Magna Ordem Brasileira

Autor(a): Tomas Rohga


Volume 1

Capítulo 3: Um grito na escuridão

Thales avançou devagar, tentando improvisar um plano de ataque sem retirar os olhos de cima da aranha gigante.

Não tinha certeza quanto ao real valor de seus atributos, contudo, se possuía apenas 1% de Elo como um personagem inicial de videogame, pela lógica, o bicho devia ser mais forte do que ele. O garoto tinha pouco conhecimento de jogos do gênero, mas aquele fato provavelmente significava uma morte certa se atacasse de peito aberto. Thales engoliu em seco diante do risco iminente de morrer outra vez.

Então teve uma epifania. Sua classe era um Peão, correto? Então agiria como tal. Subiu os degraus o mais depressa que pôde e, aproveitando a movimentação da aranha para um lado da estátua, Thales foi para o outro, movendo-se numa diagonal para tentar derrubar a escultura do rei em cima do bicho e esmagá-lo.

Vamos ver se a minha Força é suficiente pra isso, pensou ele, empurrando as costas contra a lateral do objeto. Thales, contudo, começou a ficar roxo por prender o fôlego, levantando a estátua uns dois centímetros do chão.

Khhhhhh! A aranha grunhiu ao notá-lo, partindo imediatamente ao ataque.

Num reflexo desajeitado, mas instintivo, Thales conseguiu rolar para o lado, sentindo parte das vestes rasgarem nas costas e um grande talho surgir no local. Levou a mão até o ferimento, umedecendo os dedos com sangue morno.

— Merda. — Por desespero, Thales resolveu olhar seu Status novamente, percebendo que havia perdido 30 pontos de Vida. — Vou acabar morrendo desse jeito.

 

«!»

O Jogador é um Peão com Graduação de Ouro, portanto dispõe da habilidade «Promo». Escolha o atributo que será promovido temporariamente:

>Força: 90 / Resistência: 50 / Destreza: 30 / Magia: 30

«Promoção: +1077»

 

A aranha acelerou para alcançá-lo, atirando-se para cima da presa com as quelíceras batendo como ganchos de ferro. Thales, ainda assustado com a primeira morte, simplesmente berrou com toda a força dos pulmões:

— Resistência!

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Força: 90       Destreza: 30

Resistência: 50 (+1077)       Magia: 30

Cansaço: 7       Promo (Torre)       

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Quando a aranha caiu em cima de Thales e tentou abocanhá-lo, as pinças se esbarraram com a pele do garoto tão sólidas quanto pedra. O bicho se afastou perturbado, mas já preparando outro ataque. O garoto, porém, foi mais rápido, querendo testar a Promo em Destreza:

-------------------------------

Força: 90       Destreza: 30 (+1077)

Resistência: 50       Magia: 30

Cansaço: 4       Promo (Corcel)       

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Thales andou um passo para frente, mas, quando deu por si, havia dado a volta pelo tablado inteiro e pegado a criatura por trás, enxergando um alvo de luz sobre as costas dela. Aconteceu tão depressa que sentiu vontade de vomitar, mesmo assim, vociferou antes que a aranha girasse as oito patas:

— Força!

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Força: 90 (+1077)       Destreza: 30

Resistência: 50       Magia: 30

Cansaço: 1       Promo (Rainha)       

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Com a mão direita fechada num punho, Thales girou o corpo e investiu com a vontade de quem queria sobreviver a todo custo. Não sabia dar um soco — só fizera jogar Xadrez na outra vida —, por isso enfiou um golpe atrapalhado na fuça da aranha, mas forte o suficiente para vê-la instantaneamente explodir em mil pedaços de sangue azul e carne de aracnídeo.

Chocado consigo mesmo, o garoto caiu de bunda ao lado da estátua, respirando ruidosamente com a exaustão corroendo os músculos. Uma leve brisa bagunçou seus cabelos.

 

«!»

Missão «Extermine a Grande Aranha Carnívora» concluída.

Requisitos: 1/1

O Jogador evoluiu: Elo 1% >>> 2%

 

Recompensas:

1× Mapa do Castelo Esquecido

1× Seda de Aranha Carnívora «COMUM»

1× Faca de Aracne «INCOMUM»

1× Cristal darkinus «VERDE»

Aceitar?

>Sim / Não

 

Foi impossível conter o sorriso diante daquela tela brilhante. Apesar do risco que correu, não conseguiu deixar de apreciar a vitória. A coisa toda lembrou mesmo a dinâmica de um videogame.

Thales prontamente aceitou as recompensas, achando os espólios gratificantes ao final de tudo. Também notou que, embora as roupas continuassem rasgadas, o ferimento em suas costas havia se fechado após evoluir.

 

«!»

O Jogador atingiu o Elo necessário para ativar:

Habilidade Passiva «O Malandro»

Clique >aqui<

 

Ao apertar, observou o atributo se abrindo numa segunda janela, mostrando a verdadeira descrição da habilidade:

 

«O Malandro»

Olhar do Ladrão:

O Jogador é capaz de visualizar os Status daqueles em seu campo de visão.

Ativar?

>Sim / Não

 

Thales não deixou passar que a habilidade Promo havia sugado três pontos de Cansaço a cada utilização, o que significava, a princípio, que a promoção de atributo se limitava a três usos. Não queria descobrir o que aconteceria se seu contador chegasse a zero, mas tinha uma boa ideia por causa dos jogos — provavelmente ficaria paralisado até que o atributo se enchesse novamente, tornando-se vulnerável a qualquer criatura no processo.

