Volume 4

Capítulo 136: A ambição de Zerais

Nós imediatamente começamos a investigar a Guilda dos Alquimistas após derrotarmos os Soldados de Pedra Mágica que emergiram de seu interior. Para ser sincero, eu estava surpreso com o fato de que o local estava desprovido de vida humana. Na verdade, as únicas formas de vida que encontramos foram ratos e baratas ocasionais.

Parecia que a maior parte dos Alquimistas ou se tornou Seres Demoníacos ou morreu nos processos dos experimentos. Isto era ainda mais evidenciado pelo documento que Zerais deixou no porão das instalações. Os registros de observação descreviam os resultados da aplicação de diferentes dosagens e outras informações. Mesmo um rápido olhar no conteúdo dos relatórios me encheu com um senso de desgosto.

Eu estava torcendo para ele ter deixado algumas Pedras Mágicas por aí, mas para minha total decepção, ele não deixou nenhuma. Não havia mesmo nada de interesse, pelo menos não para nós, então rapidamente reunimos todas os dados de Zerais antes de sairmos. Planejamos entregar tudo para Gamud ou Eugene um pouco mais tarde.

“Ei Urushi, há alguma rota de fuga ou passagem secreta por aqui?”

— Ruff.

“Ah, bem, que pena…”

— Posso perguntar como as coisas estão indo do seu lado Fran?

Eugene nos chamou e nos pediu uma rápida atualização.

— Consegui documentos.

— Entendo. O mesmo aconteceu comigo.

O Alquimista da Guilda dos Aventureiros continuou a olhar o lugar com uma expressão sombria em seu rosto. Meu palpite era que ele estava sentindo o peso dos crimes de seu discípulo.

— Pode usar eles para descobrir algo?

— Até certo ponto. Contudo, acredito que é possível que Zerais tenha deixado esses documentos para trás de propósito, já que eles só fornecem uma minúscula quantidade de conhecimento.

— De propósito?

— Precisamente. Nenhum dos documentos que eu encontrei continham qualquer tipo de informação chave a respeito de seus processos. Assim, eles me deixaram incapaz de reproduzir os resultados que ele conseguiu. A única informação útil que seus registros contêm são pertinentes as conclusões que ele chegou. Também há só o suficiente de dados deixados para evidenciar a validade de suas conclusões.

Ahhh, agora eu entendi. Zerais queria que seu nome se tornasse conhecido. Assim, sua personalidade deve ter o levado a deixar apenas dados o bastante para mostrar seus esforços.

— Este documento sobre os Soldados de Pedra Mágica é um excelente exemplo do que eu quis dizer. Ele relata que empregar o uso de energias malignas permite que você grave um único feitiço na Pedra Mágica que servirá como o núcleo do Soldado. Ele não faz mais menções dos processos envolvidos, e assim, não fornece informação o suficiente para recriar seu trabalho. Mesmo assim, a informação apresentada não é necessária para seus documentos provarem seu ponto, vendo o resultado final, os Soldados de Pedra Mágica, recentemente entrando em combate conosco.

Eugene logo olhou para outro documento que ele pegou, e descobriu que ele era bem parecido com os outros. Ele descrevia que diferentes seres humanos precisariam de Pedras Mágicas encravadas em diferente locais, um fato confirmado por nossa experiência com eles. Entretanto, isso era tudo o que o documento dizia. Ele não contava como descobrir onde colocar a Pedra Mágica, nem descrevia o processo de inserção.

— Este?

— Esse aí... parece descrever uma arma construída de Pedras Mágicas... hmm...

Fran entregou o documento que encontramos e fez Eugene dar uma rápida olhada nele. Ao que parecia, ele continha informação sobre algo que era do tipo um pouco perigoso.

As armas descritas no documento eram diferentes das comuns no sentido que não usavam as Pedras Mágicas encravadas nelas como uma fonte de combustível. Ao invés disso, elas permitiam que o portador usasse feitiços selados dentro delas. Além disso, havia o fato de que elas eram dispensáveis, ao contrário das de longa duração. A parte mais intimidadora de tudo isso era que elas podiam até armazenar habilidades extras e habilidades únicas, e assim, eram muito úteis, mesmo se pudessem ser usadas apenas uma vez.

— Zerais sempre... foi muito talentoso. Se ele apenas usasse seu talento para melhorar o mundo e as vidas das pessoas...

O rosto de Eugene se distorceu com um olhar de lamento.

— Arma de Pedra Mágica. Parece incrível.

— Concordo. Suas aplicações são infinitas.

Nós subitamente sentimos uma presença aparecendo atrás de nós logo após Eugene terminar de falar.

— Graça do Deus dos Ladrões.

— !!!

