Volume 1
Capítulo 5: Fim de jogo
Imbecil, pensou Thales.
À beira da morte e com a esperança lhe deixando o corpo, ocorreu a ideia de que a magia daquele mundo precisava de um canalizador para funcionar, por isso a destruição da Faca de Aracne no momento do primeiro ataque. Àquela altura, porém, não havia restado mais nada além das mãos vazias… ou havia?
Desde o princípio — no momento em que abriu os olhos naquele castelo pela primeira vez — sentia um objeto conhecido em sua calça de camponês, tão acostumado à sensação que, apesar de inesperada, nem pensou demais sobre o assunto. Com a dor nas costelas impedindo qualquer movimento brusco, puxou seu velho amuleto dourado do bolso: a peça de Xadrez que o pai lhe deu e que, extraordinariamente, o acompanhou até aquele mundo.
Trêmulo, o garoto apontou o Rei na direção de Kalyna com a mão saudável; uma cruz na extremidade da peça, consciente de que o ataque havia destruído a faca minutos atrás. Daquele modo, ficava óbvio que, se estivesse certo quanto ao canalizador, segurava a lembrança de seu pai pela última vez…
Movendo os olhos, Thales fitou o homem loiro do outro lado da arena. Não havia usado o Malandro para consultar as informações do sujeito, portanto não sabia o nome dele. Esperava apenas que a distração pudesse salvar uma vida àquele dia e, se não fosse a sua, que fosse a de alguém que havia perdido todos os companheiros. Mas cacete… delirou ele. Eu queria tanto viver…
Correndo as vistas pelo que restou dos cinco guerreiros sem vida, Thales voltou a encarar Kalyna, encontrando uma cena que o fez erguer uma sobrancelha.
A Rainha havia parado. Parado não — paralisado. Por trás do elmo escuro que escondia seu rosto, a mulher não retirava a mira da peça na mão de Thales.
De repente, ela começou a estremecer como se estivesse passando frio. As pernas vacilaram até cair de joelhos perante Thales, sem mais nem menos.
O que tá acontecendo? Assustou-se ele. — E-eu nem usei magia.
Porém, de algum modo, percebeu que o comportamento subitamente inexplicável da mulher partia dela mesma.
Prendendo o fôlego, o garoto observou quando a Rainha decidiu levar as mãos até o elmo e, vagarosamente, revelou a face que se escondia por baixo da proteção.
Apesar dos ferimentos, Thales ainda teve sangue para corar diante daquele rosto. De repente, contemplava uma cascata de cabelos prateados adornando a aparência mais bela que já vira na vida. Deus, e que olhos são esses? Não imaginava que uma cor daquelas pudesse existir. Lembrava um azulado místico; o céu pouco antes do anoitecer…
Engoliu em seco, desconfiado do aspecto inexplicavelmente comovido de Kalyna. Ela desistiu de lutar? Mas por quê?
Com a mão protegida pela armadura, ela tocou primeiro na peça de Xadrez, depois subiu até a face de Thales, acariciando-lhe com uma delicadeza fraternal.
Estremecendo com a frieza da luva metálica, o garoto sentiu-se envolvido por uma energia aconchegante. Seu braço esmagado recuperou-se em meio a uma aura mágica e suas costelas pararam de doer. Admirado, voltou a prestar atenção nos olhos da mulher, flagrando uma lágrima cortar o rosto dela.
Não entendeu mais nada, mas ficou ali sem se mexer, assistindo à situação culminar num gesto ainda mais bizarro quando a Rainha simplesmente elevou a própria espada e a ofereceu para Thales, sorrindo ao proferir numa voz doce que soou por toda a arena:
— Obrigada…
A bagunça formada na cabeça do garoto fazia o mundo girar diante de si, guiando sua mão direita até a lâmina oferecida por ela, mas a arma começou a se desfazer numa fumaça preta antes mesmo de tocá-la, espalhando-se pela armadura enquanto a mulher desaparecia pouco a pouco.
A névoa escura subiu numa lentidão espiralada, purificando-se em algo cristalino conforme se espalhava pelos ares, até a guerreira finalmente colapsar em formato de poeira de estrelas, sumindo bem diante das vistas dele.
Thales ficou ali, divagando; o olhar perdido sobre o exato ponto em que o sorriso de Kalyna existiu pela última vez. Sentiu-se estranho e sortudo, mas o golpe visual da mensagem de Mitty o arrancou do transe.
«!»
Dungeon «A Morte dorme nas profundezas do castelo» concluída.
Requisitos: Derrote a Rainha Desolada «atingido»
As «Recompensas» estão sendo processadas.
O garoto mal teve tempo de processar a informação, pois o chão do castelo começou a estremecer abaixo dele.
