Volume 5

Capítulo 193: Seren

Não fomos deixados sozinhos até que fomos levados de volta pela passagem subterrânea que usamos para chegar à arena. O guia informou que nossa próxima partida estava programada para daqui a dois dias e que teríamos que chegar tão cedo pela manhã como tínhamos feito para esta. Também nos disseram que tínhamos permissão para fazer o que quiséssemos enquanto isso.

"E agora?"

"Vou assistir."

"Ei, essa é uma ótima ideia. Podemos chegar a tempo da partida de Colbert se nos apressarmos."

“Nn. Também quero ver outras lutas."

Fran mencionando que ela queria assistir aos confrontos dos outros combatentes me fez perceber que nunca tivemos a chance de apenas sentar e assistir outras pessoas lutando.

Imaginei que isso funcionaria em benefício de Fran. Isso permitiria que ela visse as coisas de uma perspectiva nova, o que, por sua vez, poderia permitir que ela aprendesse um ou dois truques novos.

“Certo, vamos nessa.”

“Nn.”

Fran se virou para deixar a guilda e seguiu em direção à arena, mas foi parada pelo guia antes de partir.

— Você está planejando assistir a alguma das partidas restantes?

— Nn. Planejei.

— Nesse caso, recomendo que você use algum tipo de disfarce. Os outros espectadores podem ficar agitados se a virem, especialmente porque a sua partida acabou há pouco e ainda está fresca na mente de todos.

O conselho do funcionário foi imediato. A maioria dos espectadores presentes na luta de Fran ainda devia estar na arena, e havia uma chance razoável de que eles pudessem reconhecê-la caso ela não mantivesse o rosto escondido. Alguns dos espectadores podem ter perdido um bom dinheiro por causa dela, e se envolver com eles parecia uma péssima ideia, caso você me perguntasse. O mesmo se aplicava às pessoas que estavam muito interessadas nela. Evitar os pedófilos interessados na garota-gato parecia algo que seria benéfico para fazermos.

— Então vou pôr um disfarce.

— Por favor, faça isso.

Mesmo assim, não iríamos nos disfarçar demais. Uma rápida mudança de vestuário parecia ser suficiente para fazer o trabalho, desde que utilizássemos todas as nossas habilidades furtivas.

Dessa forma, tudo o que Fran fez antes de ir para a arena foi colocar uma capa. Os competidores do torneio eram autorizados a entrar pela porta dos fundos, e ela o fez. O guarda responsável por observar a entrada não apenas deixou Fran entrar, como também a deu uma saudação da mais alta ordem após ver seu cartão da guilda.

O lugar estava lotado. Não parecia que conseguiríamos encontrar um lugar para sentar.

"Parece que há um lugar livre bem ali."

Mas por sorte, por acaso vi um único assento vazio.

— Nn.

O assento não estava quebrado nem nada do tipo, então ficamos bastante confusos sobre o porquê de estar vazio, e continuamos assim até logo após Fran se sentar.

— Ei, onde diabos você pensa que está sentada?

— Nn?

— Se mova pirralha, esse lugar está ocupado.

— Esse assento é para o nosso parceiro!

Havia um monte de caras de aparência rude sentados bem ao nosso lado. Eles pareciam estar afastando todos que tentavam se sentar.

Uma rápida avaliação me permitiu entender que eles eram apenas alguns dos bandidos locais de Ulmut. Eles tentaram assustar Fran, mas falharam por completo, já que ela estava acostumada a lidar com pessoas muito mais intimidadoras do que esse grupo. O fato de eles serem irritantes fez com que não nos importássemos em privá-los de seus assentos.

— Raio Atordoador.

— Gyah!

— Higgiii!

— Orpghh!

Fran atordoou os três bandidos e os jogou no corredor.

— Urushi.

Au.

As pessoas ao nosso redor na mesma hora se levantaram pela surpresa no momento em que avistaram Urushi, mas Fran as ignorou e carregou nas costas do lobo dois dos homens, enquanto ele agarrava o terceiro com a boca.

— Despeje em algum lugar.

Ão.

Fran viu Urushi sair e sentou-se, o que, por sua vez, também fez com que as pessoas ao nosso redor voltassem aos seus lugares. Porém, eles não se deram ao trabalho de conversar com ela, visto que pensavam que isso traria problemas, o que, para nós, era o melhor resultado possível.

Nada em particular aconteceu depois disso. Vimos os confrontos restantes em paz.

Infelizmente, não conseguimos ganhar muito assistindo as lutas de Colbert ou Amanda, pois ambos acabaram com seus oponentes em um instante.

Vale muito a pena mencionar a partida entre Erza e Charlotte. A multidão torceu muito pela última enquanto ela dançava, mas, de forma lamentável, ela era fraca demais para derrubar Erza.

Ela conseguiu começar a dançar de uma maneira bastante fascinante, mas seus movimentos foram interrompidos, pois acabou tendo que entrar em uma luta desesperada e unilateral para evitar a maça de Erza. No final, ela acabou sendo agarrada pela nuca e jogada para fora do ringue.

