Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 5 – Arco 3

Capítulo 49: O sonho de Emilly.

Any



— Você…

Por mais que ela queria falar alguma coisa, Emilly se cala e assim respira fundo, eu não sei o que se passa na sua mente, mas ao olhar diretamente ao seu rosto… eu percebo que ela não está bem… e essa… era a expressão normal que fazia no dia a dia, é realmente isso… ela raramente esteve bem.

Naquele momento… era como se uma luz tivesse entrado na minha cabeça e iluminado tudo o que estava pensando, a minha vontade naquela hora foi atendida e assim abracei Emilly. Sua reação foi normal, ela na verdade nem se mexeu.

— Me… desculpa.

Achei que seria fácil trazer aquela que amo para o meu lado, mas era extremamente difícil, existiam muitas coisas que a impedia de seguir em frente e fazer o que quiser. Emilly raramente teve escolhas na sua vida, tudo era ou seu pai ou sua mãe que escolhia, acabava fazendo com que a garota simplesmente não pudesse seguir o que quisesse.

Entendo que a vida de uma princesa é realmente complicada e existem muitas coisas que não tem como fazer… mas era difícil olhar para Emilly e desejar qualquer coisa que fosse. A minha cabeça parecia… entrar em uma espécie de looping, não conseguia falar nada naquele momento… só fazer algo que seria abraçá-la.

Naquela noite… vimos as estrelas do céu noturno caírem enquanto chorávamos juntas.

Eu não sabia se fui realmente perdoada pelo o que fiz, mas entendia que Emilly estava um pouco desconfortável com a minha presença, eu precisava arrumar isso de alguma forma. Talvez seria bom começar a não se desesperar.

Nesse momento eu estava no salão principal sozinha, mas no andar de cima estava Emilly e percebi que ela estava me observando, como se esperasse por alguma coisa… mas eu estava parada perto da escada. Essa era uma rotina de empregada onde ficamos paradas perto da escada esperando a pessoa que servimos acordar e descer… bem, naquele dia estava só eu… então acho que estaria tudo bem caso fosse fazer alguma coisa.

Por mais que eu tenha percebido que ela estava lá, pensei em não fazer alguma coisa, na verdade queria ficar de boa, fingindo que não vi nada. O difícil era que o momento estava tenso… Emilly me observava de cima e eu ficava parada olhando para os lados e fingindo que estava esperando por ela.

Mas… a tensão do momento não me permitia ficar parada.

— Ah… você… vai descer? — pergunto.

— Hm… Talvez.

Ela parecia estar com uma reação triste.

— Hm… talvez seja melhor termos uma conversa? — pergunto.

De primeira vez eu queria dar a ela um sentimento relaxado, queria tentar deixa-la tranquila… mesmo depois de ontem. O mais complicado de tudo isso era olhar para o rosto dela, estava extremamente… não sei dizer, não assustador, mas… ela estava sem reação alguma, se apoia no corrimão e ficava me observando de cima.

— Uma conversa…

— Sim… eu não quero… perder uma família.

Quando falei sobre família, um barulho estranho surgiu do andar de cima, o que me fez olhar para o alto… lá estava ela, com uma expressão feliz, como se estivesse sido pega de surpresa. Logo ao ser vista ela arruma sua expressão… e assim começa a descer as escadas.

No momento… cada passo que ela dava era praticamente um tiro no meu peito, o barulho da sua bota era alto… e ela estava tranquila até demais, porém eu estava… terrível.

Teríamos uma conversa gigantesca, e eu sabia disso… era só olhar tudo o que estava acontecendo pra início de conversa. Logo após que ela desce todas as escadas, começamos a andar pelo castelo vazio.

— Sobre… o que você quer conversar? — pergunta Emilly.

— Eu acho que… fui ingênua demais ontem.

— Bem… você me deixou triste com aquelas palavras…

— Triste?

— É como… se você estivesse criando uma dependência emocional em cima de mim.

Então… foi aí que percebi, o que estava falando era verdade. Criar uma dependência em cima de uma pessoa é algo que ninguém quer, é terrível para as duas pessoas… e isso me causava ansiedade demais… só por conta do que ela falou. Teoricamente ela estava certa, eu não conseguia viver sem a Emilly do meu lado, eu precisava dela a qualquer custo, talvez isso tenha sido uma dependência emocional extremamente grande… talvez eu tivesse a deixada preocupada demais em relação a isso.

O que será que a Emilly estava pensando de mim nesses momentos? Será que ela realmente achava que era só isso?... Honestamente chegava em um ponto onde eu realmente não percebia o que estava querendo para mim mesma, era só meu coração que mandava essas coisas acontecerem, eu acabei… deixando de lado tudo que ela queria… e fiz só o que eu queria, tentei tornar apenas os meus sonhos em realidade… sem se preocupar e se arrepender dos meus pensamentos.