Agradecendo em silêncio por não estar mais ferido, Thales correu até o nobre e gritou com urgência, levantando-o do chão:
— Vamos! A gente tem que correr!
O olhar do homem flutuava um tanto perdido sobre os companheiros sem vida, mas voltou a si diante do tom autoritário do garoto.
— S-sim… — balbuciou. — Vamos.
A dupla partiu em disparada, sentindo os tremores se intensificarem a cada segundo. Blocos de pedra rolavam das paredes e, por duas vezes, Thales teve que se desviar de um grande pedaço que despencou do teto e não o atingiu por questão de centímetros.
Ao atingirem o hall de entrada, os pilares começaram a despencar, ruindo sobre a estátua de Zeron, o Rei Solitário.
— Depressa! — rugiu o garoto, fazendo um gesto largo com o braço.
Eles se jogaram desesperadamente pela saída, rolando pelo solo firme da floresta enquanto o Castelo Esquecido desmoronava-se sobre si mesmo, espalhando uma quantidade inacreditável de poeira.
Thales e o homem passaram quase um minuto tossindo, até a nuvem baixar um pouco e o garoto finalmente descobrir a identidade do sujeito.
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Status
Nome: Arell d'Artamis Elo: 20%
Idade: 41 Classe: Peão
Raça: Humano Graduação: Prata
Título: Darkizoologista
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O restante das informações envolvia uma lista com os fracos atributos de batalha, o que foi uma decepção para o jovem.
Baseando-se nas próprias estatísticas, imaginava que alguém com Elo de 20% fosse bem mais poderoso, mas não foi o que encontrou, além do fato de o homem não possuir a habilidade Promo como ele. Teria algo a ver com a Graduação? Thales achou que podia ser o caso, pois se recordava claramente de ter a de Ouro diante da janela mostrando Prata para Arell.
Deu de ombros. Na tentativa de compreender aquele mundo, teorizar era o máximo que podia fazer a princípio.
Então a tela se alterou mais uma vez, surgindo um novo aviso:
«!!»
As «Recompensas» foram processadas. Devido à disparidade de Elo entre o Jogador e o Chefe da Dungeon, o Jogador receberá uma «Benção».
Recompensas:
– 1× Autoridade do Rei
Escolha uma Benção:
>Aliança de Kalyna
Cura dos Céus
Volta pra Casa
Correndo os olhos pela mensagem, Thales notou que não podia consultar a descrição dos itens antes de realmente escolhê-los. Aquilo seria um problema numa situação de estratégia, mas a última opção retirou todo o peso de seus ombros: Volta pra Casa…
Caso estivesse na Terra, teria achado divertido jogar um game aos moldes daquele mundo, mas experimentá-lo na própria carne, sangrando e sentindo as piores dores de sua vida, só fizeram o garoto desejar ainda mais o retorno. Quando regressasse, pensou em tentar escrever um livro sobre as aventuras que viveu até ali…
— Ei, garoto — chamou o homem, levantando-se do chão e batendo as roupas. — Você está bem?
Surpreso, Thales se virou até ele. Tinha se esquecido da companhia.
— De algum modo… E o senhor? Tá ferido?
— Pela graça dos seis divinos, estou bem. Obrigado. — Ele trouxe a mão próximo à altura do coração. — Diferentemente daqueles pobres coitados que trabalhavam na minha guarda.
— Aquelas pessoas mortas… não eram seus companheiros?
Ele negou tristemente com a cabeça.
— Eu os contratei como guarda-costas. Estou encabeçando uma grande pesquisa pelo território do continente, e a Floresta da Caveira estava no meu itinerário, entende? Há muitos segredos ocultos neste lugar, segredos perigosíssimos, então só posso te agradecer por salvar a minha vida. Foi incrível o que fez lá dentro, meu jovem.
Nem Thales sabia direito o que tinha feito lá dentro, por isso ergueu uma sobrancelha e insistiu em algo que havia lhe chamado a atenção: — Uma pesquisa?
— Ora, onde estão os meus modos? Meu nome é Arell d’Ar… — O homem forçou um pigarro, mudando de assunto ao oferecer a mão. — Sou Arell, o darkizoologista, um pesquisador especialista em darkini. Estou numa jornada para criar o maior bestiário que esse continente já viu.
Interessante, pensou o garoto, cumprimentando-o de volta. Deduziu que o homem não queria revelar o próprio sobrenome, o que podia significar duas coisas: a primeira — Arell era um criminoso procuradíssimo, embora Thales não acreditasse naquilo, mais inclinado à segunda hipótese — o nobre apenas pertencia a uma família proeminente, e por isso desejava a discrição.
