Volume 2
Capítulo 65: Julgando um Livro pela Capa (1)
Na White Griffon, como em todas as seis grandes academias, os alunos de diferentes anos não dividiam espaço, para evitar que os mais velhos e mais fortes confundissem os mais novos.
Essa façanha foi alcançada simplesmente por cada ano letivo ocorrer em um único andar. No andar térreo do castelo funcionava a zona de acolhimento dos visitantes e do Secretariado, onde os escriturários cuidavam da papelada da academia
O primeiro andar acomodava o primeiro ano da academia, o segundo andar, o segundo, e assim por diante.
Acima do quinto andar, ficavam os aposentos dos funcionários e seus laboratórios pessoais, mas a maior parte do espaço estava descrito no mapa como vazio ou atribuído a departamentos com nomes indescritíveis.
Lith suspeitava que todos os negócios privados da academia, como os cursos de formação de especializações ocultas, aconteciam ali.
Naquele momento, pensando, enquanto olhava para o mapa do castelo com Soluspedia, Lith não estava se perguntando sobre os mistérios da academia, mas sim amaldiçoando seu projeto defeituoso.
– “Droga! Não é à toa que os Professores sempre se movem com Warp Steps. Eu não percebi a princípio, mas mesmo um único andar é como uma cidade pequena, muito maior do que toda a vila de Lutia.
O Prize Hall fica bem longe do hospital. Vou levar pelo menos dez minutos para chegar lá e muito mais para voltar ao meu apartamento. Eu não tinha planejado fazer tanto cardio! Estou cansado, só quero dormir e comer.-
A única coisa boa nesta situação, é que todos estão sofrendo o mesmo destino. Depois do gongo, o professor Vastor saiu por conta própria, deixando-nos presos na enfermaria. “-
Com tudo o que acontecera durante seu primeiro dia, a carga psicológica na mente de Lith era enorme.
Enfrentar valentões, se segurando para usar magia verdadeira, ser forçado a tolerar tantos idiotas sem chutar sua bunda, era algo a que ele não estava mais acostumado. Desde seu renascimento, ele sempre manteve as interações humanas ao mínimo.
Agora, ele estava constantemente em alerta, ele não podia baixar a guarda por um segundo, e a cédula sempre estava à mão. Ele mal podia esperar para trancar a porta atrás de si e, finalmente, ter um pouco de paz e sossego.
-[“Não sei se algum dia teremos permissão para usar Warp Steps aqui …”]- Solus ponderou. – [” Mas… por que exatamente não estamos flutuando, voando ou algo assim? Não há regra contra o uso de magia dentro da academia, exceto se usada para prejudicar ou assediar outras pessoas.”]-
Lith congelou no local, e fez um facepalm por causa de sua própria estupidez.
– “Ou estou muito cansado para pensar com clareza, ou você é definitivamente mais inteligente do que eu achava. Eu te amo, Solus.” -Pensou Lith.
-[“Te amo mais.”]- Ela respondeu.
Lith fingiu lançar um feitiço de voo pessoal e depois disparou, ficando de costas no teto. A viagem de dez minutos tornou-se um voo de um minuto em baixa velocidade, Lith não podia correr o risco de bater contra outra pessoa.
Durante esse tempo, Lith contemplou como ter um relacionamento simbiótico mudara sua vida. Ele não estava pensando em Solus tendo uma visão 360 ° 40/10, sua dimensão de bolso ou qualquer uma de suas capacidades.
O que nunca parava de surpreendê-lo era como ele se acostumara a pensar em si mesmo como “nós” em vez de “eu” em seus próprios pensamentos. Apesar do terror que ela atingiu em seu coração após seu primeiro encontro, Solus estava agora mais perto dele do que suas irmãs.
Eles compartilhavam até mesmo seus sonhos, enquanto ele dormia.
Quando ele chegou, o Salão dos Prêmios foi uma decepção completa. Lith a imaginou como uma biblioteca, mas cheia de tesouros mágicos, com as prateleiras ocupadas por itens e suas descrições.
Ele havia pensado em folheá-los, pedindo a ajuda dos balconistas de vez em quando, mas a realidade era diferente. Espremido entre as salas de treinamento dos Battle Mage e War Mage, havia algo que lembrava um caixa eletrônico.
Na tela piscando havia a imagem pulsante de uma palma aberta, então Lith seguiu as instruções infalíveis, enviando mana para ela. O visor ficou claro, fazendo um holograma 3D de um funcionário aparecer.
Era uma mulher rechonchuda na casa dos trinta, com um rosto cansado que envergonhava Lith. Com os olhos fixos no rosto dele, Lith pôde vê-la mexendo em algum tipo de cristal.
“Você é o Lith de Lutia, certo?” O cristal em suas mãos projetava uma imagem detalhada de suas características faciais.
Lith concordou.
“Tem alguém aí com você? Alguém está te forçando a gastar seus pontos?”
