Volume 4

Capítulo 129: História secundária: Combatentes

Ponto de vista: Forrund

As pessoas começaram a se tornar monstruosidades cerca de uma hora atrás.

Eu já derrotei aproximadamente trinta deles, mas o fim disso não estava à vista. Muitos continuavam correndo alucinados e não tínhamos garantias de que as pessoas parariam de se transformar. Resolver a situação requeria que nos livrássemos da causa.

Eu segui para a direção de onde senti a energia mais maligna enquanto continuava a eliminar qualquer monstruosidade que encontrasse.

— Mu-muito obrigado!

— …

— U-uhm…

— … sem problemas.

Eu gesticulei para o homem me agradecendo dizendo que não havia necessidade de expressar sua gratidão, e que ele deveria focar suas energias em escapar dessa área que ainda era insegura. Mas por alguma razão estranha, ele acabou se desculpando comigo com uma expressão pálida e em pânico antes de fugir com pressa.

Eu não entendi o que aconteceu. Eu estava planejando oferecer a ele uma escolta para garantir sua segurança, então por que ele fugiu?

— Haaaahh…

Eu suspirei.

Eu nunca entendo o motivo, mas essas coisas sempre acontecem. Eu me certifico de ficar em silêncio e sem expressões, mas todos sempre dizem que eu pareço transmitir um ar de intimidação. Eu nunca pensei por mim mesmo, mas, pelo visto, essa é a forma com que eles me veem. Isso ficou tão ruim que eu até comecei a me acostumar a assustar todos que encontro.

Eu não era muito bom em conversar com pessoas, então eu tentava gesticular, mesmo assim, elas ainda se assustavam comigo. Eu estava completamente perdido. Eu não entendia como deveria agir.

— Não há o que fazer. Eu só vou continuar procurando pelas monstruosidades.

Eu pulei no topo do prédio mais alto, algum tipo de negócio com quatro andares e inspecionei meus arredores.

A mudança na altura me concedeu uma visão muito mais clara da cidade.

— Hmm…

Nenhuma dessas monstruosidades se incomodava em usar a noite como cobertura. Elas não escondiam suas energias ou intenções malignas, então eu fui capaz de encontrar uma quase imediatamente. Ela estava atacando um grupo de gado ao invés de humanos, e ela estava a apenas trezentos metros de distância. Havia tão pouca distância entre nós que eu nem considerei a possibilidade de errar, assim, decidi lidar com ela de onde estava.

— Perfurar.

Uma única espada mágica se materializou no ar, respeitando minha vontade, e voou contra seu alvo. A lâmina carregava mais velocidade do que uma flecha e mais poder do que uma lança. Ela perfurou a monstruosidade com facilidade, destruindo-a com um único golpe. Como já tinha cumprido seu papel, a espada não mais precisava permanecer, e assim, ela se dissipou, voltando para o vazio de onde veio.

A habilidade que usei era minha habilidade extra, Bênção do Deus da Espada. Era uma habilidade que me permitia criar cópias de qualquer espada mágica que eu tocasse. A única restrição que a habilidade tinha era o fato de possuir um tipo de limite máximo. Ela era incapaz de imitar qualquer espada cujas habilidades excedessem o citado limite. Por exemplo, uma vez eu tentei copiar Ignis, a Lâmina Divina, mas minha reconstrução dela foi em vão.

A princípio, a Bênção do Deus da Espada só me permitia criar espadas. Contudo, aprimorando minhas habilidades por anos eventualmente me permitiu desenvolver a capacidade de controlá-las também. Treinar com a habilidade diminuiu a quantidade de tempo e Mana que me custava construir cada lâmina. No momento, eu tinha capacidade de criar e disparar cem espadas de uma vez.

— … alvo avistado.

Eu consegui encontrar outra monstruosidade. Desta vez, contudo, ela estava atacando um humano, então decidi desce e lidar com o problema em pessoa.

Perguntas encheram minha mente enquanto movia meu corpo na direção de meu destino. Eu não poderia me impedir de pensar em como este evento começou. Era obscuro demais para ser considerado algo causado pela natureza, já que as próprias monstruosidades transmitiam um senso de maleficência. Eles me lembravam de um dos Seres Malignos de alto nível que derrotei no passado.