“Que diabos!?”

É sério, o quê!? Não havia nada aqui há apenas um segundo.

Fran reagiu na mesma hora ao me balançar para suas costas, mas ela não foi a única a agir. A pessoa atrás dela também começou a liberar uma incrível quantidade de energia mágica.

Na mesma hora, eu ergui minha Barreira Mágica com força total enquanto Fran se virava e encarava nosso inimigo.

A pessoa que estava de pé atrás de nós era ninguém menos do que o cara cuja aparência me irritava demais.

Zerais.

Como isso é possível? Espere, me lembro dele dizendo “Graça do Deus dos Ladrões”, então ele deve ter usado uma habilidade. Seu nome entregava o fato de que ela devia ser derivada de alguma Proteção Divina.

— Tudo beeeem. Eu vou pegar isso de volta, obrigado.

Zerais estava com um sorriso de príncipe, apesar de termos cortado um de seus braços. Ele levantou sua mão restante e balançou um frasco como se estivesse se exibindo para Fran.

— Mmph. Como?

“Quê? Isso é impossível! Isso deveria estar dentro do meu Armazenamento Dimensional!”

A coisa que Zerais estava segurando era o frasco que continha a Raiz das Almas Arcanas.

— Fmmph!

— Ahahahha, ó, vamos lá, não há necessidade de você ficar me olhando assim.

— Mmph, não posso cortar.

— Deve ser porque ele já se tornou uma ilusão.

— Uoa, essa passou perto. Eu teria sido partido ao meio se me teleportasse um momento mais tarde.

Eu acabei passando como se não houvesse nada além de ar na minha frente. O próprio Zerais já tinha desaparecido. Ao invés disso, ele foi substituído por um holograma sem qualquer substância física, idêntico ao que vimos na frente da Guilda.

— Mas falando sério, quem é você? Você apareceu do nada, estragou por completo meus planos, e até conseguiu obliterar todos os meus Soldados de Pedra Mágica com facilidade. Você sabe o quão frustrado tudo isso tem me deixado? Quer dizer, pode não parecer, mas eu com certeza estou.

— Só uma Gata Negra, Aventureira rank D. Fran.

— Ahahaha! Essa foi boa, essa foi boa. Você sabe que eu fiz aqueles Soldados de Pedra Mágica de forma que a energia maligna dentro deles se acumularia e explodiria se você os atingisse de forma errada, não sabe? Não há como uma Aventureira rank D ser capaz de desfazer completamente toda aquela energia maligna em um instante, sabia?

— Fiz mesmo assim.

— Eu comecei a te seguir no momento que você começou a lutar contra eles, assim poderia roubar esta coisinha de você, mas você os derrotou sem demora e não mostrou a menor das aberturas. É claro que eu te segui depois disso, mas você ainda não mostrou nenhuma abertura. Acabei tendo que trocar um dos meus braços por isso, mas consegui o que eu precisava, então acho que está tudo bem.

— Pegou, como?

— Ó, você sabe, eu decidi usar uma Arma de Pedra Mágica. Ela me permite usar a Graça do Deus dos Ladrões, que é uma habilidade que me faz roubar qualquer coisa de qualquer um, contanto que o alvo esteja dentro da área de efeito da habilidade. Todos os dados que consegui pareciam indicar que você podia usar Magia de Espaço-Tempo, então assumi que você tinha um Armazenamento Dimensional. Puxa, sabe, eu realmente teria que desistir se não tivesse a Graça do Deus dos Ladrões comigo. Ah, sim, e o motivo para eu poder te seguir sem você me notar foi porque estava usando uma Arma de Pedra Mágica com a habilidade Invisibilidade Perfeita selada dentro dela, yup.

O pingente que estava no topo do braço cortado de Zerais rachou e se despedaçou em várias partes. Então aquilo é uma Arma de Pedra Mágica? Tá bom, sim, é como eu suspeitei. Essas coisas são ridículas demais, mesmo se limitadas a apenas um uso.

— Ah, qual é, agora essa e a com a Graça do Deus dos Ladrões estão ambas destruídas. Elas custam um milhão de Gorudo no total, sabia? Elas deveriam ser meus trunfos.

— Queria item tanto assim?

— É, acho que você pode dizer isso. Sabe, eu queria mesmo te agradecer. Eu nunca teria conseguido colocar minhas mãos nisso se você não tivesse a tirado daqueles malditos piratas. Oras, eu passei por tantoooos problemas por causa deste material. Muito obrigado! Não terei que escrever mais nenhum dos meus planos.

— E exatamente para o que isso deveria ser usado Zerais?

Eugene por fim se juntou a conversa após ficar em silêncio por um bom tempo. Parecia que ele estava genuinamente curioso com a identidade da alma contida dentro do frasco.

