Volume 6

Capítulo 297: Papel machê

Nós contemplamos nossos planos antes de enfrentar o exército inimigo. Especificamente, procurávamos desacelerá-los e descobrir se poderíamos facilitar nossa vida por meio de algum tipo de ação preventiva.

— E agora, Mestre? — Fran perguntou. — Fazer muros? Cavar buracos?

"Hmmmm..." Acariciei minha barba imaginária enquanto contemplava suas sugestões. Essas eram opções legítimas. De fato, o melhor cenário seria aquele em que construiríamos um muro capaz de manter os gatos-negros seguros e os monstros afastados. A parede ideal também viria armada com um belo e profundo fosso que tornaria impossível para qualquer monstro, fraco ou forte, atravessá-la.

De forma óbvia, criar uma estrutura desse tipo não passava de um sonho. Nem Fran nem eu tínhamos mana ou capacidade de fazer uma coisa dessas. O único mago do país que podia fazer isso estava na frente bashariana.

O maior buraco que poderíamos fazer tinha apenas três metros de largura, três metros de profundidade e cinco metros de comprimento. É claro que era possível usar o feitiço várias vezes, mas elaborar algo dessa maneira levaria horas, horas que não tínhamos. O exército com certeza chegaria antes de terminarmos.

Mesmo assim, eu não teria sugerido um método tão defeituoso, mesmo que tivéssemos tempo suficiente para realizá-lo. Criar incontáveis buracos grandes esgotaria Fran e eu, e esgotar a magia logo antes de entrar em uma batalha em grande escala não era nada além de uma tarefa tola. E isso nem levava em conta o fato de que poderíamos acabar dividindo o exército em dois. Ter as duas metades atacando um lugar diferente seria ruim. Muito, muito ruim.

Lembrei-me do meu velho mundo enquanto pensava nas muitas estratégias que poderíamos potencialmente empregar. Eu mal sabia alguma coisa sobre as táticas militares que eles usavam por lá. A única palavra militar que eu conhecia por cima era o combate de guerrilha1, a tática na qual um grupo menor desgastava um grupo maior através do uso de armadilhas, emboscadas e outras técnicas semelhantes.

A tática era poderosa no sentido de que era capaz de retardar os movimentos do grupo maior, forçando-os a ficarem em guarda. Os soldados que eram vítimas das táticas de guerrilha ficariam ansiosos. Eles temeriam o fato de poderem estar sujeitos a um ataque a cada esquina e, com esse medo, perderiam o moral. Ou pelo menos era assim que costumava aparecer em romances e filmes.

Mais uma vez, a opção não estava disponível para nós. Nossa habilidade de criação de armadilhas tinha um nível muito baixo para produzir em massa qualquer coisa útil. Poderíamos sair espalhando armadilhas por toda parte, mas tinha um pressentimento de que isso causaria mais danos do que impediria.

Era impossível remover todos os buracos que criamos, especialmente se os camuflássemos cobrindo-os com sujeira. Em outras palavras, seríamos obrigados a deixar pelo menos alguns por aí e qualquer coisa que não conseguíssemos limpar seria para os gatos-negros o que as minas terrestres eram para os vietnamitas2. Sim, não podemos ter esse tipo de situação. Tenho que aprender com os erros da história, não os repetir.

"Bom. Parece que a nossa única opção real é mergulhar de cabeça. Provavelmente precisaremos começar com algo extravagante para chamar a atenção do exército."

— Entendido.

Dito isso, não estávamos prestes a marchar. Ainda íamos fazer algo, e eu tinha esse algo em minha mente.

"Tudo bem Fran, Plano B."

— Nn.

Nós dois começamos a lançar a habilidade Parede de Pedra várias vezes para produzir uma série de grandes blocos rochosos. Eles eram um pouco frágeis porque trocamos espessura pelo tamanho total, mas serviam aos nossos propósitos.

— Mestre, bom o suficiente?

"Sim. A coisa toda me passa uma sensação muito boa. Você pode até ver as janelas."

— Nn.

"Tudo bem, eu vou lidar com esta próxima parte.", eu disse, quando ativava o Controle da Terra.

Eu usei a habilidade de manejar as paredes de pedra e fechar as lacunas entre elas. Em pouco tempo, tínhamos uma fortaleza improvisada. Localizada no meio da floresta ao norte de Schwarzekatze, o prédio era grande o suficiente para ser visto de longe. Seu portão era tão grande que quase parecia se assemelhar ao Arco do Triunfo3.

Quanto a aparência, era perfeito. Mas em termos de durabilidade, poderia muito bem ter sido feito de papel machê4. Toda a construção era oca, por completo.

Ainda assim, era bom o suficiente. Ela não precisava ter defesas sólidas. Não planejamos usá-la como ponto de defesa. Esse era um ponto de referência, um marco. O objetivo da torre era ficar acima da floresta de tal forma que pudesse ser vista de longe.