A causa dos incidentes tem que ser um fator não natural. Meus palpites eram que isso era ou o resultado de um plano ou a perda do controle sobre um tipo de item mágico proibido. Em todo caso, eu teria que buscar e lidar com a fonte do problema.

Eu já não tinha mais uma terra natal, mas Barbola pode muito bem ser a minha segunda. Eu me recuso a deixá-la cair, eu irei protegê-la sem falha.

— Forrrund Annonnkul partindo!


Ponto de vista: Phillip

— Mantenham-se calmos homens! Mostrem ao mundo o porquê os Cavaleiros de Barbola são conhecidos como a elite!

— Senhor! Sim senhor!

— A seu comando!

— Por honra!

Meus subordinados rugiram em resposta a minha provocação. Eles pareciam estar em boa forma.

— Movam-se!

Naturalmente, eu, como o Comandante, estava obrigado a me colocar em exibição de forma que meus homens não encontrassem falhas em mim. Eu ergui minha lança e disparei contra a horda de monstros diante de mim.

Meu pai me informou que este incidente foi perpetrado por ninguém menos do que meus próprios irmãos mais novos. Eu, como carne e sangue deles, não tinha escolha além de fazer reparações por seus erros.

Eu descobri sobre isto pouco antes do relógio marcar meia-noite. Meu pai me fez uma visita para me informar sobre o plano de Bluke. Eu estava chocado com o conteúdo e temi o destino que ele encararia.

— Pai, isso não pode estar certo. Você tem certeza que está dizendo a verdade!?

— Estou... isso é sem dúvida verdade... a cidade já começou a entrar em um estado de loucura…

As palavras que saíram da boca de meu pai quase pareciam ser uma mera desilusão considerando o estado esgotado dele. Entretanto, mesmo o olhar mais modesto na forma de Bluke resultaria em meu entendimento de que meu pai estava tão correto quanto poderia.

Não era dever de ninguém além de mim, como um irmão, corrigir os erros de meus irmãos mais novos e limpar o nome da família Krysten de seus pecados. Infelizmente, eu teria que admitir que nossa família traiu a confiança dos cidadãos, assim, seria necessário que eu arriscasse minha vida lutando para reconquista-la.

Muitas das monstruosidades ostentavam rostos reconhecíveis como aqueles pertencentes aos nobres da cidade, provavelmente um resultado de meu irmão mais novo, Waint, comercializando seus produtos com um público aristocrata. Era o dever de um nobre proteger o povo de seu país, ainda assim, as monstruosidades chegaram ao ponto onde eles atacariam as pessoas comuns. Eu senti pena por suas almas. Eu fortaleci minha determinação e decidi que iria derrubá-los antes que eles sujassem suas mãos com o sangue dos inocentes.

Eu não sabia se eles se alegrariam ao serem mortos pela lâmina de minha lança. Contudo, eu senti que era necessário expurgá-los, pois não carregava remorso em matar um nobre capaz de descartar as vidas dos cidadãos pelo bem de preservar sua própria pele.

— Buaaaahhhhhhh!

Guinchooooo!

Mas, mesmo assim, eu simpatizava com o destino que os sucedeu.

— Ó Lança Mágica, Magno Raio, demonstre suas habilidades! Abata todos os meus inimigos!

Minha adorada lança exibiu um brilho ofuscante enquanto consumia minha Mana para se cobrir com uma camada de relâmpago.

— Investida Penetrante!

A técnica perfurou as gargantas de duas monstruosidades diferentes enquanto Magno Raio eletrocutava e paralisava meus alvos.

— A meu comando, não desperdicem esta oportunidade! Eliminem nossos inimigos!

Meus homens aproveitaram a oportunidade que criei para eles. Eles avançaram na direção das monstruosidades e as mandaram para seus túmulos. Nossa coordenação nos permitiu limpar uma área inteira deles com uma única investida.

— A costa está limpa, nós podemos nos mover para o distrito residencial. Se você está com algum ferimento ou tem alguma queixa, erga sua voz agora ou arrisque perder esta oportunidade.

— Senhor! Estamos prontos para marchar!

Meus subordinados responderam com gritos cheios de vigor.

— Muito bem, devemos nos dividir em dois esquadrões. Se dividam em unidades de cinco homens. Se espalhem pelo distrito e eliminem qualquer monstruosidade que encontrarem. Eu devo seguir sozinho. Uma tarefa requer minha atenção.