O garoto deu de ombros. Não podia se importar menos com aquilo, lembrando-se do cristal darkinus que a Grande Aranha Carnívora havia deixado para trás. Decidiu arriscar no assunto:
— Então esses darkinus… são algum tipo de cristal?
Arell gargalhou de apertar a barriga, fazendo o garoto se questionar quanto à tolice da própria pergunta.
— Me desculpe por isso, garoto. Na verdade os darkini, como chamamos no plural, são criaturas mágicas que vivem por todos os cantos. Os mais incautos costumam chamá-los de monstros, mas são seres fascinantes. Nós, humanos, ainda conhecemos muito pouco sobre a Raça, então meu trabalho passa por desbravar esse horizonte gigantesco de segredos. — Ele abriu os braços como se quisesse abraçar a floresta. — Quero entender tudo sobre os darkini, inclusive o motivo de alguns serem tão inofensivos enquanto outros, terrivelmente perigosos… como aquela entidade de armadura.
Thales cruzou os braços. Jurava ter lido outra informação a respeito de Kalyna.
Mitty? Chamou em pensamento. Só eu posso ver a sua janela?
O Jogador está correto.
Então esse homem não deve saber… imaginou ele.
— Senhor, acho que ela não era um monstro… Talvez fosse uma pessoa sofrendo de uma maldição. — Pelo menos era o que aparecia no Status dela.
O homem franziu a testa, mostrando certa desconfiança.
— Hipótese interessante, meu jovem. Por que acha isso?
— N-na verdade é só um palpite.
Arell suspirou, começando a confissão:
— Infelizmente, meus guardas e eu só caímos naquela armadilha porque deixei minha curiosidade científica falar mais alto. Quando encontrei as ruínas de uma construção misteriosa como essa — apontou na direção do castelo destruído —, no meio de uma floresta que ninguém coloca os pés, fiquei ansioso em catalogar os darkini que viveriam ali dentro, mas só encontrei uma solidão opressiva e aquela coisa de armadura, que derrotou cinco guerreiros com Elo acima de 40, mas destruída por você, que me diz agora que era alguém sob maldição… Quem é você afinal, garoto?
Ele teve de pensar depressa na desculpa:
— S-só um viajante, senhor. Thales Belacruz é o meu nome. Acabei me perdendo neste lugar, mas já estou voltando pra casa. — Coçou a bochecha. — E não acho que eu tenha derrotado aquela mulher, senti mais como se ela tivesse apenas… desistido. Acho que tivemos sorte. Muita sorte.
Sorrindo com bondade, Arell puxou um caderninho do bolso e rabiscou numa página.
— Não foi apenas sorte — afirmou ele —, por isso anotei o seu nome. Acredito que, um dia, os deuses permitirão que nossos caminhos se cruzem novamente. Quando isso acontecer, devolverei apropriadamente a boa vontade de ter desviado do seu caminho para salvar a minha vida. Eu não me esqueço daqueles que me ajudam, Thales Belacruz.
O garoto sentiu sinceridade no tom de Arell, que sorria como alguém que verdadeiramente agradecia a outra pessoa.
Entrementes, o nobre se ofereceu para mostrar uma trilha segura que os levaria à saída da floresta, explicando que retornaria à capital do Império, mas Thales recusou agradecido, dizendo que já sabia aonde ir.
Após se despedirem e tomarem rumos diferentes numa bifurcação, o garoto enfim se sentou ao pé de uma árvore frondosa e solicitou que Mitty mostrasse a janela de recompensas mais uma vez. Ele sorriu para a mensagem, convicto de sua decisão.
Escolha uma Benção:
Aliança de Kalyna
Cura dos Céus
>Volta pra Casa
Sentindo uma estranha mescla de satisfação e alívio, desceu o dedo até a última opção, observando o corpo ser imediatamente envolvido por um brilho intenso após apertá-la. Thales fechou os olhos e deixou a claridade morna o abraçá-lo.
No segundo seguinte, desapareceu do pé da árvore.
Somente uma brisa fria ficou para trás.
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Status
Nome: Thales Belacruz Elo: 2%
Idade: 16 Classe: Peão
Raça: Humano Graduação: Ouro
Título: Nenhum
Vida: 360 Mana: 280
Força: 170 Destreza: 130
Resistência: 145 Magia: 135
Cansaço: 13 Promo (??): +1164
Habilidades Passivas
O Fazendeiro: Elo > ? O Ferreiro: Elo > 7%
O Tecelão: Elo > ? O Mercador: Elo > ?
O Médico: Elo > ? O Taverneiro: Elo > ?
O Sentinela: Elo > ? O Malandro: Olhar do Ladrão > Ativo
Espaços no Tabuleiro: 62
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