Por causa disso, considerou prudente conhecer o Elo de um inimigo antes de enfrentá-lo. Poderia fugir caso encontrasse uma criatura forte demais.

Finalmente apertando no “Sim” para ativá-la, Thales fez o óbvio ao tentar usar a habilidade sobre o cadáver da aranha, querendo saber se era limitada a seres vivos, mas percebeu que não havia sobrado nada da criatura; o sangue azulado sujando até mesmo a estátua daquele rei.

Ergueu uma sobrancelha, repentinamente curioso quanto à estátua misteriosa. Ao olhar com mais cuidado para os pés dela, percebeu um epitáfio escrito numa linguagem estranha, mas que Thales prontamente compreendeu (supondo que Mitty tivesse algo a ver com a proeza). Leu que a escultura representava “Zeron, o Rei Solitário e seu gato”. Achou curioso o detalhe do gato, mas sua atenção foi logo tomada pelo poema bastante desgastado que vinha embaixo. O garoto começou a ler:

“Quando o Escuro selo esmorecer,

Da paz, o fim terá início.

Mas o d'Áureo desejo irá se manter

No ramo do Rei, do seu gran' sacrifício.”

O poema continuava numa segunda estrofe, mas tão desgastada que Thales só conseguiu distinguir um par de palavras: Grande e voltar. Não compreendeu o sentido de nada, mas a palavra “voltar” encheu seu coração de uma pequena esperança. Teve uma ideia:

— Mitty, existe um jeito de eu retornar pro meu mundo original?

 

Sim.

 

— Não acredito! Por que não me contou antes?! Como eu faço?

 

«Informação Bloqueada!»

O Elo do Jogador é baixo demais.

 

Thales sentiu o golpe, mas não desistiria depois de descobrir algo tão crucial: — Em que Elo a informação é desbloqueada?

 

«Informação Bloqueada!»

 

Ele sorriu desanimado. Não vai ser tão fácil burlar o sistema com o próprio sistema, não é?

Sem mais ideias, afinal resolveu olhar as recompensas, preferindo analisar os espólios antes de estudar o mapa. A primeira foi a Faca de Aracne, cuja descrição explicava que o item era feito de “uma das quelíceras da Grande Aranha Carnívora”, acrescentando +15 pontos na Força do usuário.

A Seda era um objeto em formato de novelo de lã que emanava uma fraca aura azulada, descrito como “a teia da mais alta qualidade fabricada pela Grande Aranha Carnívora, podendo ser usada para amarrar”, e nada além disso. O item não oferecia nenhum aumento de atributo, por isso Thales não enxergou muita utilidade. Estava prestes a descartá-la e olhar o mapa quando uma mensagem de Mitty apareceu.

 

«!»

O Jogador pode guardar itens e artefatos em seu Tabuleiro:

Espaços disponíveis: 64

Deseja guardar «Seda de Aranha Carnívora»?

[1 Espaço]

>Sim / Não

 

Bom, mal não vai fazer, não é? Dando de ombros, ele aceitou a condição, observando o novelo desaparecer de sua mão numa luz granulada e o número de Espaços no Tabuleiro mudar para 63.

O último objeto, porém, escapou da compreensão de Thales. O tal do “Cristal darkinus” não trazia descrição alguma além da palavra «verde» e o fato do próprio cristal ser esverdeado, mas como era polido e parecia precioso, fez como o novelo e também o guardou no Tabuleiro, diminuindo os espaços para 62.

Com a faca agora firme na mão, decidiu enfim olhar o mapa, surgindo como um conjunto de linhas simplificadas na janela do sistema.

— E pra que eu vou querer esse negócio? — questionou de sobrancelha erguida. — Quero é sair daqui, não me embrenhar mais no lugar.

Thales girou nos calcanhares e começou a descer a escadaria, ciente de que a floresta — seu próximo destino — provavelmente abrigava dezenas de criaturas mais perigosas que a aranha gigante. Só esperava que não demorasse muito até encontrar outro ser humano…

AAAAAAaaaahhh!

Um grito repentino ecoou do interior da escuridão que se estendia para além do corredor lateral. Thales se virou com rapidez, apontando a faca imediatamente na direção do som, mas a sala do trono continuava vazia. O berro viera de algum lugar muito longe.

Humano, pensou ele. Foi um grito humano!

 

«!»

O Jogador ouviu um lamento e deseja descobrir a sua origem.

Missão Secreta: A Morte dorme nas profundezas do castelo

Requisitos: Salve a pessoa que está gritando

Recompensas: ???

Aceitar?

>Sim / Não

 

O dedo de Thales voou imediatamente até o “Não”, mas parou a centímetros da opção. Podia ser uma missão em que subiria de Elo como a primeira, aproximando-se mais um passo da informação de retornar ao seu mundo, mas o título já clarificava que seria uma coisa suicida. Para completar, a recompensa era um mistério total. Parecia haver mais contras do que prós no final das contas.

SOCORRO! POR FAVOR! — O grito ecoou novamente, ainda mais angustiado.

Merda! Amaldiçoando a própria covardia, Thales finalmente parou de ruminar e enfiou o dedo no “Sim”, desejando que tudo fosse para o diabo.

— Já tô fodido mesmo…

 

Missão «A Morte dorme nas profundezas do castelo» iniciada.

 

A princípio, apenas um ponto branco aparecia no mapa, indicando a localização de Thales, mas um ponto vermelho começou a piscar em outro local, marcando o seu destino.

Respirando fundo e com a Faca de Aracne na mão, o garoto seguiu até a escuridão do corredor desconhecido.



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