“Não.” Lith era cínico e paranoico, mas ficou surpreso ao ver como as coisas deveriam ser ruins nas academias para impor tal protocolo.
A mulher pressionou outro cristal e uma bolha de luz envolveu Lith.
“Você está em uma zona segura. Ninguém pode nos ver ou ouvir agora. Precisa de ajuda? Posso enviar um guarda em um segundo com Warp Steps. Tem certeza de que está tudo bem?”
“Sim, estou bem. Obrigado por sua gentileza.”
“1000 pontos no seu primeiro dia ?!” A mulher parecia sinceramente surpresa. “Garoto, nossa… sinta-se à vontade para verificar nosso inventário.”
Na tela apareceu algo semelhante a uma página da web, pela qual ele poderia navegar usando a mana.
Os preços dos itens dimensionais variaram de 100 a mais de 300 pontos, os anéis de armazenamento de magia custaram 100 pontos por nível. Também havia armas disponíveis, mas Lith nunca segurou uma de verdade.
Seu treinamento, na Terra, fez uso apenas de espadas de madeira, facas e lanças. O equilíbrio era completamente diferente e sem um treinamento adequado seriam inúteis contra um oponente habilidoso. Poções eram os objetos mais baratos, custando 10 pontos cada.
O item mais caro era o uniforme, custando 5000 pontos. Isso permitiria a Lith mantê-lo mesmo depois de concluir seus estudos e trocá-lo por algo menos chamativo.
Infelizmente, não havia relógio de pulso ou de bolso disponível.
Ele comprou o amuleto dimensional mais barato (80P), um anel de armazenamento de magia para cada uma das três primeiras camadas (600P) e uma poção de aprimoramento físico de cada tipo (30P). Lith agora tinha tudo que precisava para mascarar o uso da verdadeira magia e Solus.
A balconista enviou a ele os itens por meio de Warp Steps, um de cada vez, pedindo que ele os imprimisse na frente dela, por razões de segurança. Mesmo as poções não eram exceção.
No caminho de volta, ele parou na cantina. Era muito cedo para o jantar, mas ele precisava desesperadamente de comida reconfortante, então guardou uma xícara de chocolate quente e alguns doces antes de voltar para o quarto.
Os livros ainda não haviam sido entregues, então ele poderia finalmente relaxar e contemplar suas compras. A primeira coisa que ele fez foi usar as poções de velocidade, força e endurecimento da pele, comparando seus efeitos com a magia de fusão.
Depois de enchê-los novamente com água colorida, bastava fingir que bebia um desses para poder ativar a magia Fusion sem levantar suspeitas, desde que mantivesse os efeitos semelhantes.
Só quando foi ao banheiro percebeu o quão grande era seu quarto. Era muito mais semelhante a um apartamento do que um quarto, cerca de cinquenta metros. Ele tinha uma cama de casal no canto superior direito, seu peito estava na frente da cama.
Alguns metros à esquerda, encostado na parede, havia um guarda-roupa de madeira.
Na parede esquerda havia uma escrivaninha de pau e uma cadeira para seus estudos, com algumas estantes desocupadas montadas acima dela. Móveis à parte, a sala estava vazia, fazendo-a parecer ainda maior.
Uma porta interna conduzia ao maior banheiro que ele já vira, ocupando mais de um terço do quarto. Havia uma toalete de verdade e uma pia em frente a um espelho, ambos com água corrente
Lith estava à beira das lágrimas, depois de todos aqueles anos ele quase se recusou a fazer xixi no vento e cagar em um buraco no chão. Mesmo na casa do conde Lark, o melhor que conseguia era um penico.
A maior parte do espaço, pensava-se, era ocupada por uma banheira grande o suficiente para acomodar confortavelmente quatro pessoas.
– “Sou eu ou quem desenhou este quarto tem a mente suja? Primeiro a cama de casal e agora isto?”- Pensou Lith.
– [“Faz sentido, considerando que eles estão empilhando adolescentes sem o controle dos pais. Lembra-se do feitiço que Nana nos deu antes de irmos para o Lightning Griffon?”] – Solus apontou.
-“Na verdade, eu quase tinha esquecido. Mas vendo o quão rápido Tista e Rena se desenvolveram, mesmo aos doze anos não deve ter sido difícil para Nana encontrar um parceiro. Eu sou alto para a minha idade, mas ainda sem pelos, e sou mais baixo que a maioria dos meus colegas de classe.
Sem falar nisso, até a ideia de tocar em uma criança me dá vontade de vomitar. “-
Lith então teve o despejo mais magnífico e confortável desde seu renascimento. Aquele momento sozinho fez todas as dificuldades que ele experimentou desde que entrou na academia desaparecerem como um pesadelo.
Depois disso, ele tomou um longo banho quente, ou pelo menos era esse o plano. Ele mal havia mergulhado seu corpo e ensaboado seu cabelo quando alguém bateu em sua porta.
“Eu sabia! Essa deveria ser a quarta lei da termodinâmica: sempre que um corpo e um sabonete se encontram, chega um pacote!”