— Senhor! Sim senhor! Ordens confirmadas senhor!

— Não se esqueçam que nem todos os nossos inimigos cairão imediatamente diante de nós. Muitos seres poderosos estão nas fileiras deles.

— Não iremos senhor. Você também, cuide-se.

Chegou a hora de localizar o mentor deste incidente.

Dez minutos se passaram enquanto eu livrava a cidade dos vilões. Foi então que eu testemunhei algo. Uma mansão próxima de mim explodiu em chamas.


Ponto de vista: Zerrosreed

“Qual o significado disto? Você me traiu Zerrosreed!?”

Cale a merda da boca. Eu estou me divertindo aqui seu pedaço de lixo!

— Dorahhhhh!!!

— Gugyaagaaaa!

— Hahahahahahahaha! É isso o que eu estava procurando! E ele era só um rank D antes de se transformar!

— Gyooohh!

Eu estava lutando com um dos homens de Rynford que se tornou um Ser Maligno só porque ele chamou minha atenção.

Esse cara era um Aventureiro rank D experiente, e um dos fortes. Hahahaha! Só por cruzar espadas com ele meu sangue começou a ferver. Seguir aquele plano estupidamente longo do velho de merda se provou valer a pena. Eu até me consegui um pouco do poder do Deus Maligno.

Tentar matar esse cara foi divertido, mas ele não poderia aguentar por muito mais tempo. Estava tudo bem, diversão poderia ser encontrada onde quer que eu olhasse!

— Kiaiiiii[1]!!!

— Gaahhh…

Eu usei o poder que ganhei dos experimentos humanos de Zerais e absorvi a energia maligna que saiu do corpo do homem.

A habilidade se chamava Canibalismo[2]. Ela me permitia absorver poder de qualquer coisa que fosse “o mesmo que eu”. Acho que ele disse que funcionava tanto com Seres Malignos quanto Feras Malignas.

Rynford me preparou muitas presas. Neste ritmo, eu poderia apenas sair por aí caçando Seres Malignos para me deixar mais forte. E você quer saber de uma coisa? Eu posso até devorar aquele velhote desgraçado enquanto estou fazendo isso e me tornar ainda mais poderoso!


Ponto de vista: Colbert

— Urraaaaghhhh! Arte Marcial do Estilo Dimitris: Onda de Impacto!

Meu punho se afundou no rosto do daruma[3] musculoso. Ele era forte, mas falhou em se igualar comigo já que eu tinha removido minhas limitações.

— Colbert já derrotou mais um!

— Ele com certeza é forte.

— Parece que pessoas fortes acabam se tornando monstros mais fortes.

Lydia parecia ter acertado em cheio. A mulher que acabei de derrotar era uma Aventureira rank E. A transformação a tornou um inimigo difícil demais para que As Donzelas Escarlate lutassem com segurança.

Um dos empregados da estalagem também passou pelo mesmo tipo de transformação, entretanto, ele acabou sendo muito mais fraco. Até elas foram capazes de elimina-lo sem muitos problemas.

Se a suposição de Lydia estivesse correta, então a área em que estávamos neste momento poderia ser considerada relativamente segura. As áreas mais perigosas deveriam estar perto da Guilda dos Aventureiros e do Quartel-General dos Cavaleiros. Outro motivo para preocupação era o distrito dos nobres, vendo como parte desse local irrompeu em um pilar de chamas. Isso, é claro, não era o fim de minhas preocupações. Minha preocupação principal residia na Senhorita Fran, já que eu estava bastante convencido que ela sabia a causa do incidente.

Eu espero que ela consiga voltar em segurança.

— Ó, é verdade, eu estive querendo perguntar, mas você ficou mais forte ou algo do tipo Colbert?

— Você pode dizer?

— Posso.

— Você está claramente se movendo mais rápido do que estava antes.

— Eu acho que não me importo em deixar vocês saberem. No momento, eu estou estudando a escola Dimitris de artes marciais. Para ser mais específico, estou passando por um teste para obter o reconhecimento da escola.

— Ohhh, entendi.

— Faz sentido.

As garotas foram capazes de entender o que eu quis dizer, apesar da falta de uma explicação detalhada. Eu entendi o porquê elas pensaram isso. O desafio da escola Dimitris era bastante famoso.

— Huh? O que isso deveria significar?