— Puxa vida, nem mesmo você sabe Mestre? Hehehe, é uma Alma Arcana de Quimera. Surpreso? Aposto que está.

— Is-isso é um disparate. Vo-você acabou de dizer uma Quimera?

— Raro?

— A palavra raro nem mesmo pode começar a descrever isso. Há rumores dizendo que existem menos do que cinco Quimeras no mundo. Elas são tão perigosas que, ao que tudo indica, foram seladas.

— Ahahaha! Viu, sabia que você ficaria surpreso. Esta coisa não é incrível? Eu a pedi do Laboratório de Alquimia Raidosiano ao usar o nome da Guilda de Barbola. Isso acabou me custando um bilhão! Puxa, você sabe quanto dinheiro um bilhão é? Na verdade, não era o meu dinheiro, então, eu não me importei. Mas nossa, que inconveniente maldito foi esse!

— Mas o que é que você está tentando realizar?

— Ó, você sabe, estou apenas me fazendo a mais forte Fera Demoníaca de todas. O produto final deve, com sorte, ser forte o suficiente para destruir o mundo inteiro!

Puta merda. Aquele item era muito mais importante do que imaginei.

— De qualquer forma, já realizei todos os meus objetivos, então vou me despedir de verdade de vocês desta vez. Tchau, tchau!

— Espere aí! Zerais!

Eugene gritou o nome de seu discípulo a pleno pulmões, mas o outro homem já tinha partido.

— Zerais…

— Quimera, o que é?

— Ah, certo... Quimeras são as Feras Demoníacas artificiais mais poderosas conhecidas pelo homem.

Ao que parece, elas são algo feito em um experimento envolvendo a mistura de muitos tipos diferentes de Feras Demoníacas.

Quimeras eram consideradas armas biológicas rank A ou maior. Os pesquisadores que fizeram a primeira não esperavam que elas fossem tão poderosas, e assim, acabaram perdendo o controle sobre elas. Uma escapou e acabou devastando várias cidades.

Os pesquisadores continuaram a produzi-las enquanto também tentavam assumir controle sobre elas, mas isso acabou se provando uma tarefa impossível. No fim, vários países fracassaram nos produtos do experimento, e assim, todos os governos do mundo chegaram à conclusão que mais pesquisas no assunto seriam banidas, e todas as Quimeras existentes deveriam ser seladas. Os dados dos pesquisadores foram destruídos, e eles foram executados.

Criar uma Quimera exige materiais ridiculamente caros, alguns dos quais vem de criaturas que há muito tempo estão extintas. Deveria ser, em teoria, impossível para qualquer um colocar suas mãos em uma Quimera, considerando as circunstâncias atuais, mas, pelo visto, parecia que esse não era o caso…

— Neste momento, o Reino Raidos está uma bagunça. Alguém deve ter usado o estado de crise do país com o objetivo de roubar a Quimera, enquanto não sabia do perigo presente em suas ações.

— Uma bagunça?

Essa é a primeira vez que ouço isso. Então, mais uma vez, eu realmente não sei muito sobre os raidosianos. A única coisa que sei é que já estou começando a pensar em todos os raidosianos como meus inimigos.

— O Rei raidosiano teve uma morte súbita aproximadamente dez anos atrás. Desde então, quatro arquiduques do país têm lutado pelo controle da nação através de meios militares. O país quase entrou em um estado de guerra civil. Para ser sincero, estou bastante surpreso que isso ainda não tenha acontecido.

— Entendido.

Hmmm, será que isso significa que Salrut¹ e o Lich² foram ambos produtos de um estratagema de um desses arquiduques? Ou eles foram produtos de todos eles tramando um contra o outro? Eu queria mais informação, mas parecia que Eugene já tinha nos contado tudo o que ele sabia.

— Eu vou relatar tudo o que aconteceu para o Lorde e a Guilda dos Aventureiros. Afinal, qualquer assunto envolvendo uma Quimera é de absoluta importância.

Parecia que Zerais teria seu nome colado em cartazes de procurado por todo o mundo. Ele deve ficar muito feliz com isso, mas não havia o que fazer. Eu concordei que lidar com ele era de fato um assunto de máxima importância.

Não conseguimos encontrar nenhuma pista adicional, então decidimos desistir e reagrupar com Amanda.


Notas

[1] Salrut era o espião raidosiano que trabalhou como guardião de Flut e Satia durante muitos anos. Ele foi desmascarado por Fran no capítulo 95.

[2] Esse Lich foi o Mestre do Calabouço que Fran e Jean enfrentaram na ilha voadora. A história dele foi contada no capítulo 84.



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