Embora não tenhamos aprendido muito sobre Amanda ou Colbert, ainda fomos pelo menos capazes de aprender algumas maneiras legais de aplicar certas habilidades, maneiras que nunca teríamos pensado por nós mesmos, mesmo em nossos sonhos mais loucos.

Um dos combatentes mais interessantes foi um ladrão que aumentou o poder do olfato de seu oponente e começou a jogar bombas de mau cheiro e outras porcarias com cheiro forte. O ponto-chave que tiramos disso não foi a técnica dele, mas o conceito de aprimorar o oponente e transformar essa estatística aumentada em algum tipo de desvantagem.

Também aprendemos como alguém deveria usar a Magia de Lava em combate. O mago que vimos usá-la não apenas derreteu as armas de seu oponente, mas também superaqueceu o chão por causa da zona de controle. Era uma mágica que realmente permitia ao usuário tirar proveito da fraqueza de um oponente. Aprender mais sobre suas aplicações me levou a considerar aumentar seu nível.

O sol começou a se pôr quando as partidas do dia chegaram ao fim.

"Parece que está na hora de começarmos a ir para casa."

— Nn...

"Você quer ir a algum lugar?"

— Ainda estou com a espada de Zefmate.

Correto. Eu quase esqueci que ainda estávamos com Espada Curta da Presa do Dragão Azul de Zefmate. Era uma arma bastante forte, e, sendo sincero, parecia ter sido bem cara.

"Acho que devíamos devolver a ele."

— Nn.

Não tínhamos uma opinião tão boa do Orgulho Azul, mas o próprio Zefmate não parecia tão ruim. Na verdade, eu tinha que dizer com honestidade que o considerava um cara muito bom. Além disso, devolver a arma a ele não levaria muito tempo, então não era como se fazer isso fosse prejudicial.

"Ei Urushi, você ainda se lembra do cheiro de Zefmate?"

Au!

A operação era difícil e, portanto, fizemos Urushi nos guiar.

Em suma, passamos cerca de 20 minutos caminhando, após o que chegamos nos arredores da cidade. Não havia muitas casas por perto. O local era um grande campo aberto.

"É isso?"

Au.

Montadas naquele grande campo havia um monte de tendas. Parecia que o Orgulho Azul havia escolhido acampar em vez de ficar em uma pousada, já que alugar quartos para todos os seus membros seria uma despesa bastante considerável. Além disso, acampar não era tão difícil para os membros do grupo mercenário, visto como eles eram todos lutadores.

Porém, logo percebi que havia um pequeno problema. Não tínhamos muita certeza de como deveríamos chegar até Zefmate. Nós não podíamos apenas passear pelo acampamento vendo como os membros do grupo acabariam nos vendo e começariam uma comoção.

Talvez eu pudesse criar um doppelganger e entregar a espada dessa maneira?

Minha meditação foi interrompida quando um dos executivos do Orgulho Azul acabou saindo da barraca e nos vendo.

— Ah! É você!

A pessoa que nos viu foi uma que reconheci, a garota de 17 ou 18 anos que conhecemos na frente da mansão de Aurel.

— Quem?

— Eu sou Seren, a segunda em comando do Orgulho Azul.

— Nn. Fran.

— É, eu sei. Você é quem fez nosso grupo passar por um bando de tolos. Por que você está aqui?

— Devolvendo isto.

— Essa é… a espada do meu irmão! Sua ladra!

Seren no mesmo instante começou a emitir uma aura de hostilidade.

Espera, ela acabou de chamar Zefmate de irmão? Eu acho que é por isso que ela era tratada como a segunda em comando do grupo.

— Em primeiro lugar, como foi que uma garotinha dos Gatos-Negros como você conseguiu vencê-lo!?

— Nn? Força.

— Pare de mentir! Gatos-Negros são famosos por quão fracos são! Não tem como você ser mais forte que meu irmão! Você deve ter feito algo desleal ou trapaceou!

— Não.

— Não tem como você não ter feito nada! Não há outra maneira que ele poderia ter perdido para uma Gata-Negra!

Seren bateu os pés no chão e fez uma birra de uma maneira infantil, imprópria para sua idade. Ela não parecia compartilhar as opiniões de Zefmate apesar de ser sua irmãzinha.

— Ugh! Tá, tanto faz! Se você quer que eu a perdoe por ser uma trapaceira, vá para a Guilda dos Aventureiros, diga que você trapaceou e faça com que eles deixem meu irmão tomar o seu lugar!

Os olhos de Fran se estreitaram um pouco pela forma tão ingrata que Seren estava agindo.

— Recuso…

O humor da gata-negra estava piorando a cada momento. Ela fez essa visita porque queria ver Zefmate, não porque queria lidar com esse tipo de besteira.

— Haaah!? O que você está dizendo? Eu estava me oferecendo para te perdoar por trapacear. Você deveria me agradecer, não fique com essa atitude!

Eu estava começando a duvidar se Seren era mesmo a irmã mais nova de Zefmate. Seus temperamentos eram... um pouco diferentes demais.