Pelo visto, Judith não estava consciente dos desafios e de seus detalhes, então eu decidi oferecer a ela uma breve explicação.

Eu estava certo que ela conhecia Dimitris e seus feitos, mas expliquei o caráter dele para ela mesmo assim. Eu a contei que ele era um Aventureiro rank S conhecido como o Lutador mais forte do mundo. Eu descrevi seus feitos e fiz menção à como ele derrotou um Dragão com suas mãos vazias, e até conseguiu espancar um Demônio até a morte desarmado. Após solidificar seu estilo, ele eventualmente criou uma escola com o objetivo de passa-lo adiante e permitir que ele fosse aprendido pelas futuras gerações.

Sua escola de combate era tão poderosa que nem mesmo os Deuses poderiam ignorá-la. Suas técnicas obtiveram reconhecimento oficial como uma habilidade, um feito que só aconteceu vinte vezes no passado.

As artes marciais foram há muito reconhecidas pelos Deuses como o modo de combate mais eficiente, um consenso foi alcançado com o testemunho de um duelo entre o Deus da Batalha e o Deus da Guerra. Artes Marciais passaram a ser conhecidas por sua flexibilidade e sua capacidade de permitir que seus usuários reagissem e lidassem com quase qualquer situação. Cada artista marcial tinha suas próprias técnicas, seus próprios ataques especiais e fintas, mesmo assim, todas as suas técnicas ficavam sob a alçada conhecida como “Artes Marciais”.

O mesmo se aplicava para todas as formas de combate. Ou seja, se eu fosse um espadachim, as habilidades relacionadas a minha espada continuariam a ser conhecidas como Esgrima e Técnicas com Espada, independentemente de qualquer metodologia e paradigmas que eu estabeleci. Sob circunstâncias normais, eu nunca seria capaz de obter a habilidade “Esgrima do Estilo Colbert”, independente de quão duro eu treinasse. Isso era senso comum.

Contudo, senso comum era um fator que falhava em se estender no reino da engenhosidade. Algumas vezes, os talentosos se refinavam ao ponto onde nem mesmo os Deuses se atreviam a negar suas habilidades, e assim, eles concediam habilidades com seus nomes. As técnicas que eles criaram estavam gravadas no próprio mundo.

E foi precisamente isso o que aconteceu com Dimitris. Seu estilo foi por fim classificado como uma série de habilidades derivadas das Artes Marciais.

Eu me matriculei na escola dele e treinei os caminhos de Dimitris até que minha habilidade Estilo de Dimitris chegasse ao oitavo Level. Só então eu consegui por fim cumprir os requisitos mínimos da escola para o aprendizado formal.

Ou melhor, eu consegui me qualificar para o desafio que levaria a minha admissão para a aprendizagem formal, o renomado desafio da escola de Dimitris.

O conteúdo do teste exigia que o examinado se tornasse um Aventureiro rank A enquanto restringia sua força com uma das pedras de selamento cuidadosamente produzidas por Dimitris.

As pedras de selamento possuíam a capacidade de disfarçar o Status de uma pessoa. Isso esconderia a habilidade Artes Marciais do Estilo Dimitris e o estado selado de qualquer possível avaliador. A razão para isto era que clientes poderiam fazer reclamações contra o examinado. Era possível para eles declararem que o examinado os causou prejuízos como resultado dele falhar em mostrar seu esforço total sem o selo.

É claro que era possível desfazer o selo se eu desejasse, como provado por minhas ações.

— Entendo, isso explica tudo.

— Eu planejo selar minhas habilidades assim que colocarmos um fim neste incidente, então por favor, evitem espalhar isso se possível.

— Não se preocupe, nós iremos.

— E agora Colbert?

— Eu acho que conseguimos evitar a crise, mas eu gostaria que vocês três permanecessem aqui na estalagem e a protegessem só por precaução.

— O que você fará?

— Eu vou seguir para a Guilda dos...

Um ruidoso som de algo desmoronando me cortou antes que eu pudesse transmitir minhas intenções.

— O qu-que foi isso?

— Eu-eu acho que veio de onde está o templo.

— Aquela coisa é enorme!

— Aquilo... parece ser muito ruim. Minha Detecção de Crise se ativou apesar de estarmos tão longe daquele local.

Eu não poderia dizer com certeza se o monstro diante das ruínas do tempo era a causa para todo este incidente, mas eu sabia que simplesmente não poderia ignorar isso.

