em seus olhos.
— É melhor você se lembrar de quem é o superior aqui, Thorm. O único que tem o direito de se dirigir a mim dessa forma é o Lorde Vastyr — rosnou a mulher, após soltá-lo. — Agora vá e mande seu “ratinho” encontrá-los.
— Sim, senhora! Lady Hannya — respondeu Thorm, entre dentes, enquanto desaparecia nas sombras.
Hannya se aconchegou em seu improvisado trono, já que o anterior havia sido destruído na luta contra Cázhor. Ela parecia contente e radiante, como se há muito tempo não encontrasse ninguém capaz de fazê-la levar uma luta a sério. Sorrindo, observava o pequeno feixe de mana que cintilava em seu punho.
— Agora estamos ligados, meu querido. Quando eu te achar, você será todo meu... — disse ela, lambendo lentamente seus próprios caninos.
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