Furioso, com um aceno de mão ele usou a magia da água para remover a maior parte da água e do sabão de seu corpo, puxando seu uniforme da dimensão do bolso bem em seu corpo, como se nunca tivesse se despido.
Conforme previsto, um balconista veio entregar-lhe todos os livros necessários para o quarto ano de academia. Percebendo sua carranca e cabelo molhado, o funcionário adivinhou o que havia acontecido e saiu depois de fazer Lith assinar seu registro.
Depois de um banho e outra ligação para casa, Lith foi jantar.
Ele estava prestes a consumir um delicioso atolho recheado quando algo inesperado aconteceu. Sua solidão perfeita foi interrompida por três pessoas conhecidas que se aproximaram de sua mesa. Lith os deteve antes que pudessem se sentar.
“Desculpe, mas temos um ditado na minha aldeia. A melhor maneira de desfrutar de um atolho requer apenas dois convidados: eu e o atolho.”
“Não queríamos compartilhar, só queríamos sentar aqui, com você.” Yurial disse.
“Mesmo?” Lith franziu as sobrancelhas. “Você não tem medo das consequências de se associar a um pária?”
Yurial riu da ideia, atraindo todos os olhares na cantina. A única coisa que os outros sabiam, era que os quatro pertenciam à mesma especialização. Esperando que uma luta estourasse, a sala ficou em silêncio.
“O que há para ter medo? Meu pai é um arquimago, ele pode exterminar a maioria desses caras com um estalar de dedos. Além disso, magos poderosos devem ficar juntos.”
“Sim? E o frasco de vidro que você jogou em mim esta manhã? Ou o lenço sujo com que ela me bateu na cabeça?” Lith disse enquanto apontava para Friya, que ficou vermelha de vergonha.
“Como você sabe? Eu estava bem atrás de você.”
“Eu sou muito bom.”
“Eu admito, começamos com o pé errado, mas não há razão para não sermos amigos.” Yurial disse com uma atitude confiante e carismática.
“Amigos?” Lith se levantou, o público até parou de mastigar, tentando escutar a conversa.
“Esse é o filho de um arquimago!” “Acho que ele não teme o *fim do covarde*.” “Espero que eles se matem.” Esses foram alguns dos comentários que Lith e Solus conseguiram perceber.
“Se você estivesse no meu lugar, você realmente seria amigo de alguém que primeiro o maltratou, apenas para agir de forma amigável quando descobrir o seu talento? Meu palpite educado é não
Todos vocês deveriam ter sido mais espertos e não ter julgado um livro apenas pela capa. Sorte minha, você revelou sua verdadeira natureza, então eu não vou comprar sua bela atuação. ”
“Eu admito, eu estava errado e peço desculpas por isso.” Yurial era implacável, Lith tinha que se esforçar. “Você pode não gostar de nós, mas tente ser mais pragmático. Se eles o virem conosco, sua vida será muito mais fácil.”
“Entendi.” Lith respondeu. “Mas agora, não estou com vontade de fazer ‘amigos’. Talvez outra hora.” Ele estendeu a mão para Yurial, que prontamente apertou o golpe. “Obrigado por não me ameaçar com o poder do seu pai. Muito apreciado.”
“Teria funcionado?” Yurial perguntou com um sorriso.
“Não, eu teria chamado seu blefe. Nem você, nem qualquer arquimago, me parece alguém tão mesquinho e míope a ponto de fazer de toda a academia um inimigo por algo tão trivial.
Yurial aceitou o elogio e foi embora, seguido de perto por Friya. Quylla ficou para trás, olhando para Lith com seus grandes olhos de cachorrinho.
“Desculpe por não te ajudar esta manhã, mas eu estava com muito medo de me mover.” Ela disse em um tom baixo. “Eles não são caras maus, acho que merecem uma segunda chance. Eles têm sido muito legais comigo.”
Lith rosnou, fechando o rosto para o dela de forma ameaçadora, mas sua voz estava calma e carinhosa.
“Escute bem, coisinha. Nunca confie nas pessoas só por causa de algumas palavras baratas ou presentes. Para elas nosso talento é apenas uma ferramenta, elas não nos consideram iguais.
As pessoas sempre serão boas e amigáveis até que você atenda ao seu propósito, mas, ao primeiro erro, elas vão deixá-la cair como lixo. Atenha-se a esses dois, mas não deixe que eles te usem. E agora vá, antes que alguém pense que somos amigos.
Ou você quer uma cédula também, ou fique bem longe de mim. Vai!”
Lith gritou a última palavra para os outros ouvirem. Aos seus olhos, Quylla estava destinada a acabar como Nana, a menos que ela conseguisse ser sábia e se livrar de sua ingenuidade infantil.
Finalmente sozinho, Lith se sentou e começou a devorar seu jantar.
-“Vocês vão ver, seus desgraçados. É só uma questão de tempo até que essa jovem cobra de Lutia se transforme em dragão e engula vocês inteiros.” –