— Ele pode até destruir Barbola por completo no pior cenário.

— Ele é mesmo tão forte?

— Para ser franco, eu duvido que seja capaz de derrotar aquilo.

— Mesmo com seu selo desfeito!?

— Então, ele é tão poderoso? Mesmo para o Colbert de Verdade?

Eu apreciaria muito se ela não me chamasse mais assim.

— No máximo, eu seria capaz de conseguir algum tempo para a cidade assumindo que eu fosse sozinho.

— E se nó...

— Não.

— Por que não?

— Eu prefiro não mandar vocês para a morte em vão.

Minha resposta fez as três garotas baixarem seus olhares. Eu estava certo de que elas entendiam que encontrariam mortes instantâneas se elas me seguissem, e que eu encontraria o mesmo destino em um esforço de protegê-las.

— Estou indo. Vou deixar a proteção da estalagem para vocês.

— Tudo bem...

— Eu vou... nós faremos tudo o que pudermos!

— Vamos ajudar os Cavaleiros a evacuar todas as pessoas!

— Grande ideia, mas não se esforcem demais.

— O mesmo vale para você Colbert!


Ponto de vista: Amanda

Eu cheguei em Barbola dois dias após receber a carta de Fran[4]. Eu fiz tudo em meu poder para chegar o mais rápido possível. Na verdade, eu viajei em uma linha reta; eu passei por montanhas florestas sem mudar muito a direção. Naturalmente, eu estive usando magia para tornar isto possível. Meu excessivo consumo de poções de Mana fez meu estômago inchar de forma desconfortável.

Não havia forma para eu deixar Aressa sob circunstâncias normais, pelo menos um Aventureiro rank A precisava ficar dentro das dependências da cidade o tempo todo para impedir o Reino Raidos de atacar.

Foi bastante sorte eu por acaso ter um bode expiatório à disposição. Eu devia a Jean[5] meus agradecimentos. Ele era um rank B, mas era tratado como um rank A quando se tratava de qualquer situação relacionada a guerra. Na verdade, eu diria que os raidosianos temiam muito mais ele do que a mim.

O apelido de Jean, “O Aniquilador”, se originou em um conflito raidosiano. Suas habilidades iriam brilhar com força sempre que ele era posto contra algum tipo de exército. As forças dele iriam absorver os inimigos e cresceriam quase infinitamente enquanto a batalha prosseguisse. Em uma ocasião, suas tropas de Mortos-Vivos conseguiram obliterar por completo uma unidade de 5.000 poderosos raidosianos. Seus exércitos o temiam, e por uma boa razão.

A presença e conquistas dele foram o motivo para eu ser capaz de empurrar, er, deixar a cidade em suas mãos e seguir na direção de Barbola.

Fran disse que ela pensou que o orfanato estava em um estado terrível, e, francamente, eu estava inclinada a concordar. Eu não sentia nada além de respeito por Io, que, apesar de sua situação, foi capaz de continuar a alimentar as crianças com refeições deliciosas.

No entanto, ficaria tudo bem. Eu comprei o orfanato no momento que cheguei e providenciei todos os tipos de fundos e suporte. Ver as crianças me agradecendo fez toda esta viagem valer a pena. Seus sorrisos me deram combustível o bastante para enfrentar mais dez anos de batalhas.

A próxima tarefa em minha lista de afazeres era visitar Fran. Ela estava cuidando de uma barraca, então eu decidi passar por lá sobre o disfarce de uma cliente para adicionar um pouco de surpresa. Eu estava mesmo ansiosa para ver o olhar de surpresa no rosto dela. Palavra-chave: estava.

— Haaaaaahh!

Meu chicote partiu uma monstruosidade em dois com facilidade. Ela parecia bem fraca. Ela parecia ter sido um Aventureiro antes de sua transformação, mas o monstro resultante não parecia ser algo que um rank D não pudesse lidar.

— Verdade, eu deveria me apressar contra aquele gigante.

Um rugido ecoou pela noite assim que eu terminei de exterminar todas as monstruosidades na vizinhança imediata do orfanato. O grito de guerra foi acompanhado por uma imensa onda de energia maligna, do tipo que eu nunca senti antes.