Os monstros seriam incapazes de ignorá-la. Eles teriam que atacá-la ou se arriscariam a ser flanqueado depois que passassem por ela. Em outras palavras, isso nos fornecia um método para prever suas ações. Não sabia se seria eficaz, mas eles deveriam pelo menos notá-la. E se eles a percebessem, pelo menos teriam cuidado com a edificação.

"Isso é tudo." Tudo o que o prédio precisava agora era de alguns soldados. Claro, eu não tinha nenhum soldado sob meu comando, nem havia pessoas próximas dispostas a arriscar suas vidas em um forte condenado à ruína. A única solução era, portanto, fazer isso nós mesmos.

Peguei dez cadáveres do meu inventário. Não por procurei nada em particular. Só escolhi os dez humanoides na melhor condição, então acabou sendo goblins e coisas parecidas.

"Tudo bem Urushi, faça aquele seu truque."

Au!

O lobo lançou magia espiritual e incutiu força e vontade nos cadáveres sem vida colocados diante dele. Os dez corpos reanimados logo entraram em ação e imediatamente se prepararam para receber suas ordens. Peguei alguns arcos desgastados e entreguei aos nossos soldados improvisados para que pudessem disparar flechas em qualquer monstro que se aproximasse. Como eu só tinha cinco, eu armei os mortos-vivos restantes com espadas e lanças quebradas.

Em relação às silhuetas, eles se pareciam com soldados, e os monstros seriam enganados desde que os zumbis continuassem se movendo no topo do forte.

E com isso, nossos preparativos estavam completos. Tudo estava em ordem.

"O Forte está pronto, Fran."

— Então, vamos?

"Sim. Vamos."

Nós nos encantamos com todo tipo de magia de suporte antes de voar para o céu mais uma vez. Como não queríamos que nossos inimigos percebessem nossas ações, fizemos questão de subir até atingirmos uma altitude na qual seria improvável que eles nos vissem.

"Ugh." Eu gemi quando olhei para baixo sobre o exército. "A maneira como eles estão se aglomerando é meio nojento."

— Parece lixo. —, acrescentou Fran. Eu sei, não é?

"Tudo bem, vamos nessa. Vamos bater neles com força e fazer isso da forma mais chamativa que pudermos. Assim que terminarmos com isso, vamos partir para o ataque. Você está pronta?"

— Nn!


Notas

[1] Guerrilha ("guerrilla", "pequena guerra") é um tipo de guerra não convencional no qual o principal estratagema é a ocultação e extrema mobilidade dos combatentes, chamados de guerrilheiros, incluindo, mas não limitado a civis armados (ou "irregulares"). Pode se constituir também como uma movimentação híbrida, ou seja, ora centralizada por uma atitude bélica cujo aspecto pode ser colaboracionista com as forças regulares de determinadas regiões, e ora pode se dar o enfrentamento sem conexão com qualquer força armada regular.

[2] Desde o início da Primeira Guerra da Indochina, em 1946, e a posterior e mais sangrenta, a Segunda Guerra da Indochina, entre as décadas de 1960 e 1970, um número incontável de minas terrestres foi plantado no que hoje é a República Socialista do Vietnã. Muitos desses dispositivos que não detonaram continuam sendo uma ameaça muito perigosa que continua atormentando o país e as áreas vizinhas.

[3] O Arco do Triunfo (em francês "Arc de Triomphe") é um monumento localizado na cidade de Paris, construído em comemoração às vitórias militares do Napoleão Bonaparte, o qual ordenou a sua construção em 1806. Inaugurado em 1836, a monumental obra detém, gravados, os nomes de 128 batalhas e 558 generais. Em sua base, situa-se o túmulo do soldado desconhecido (1920). O arco localiza-se na praça Charles de Gaulle, no encontro da avenida Champs-Élysées. Nas extremidades da avenida encontram-se a Praça da Concórdia e, na outra, La Défense. Projetado pelo arquiteto francês Jean Chalgrin, o monumento tem 50 metros de altura por 45 metros de largura e 22 metros de profundidade. O Arco de Tito serviu de inspiração para a sua concepção. A escala do Arco do Triunfo é tão massiva que, três semanas após o desfile da vitória de 1919 em Paris (que marcou o fim da Primeira Guerra Mundial) o aviador Charles Godfrey conseguiu fazer passar o seu biplano pelo centro.

[4] Papel machê (palavra originada do francês "papier mâché", que significa "papel picado, amassado e esmagado") é uma massa feita com papel picado embebido na água, coado e depois misturado com cola e gesso. Com esta massa é possível moldar objetos em diferentes formatos, utilitários e decorativos, entre outras. A arte do papel machê se desenvolveu na China, por volta de dois séculos antes de Cristo, e também em regiões das antigas Pérsia e Índia. Na Europa, o papel machê foi utilizado para criar objetos decorativos primeiramente na França e depois na Inglaterra. Na Itália, a massa era utilizada na execução das famosas máscaras do Carnaval, em Veneza. Na Noruega foi construída uma igreja toda feita em papel machê, e que durou 37 anos em ótimas condições, tendo sido demolida posteriormente.



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