— …

— Ah, por favor! É por isso que eu não suporto esses estúpidos gatos-negros! Estou lhe dizendo para colocar-se em seu lugar!

— …

— Por que você está olhando assim pra mim? Eu nunca vou te perdoar se você se recusar! Você sabe o que isso significa?

— Não.

Fran respondeu em tom irritado; ela mal conseguia se segurar para não atacar Seren porque ela era irmã de Zefmate. Seus esforços foram louváveis, mas ela se manteve firme, porém, isso não era algo que poderia durar muito mais tempo.

— Hmph. Vocês gatos-fracotes só permanecem livres porque nós, os Gatos-Azuis, permitimos. Se você se recusar a desistir, não apenas capturaremos e escravizaremos você, mas todos os outros Gatos-Negros!

Ah, ela falou aquilo. Adeus autocontrole de Fran.

Seren havia colocado Fran em seu ponto de ebulição; minha portadora estava tão zangada quanto quando Dias lhe contou sobre Kiara. Na verdade, já não havia mais salvação para Seren. Fran ia matá-la e, se as coisas piorassem, todo o resto do Orgulho Azul seguiria seus passos.

Eu meio que me sentia mal por Zefmate, mas nos parecia que seus seguidores eram todos seu tipo usual de Gato-Azul. E se íamos matar Seren, acabar com o resto deles provavelmente seria o melhor. Eles iriam exigir vingança se não nos incomodássemos em amarrar todas as nossas pontas soltas.

— …

Fran não disse nada. Ela apenas me sacou e atacou a garota diante de seus olhos. O ataque não foi tão refinado. Tudo o que Fran estava fazendo era atacar com raiva. Ainda assim, seu ataque continha poder mais que suficiente para ceifar a vida da outra garota.

Mas minha lâmina nunca a alcançou.

Em vez disso, ela partiu a carne de outra pessoa.

— Gafuuhhh…

— Ze-Zefmate!

Zefmate havia corrido para entrar no meio de Fran e Seren para que pudesse atuar como um escudo de carne e receber o golpe; minha lâmina esmagou sua clavícula e criou um buraco por todo o caminho até seus pulmões.

Fran acabara de tentar matar sua irmã, mas, apesar disso, o olhar de Zefmate não caiu sobre ela, mas na pessoa que ele estava tentando proteger.

— O que… você está dizendo… Seren…?

— Zefmate!? Você está bem!? O que diabos você acabou de fazer com meu irmão!? Eu juro que nunca vou perdoar você ou sua espécie! Eu vou acabar com todos os Gat...

— Pare com isso!

— Kyah!

O Leopardo-Azul deu um tapa em sua irmãzinha logo depois que ela começou a praguejar com Fran.

Ele não se incomodou em tratar o ferimento e, em vez disso, se prostrou na mesma hora diante da pessoa que o ferira mortalmente na tentativa de se desculpar.

— Eu… sinto muito… minha irmã… não quis dizer isso…

— Não… ligo…

Apesar disso, a resposta de Fran não foi favorável. Ela foi levada para além do limite do que podia suportar. Sua raiva não podia mais ser atenuada por um mero pedido de desculpas.

— Juro que... nunca vou deixá-la... dizer algo assim... nunca mais! Eu vou... reeducar todas as... minhas tropas... e exilar os que não escutarem... não... eu vou até forçá-los... à escravidão...!

Zefmate sabia que algo como mero banimento não seria suficiente para acalmar Fran. Isso foi muito irresoluto. E assim, ele até se ofereceu para vender de forma voluntária sua própria irmã, com quem tinha uma relação de sangue, como escrava.

Sua batalha com Fran o fez perceber que ela estava fora do seu alcance, e que ela poderia acabar matando cada um dos membros do Orgulho Azul se ele não conseguisse controlar seu humor.

— Espere, o que você está dizendo? Ela é apenas uma...

— Cale… a boca…

Zefmate socou Seren, a deixou inconsciente e a fez desmaiar no local.

— Sinto... muitíssimo...

Seus ferimentos eram graves. Ele estava à beira da morte, mas ignorou completamente sua própria segurança e só continuou a se desculpar.

Senti que as pessoas que estavam dentro de suas tendas começaram a se mover.

"Bem, Fran, o que você diz? Mais pessoas começarão a aparecer se você não se decidir depressa."

— Eu sinto... muito...

— …

"Eu te protegerei, independentemente da escolha que você fizer, então não se segure. Faça o que você quiser."

— …

Fran hesitou.

— Cura Superior.

Ela não conseguia se decidir na mesma hora; demorou alguns instantes, mas ela acabou decidindo não obliterar por completo todos os Gatos-Azuis presentes. Ela não confiava neles. Na verdade, ela os odiava, mas sua impressão sobre Zefmate era boa e ela não achava que ele merecia morrer.

— Voltarei outro dia. Se não houver alterações até então, irei agir.

— Muitíssimo obrigado!

Sentindo a fúria que estava em seu interior, Zefmate caiu de joelhos e agradeceu a Fran por sua misericórdia.



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