Olhar para a monstruosidade, mesmo de tão longe, me dizia que esse seria um inimigo perigoso para se enfrentar. Ele provavelmente destruiria toda a cidade se deixado de lado, e isso, é claro, significaria que o orfanato seria reduzido a destroços e escombros.

Eu me sentia muito confiante em deixar o orfanato nas mãos dos Cavaleiros e Aventureiros, mas eu ainda queria voltar o quanto antes.

Eu também estava preocupada com Fran.

Minha próxima estratégia seria derrubar o gigante inimigo e procurar o local por pistas. Havia algumas dúvidas se eu poderia ou não ser capaz de derrotá-lo sem assistência, mas eu simplesmente não tinha escolha. Esse era o dever de um Aventureiro rank A.

Aliás…

— Essa coisa vai acabar machucando muitas crianças se eu deixar ele fazer o que quiser!

Eu senti vários outros indivíduos executando ações idênticas as minhas. Me parecia que eles eram os Aventureiros de mais alto rank na cidade.

— Há uma.

Eu me aproximei do indivíduo mais próximo.

— Boa noite.

— Uou! H-huh? Bo-boa noite.

A pessoa que eu encontrei era uma adorável e jovem senhorita com cabelo prateado. Ela se locomovia de forma bastante eficiente, mas eu ainda podia ver oportunidades para melhorias. Ela não parecia ser forte o bastante para lidar com algo como desafiar o gigante, e assim decidi avisá-la para parar.

— Você está seguindo para aquela coisa gigante logo ali?

— Eu-eu estou. Você está?

— Sim, estou. O nome é Amanda. Qual o seu?

— Charlotte[6]. Eu não sou muito forte, mas tenho certeza que há algo que posso fazer mesmo assim.

Ela parecia muito motivada. Eu não consegui pensar em como a faria mudar de ideia. Os outros Aventureiros se juntaram a nós antes que eu conseguisse chegar a uma conclusão.

— E aí. Vocês estão planejando ajudar a dar uma boa surra naquela coisa?

— É por essa exata razão que eu cheguei aqui.

Parecia que todos presentes sentiram que seria perigoso desafiar a criatura sozinho.

— Cem Lâminas Forrund, Amanda de Hariti[7], Capitão dos Cavaleiros Phillip, e até o mestre da Guilda: Algoz de Dragões Gamud? Que reunião de figurões temos aqui.

O homem que falou, Colbert, parecia bastante surpreso. Ele declarou que o Capitão dos Cavaleiros era conhecido por ser ao menos tão forte quanto um rank B. Eu estava consciente que o mestre da Guilda era um ex-rank A. Forrund e eu éramos ambos rank A, o que significava que tínhamos indivíduos mais do que suficientes para derrubar a monstruosidade gigantesca.

— E quem seria você?

Eu me virei para nosso último suposto companheiro.

— Ninguém importante, não se incomode comigo. Só pense em mim como um ajudante sem nome ou algo assim.

— Quer saber, eu acho que você é muito parecido com o Berserker.

— O quê!? Você quer me enfrentar? Em uma hora como esta? Vocês precisam de toda a ajuda que puderem conseguir.

— Estou ciente disso, vou contar com você então.

Os pontos dele eram válidos, então decidi aceitar sua ajuda, pelo menos por ora.

— Claro. Eu ainda não posso derrotar todos vocês, não da forma como estou agora. Além disso, estou muito mais interessado naquela coisa gigante logo ali do que em vocês, então podemos todos passar algum tempo nos dando bem, não podemos? E é claro que estou falando com o cara me encarando bem ali.

— … eu vou te ignorar por enquanto.

Colbert e o Berserker pareciam ter algum tipo de hostilidade um com o outro. A atmosfera era quase explosiva. Eu suspeitava que teria que discipliná-los antes que seguíssemos para a eliminação do gigante, mas, por sorte, ambos os homens entendiam que esta não era hora para qualquer tipo de conflito interno.

Mais uma vez, nós definitivamente tínhamos poder de batalha o bastante para derrubar nosso alvo.

Contudo, ainda havia um problema. A monstruosidade tinha uma barreira a seu redor, uma que o Cem Lâminas declarou ser incapaz de quebrar. Ele era conhecido por sua força bruta, então eu duvidava que mais alguém presente fosse capaz de destruir a barreira.

— A barreira parece bloquear magia e ignora as leis da física. Teremos que esperar até que aquela coisa fique sem Mana.

Que complicação.

O Cem Lâminas também nos informou que havia alguém dentro da barreira, e que essa pessoa estava em um combate com a monstruosidade. Não tínhamos escolha além de esperar até que o combatente conseguisse acabar com a reserva de Mana do monstro. A barreira parecia que também poderia ser temporariamente liberada se a pessoa lutando perecesse, já que, ao que parecia, ela foi construída para manter o indivíduo dentro de seus limites. Se possível, eu preferia que a última opção não acontecesse. A pessoa era corajosa o bastante para desafiar a monstruosidade antes que qualquer um chegasse na cena. Foi sua ação que nos permitiu chegar antes da destruição da cidade, então eu gostaria que ela sobrevivesse.

Charlotte timidamente entrou em nossa conversa enquanto pensávamos em como deveríamos resolver o problema.

A jovem declarou que tinha uma habilidade que a permitia purificar energias malignas. Talvez, ela poderia eliminar a barreira.

— De verdade?

— Sim. O ritual que vou realizar será um que combina dança e música. Eu não sou muito boa lutando, mas eu posso ser capaz de ao menos fazer isso.

— Isso é perfeito. Todos têm suas especialidades, e a sua é uma que por acaso é o que estamos precisando.

E assim, nós chegamos a algo que poderíamos chamar de um plano. Eu mesma duvidava disso, mas todos decidimos que atacaríamos a monstruosidade no momento que Charlotte removesse sua barreira.

— Aqui vou eu…

O bracelete de Charlotte vibrou e fez sons de sino enquanto ela começava a dançar.

— Vamos nos preparar enquanto ela terminar seu ritual.

Eu levantei meu chicote e comecei a focar minhas energias mágicas.

A hora de lutar estava se aproximando.


Notas

[1] Kiai é um termo japonês usado em artes marciais para o breve grito que precede um movimento de ataque. Dojos japoneses tradicionais usam sílabas únicas começando com uma vogal. O conceito se tornou uma parte notável das artes marciais asiáticas na cultura pop, especialmente em filmes de artes marciais.

[2] Canibalismo é um tipo de relação ecológica em que certas espécies de animais se alimentam de indivíduos da mesma espécie. Segundo alguns investigadores, essa prática teria resultado da evolução das espécies, com o objetivo de eliminar os indivíduos menos aptos, por exemplo, provenientes de uma ninhada em que alguns filhotes saem dos ovos defeituosos ou imaturos. Muitas espécies reconhecem os animais imaturos e ovos apenas como comida. Algumas espécies de besouros, aranhas e caracóis, produzem ovos apenas para consumo, chamado de ovos tróficos.

[3] Daruma é uma espécie de boneco que representa Bodhidharma, um monge da Índia que fundou o Zen Budismo na China. Ele atingiu a "iluminação" budista após meditar por um período de nove anos. Dizem que ele permaneceu sem mover ou fechar os olhos. Durante o processo, o monge removeu suas pálpebras de modo que ele não dormisse durante a meditação, e seus membros atrofiaram pelo desuso nos nove anos de meditação. O nome Daruma foi dado pelos japoneses (vem da pronúncia de Dharma). O daruma geralmente é feito de madeira e é representado como uma figura arredondada, com corpo vermelho, sem braços e sem pernas. Seus olhos não têm pupilas. As pessoas usam os bonecos para fazerem pedidos.

[4] Fran mandou uma carta contando sobre a situação do orfanato para Amanda no capítulo 110.

[5] Jean é o Necromante que Fran conheceu no capítulo 66, quando estava a caminho da cidade de Dharz.

[6] Charlotte é a Dançarina que o Mestre avaliou durante o Banquete Lunar no capítulo 113.

[7] Hārītī, também conhecida como Kishimojin (鬼子母神), é tanto uma deusa respeitada quanto um demônio em algumas tradições Budistas. Em seu aspecto positivo, ela é venerada pela proteção das crianças e na criação dos filhos, enquanto seu aspecto negativo inclui a crença em seu terror contra pais irresponsáveis e crianças indisciplinadas. No Budismo japonês, a variação Kishimojin é venerada como uma deidade protetora, mas em muitas tradições populares, ela é reconhecida como um demônio feminino da miséria e tristeza para crianças e pais. Ambas as tradições perseveram nas práticas e crenças do Budismo japonês atual.



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