Talvez tudo estivesse da forma errada, talvez eu devesse contar para ela o que eu realmente quero, sei que pode ser egoísta novamente, mas eu entendo que isso não é saudável para ninguém. Não quero manter para mim mesma tudo o que quero, talvez compartilhar com alguém seja o melhor a se fazer, e a pessoa com quem desejo isso… está logo na minha frente.

— Me desculpa… Emilly.

— …

— Eu acho que… tornei apenas o que eu queria em realidade.

— Como assim?

— Sonhar em somente viver com você, e querer fazer qualquer coisa só com você. Pra mim esses eram os meus sonhos. E quando eu vi que tudo isso seria atacado, pois me afastaria de você… apenas não consegui pensar direito e agi por conta do que os meus sentimentos queriam. Não agi da forma que deveria… não pensei no que seria no futuro caso fizesse o que fiz, apenas agi…

Talvez melhor do que qualquer coisa… eu deveria pensar direito no que aconteceu e tentar achar uma rota de escape…

— Eu não sei o que deu em mim para agir assim, mas eu queria de qualquer forma não deixar tudo isso acontecer, eu não queria que as pessoas escolhessem o meu futuro… e me deixava super triste ter que ver todos escolhendo o que irei fazer… sem ao menos… eu ter a minha escolha. Eu achei… que pelo menos uma vez na vida… pelo menos em um pequeno momento… eu teria uma escolha, e por conta disso eu pensei o mais rápido possível em… tentar realizar aquilo que eu queria. — digo.

— …

— Em momento algum levei em consideração os seus pensamentos e sentimentos, apenas os meus… no final das contas te tratei como uma boneca onde eu iria escolher o que você fizesse… no final das contas eu te tratei da mesma forma que me tratam.

Talvez tenha sido por isso que eu realmente não consegui… seguir em frente.

— Sabe… eu tenho sonhos também… muitos deles não podem se realizar. — disse Emilly.

A visão que tinha de uma princesa era que qualquer coisa que ela desejasse seria realizado… mas estava enganada.

— Eu queria poder viver em paz, poder ver o povo ser feliz, e poder… seguir os meus sonhos, eu queria poder escrever para o mundo uma história tão grande que nem caberia no coração do povo. Mas ser escritora é ser mal vista por todos do mundo.

— Mal… vista?

— Sim. Todos procuram te odiar somente por escrever alguma coisa, jogar seus sentimentos em personagens… falar verdades que ninguém escuta…

— Mas…

— É óbvio que existem pessoas ruins que escrevem, mas isso tem em qualquer profissão, infelizmente não vivemos no ideal perfeito para fazer as coisas serem da forma que queremos. Talvez seja por isso… por procurar um ideal perfeito que simplesmente não conseguimos seguir em frente.

A mente da Emilly era como um enigma gigante pra mim, eu não conseguia entender nada o que ela estava falando, mas estava lá escutando todos os problemas que me falava.

— Eu queria poder gritar para o mundo todo o quanto tudo está errado, mas você acha que é possível fazer isso? Acha que é possível gritar para todos?

— Não…

— E é por isso que eu queria escrever, assim chegaria… em todos do mundo.

A calmaria volta depois de uns segundos de silêncio… pois o que Emilly falou… atingiu o meu coração.

A tecnologia nesse reino era totalmente atrasada de propósito, existiam pessoas que não queriam acesso ao que o mundo está desenvolvendo, e eu sabia disso… porque eu era uma dessas pessoas. Mas a visão de Emilly sobre o mundo… não parece muito diferente da minha. Ela queria gritar para o mundo todo o quanto estavam errados, eu também queria fazer isso. Queria que todos soubessem o quanto estão errados.

Mas… óbvio que é impossível falar isso para o mundo todo, é impossível chegar a todos do planeta. Talvez… seja essa a maior frustração de Emilly, ela simplesmente não conseguir fazer o mundo entrar no caminho certo. Mas afinal de contas… o que decide o que é certo? Isso não seria… praticamente ser um imperador malvado de histórias em quadrinhos? Aquela pessoa que quer mudar o mundo e fazê-lo seguir o caminho certo, mas esse certo sempre é ruim para muitas pessoas?

Talvez ela queira mudar o mundo com suas próprias palavras… ou talvez nem isso, apenas falar para todos o quanto estão errados, não mudá-los… apenas avisá-los.

— Mesmo que eu não chegue tão longe… apenas quero colocar na mente das pessoas o quão errado é… tudo o que está acontecendo. Imagina que todos poderiam viver felizes no mesmo mundo, mas todo mundo age como se estivesse criando o caos no planeta.

— Mas…

— Eu realmente… não sei nada sobre o mundo, e talvez isso me frustre um pouco, mas eu queria… ao menos tentar entender, queria poder sair desse lugar e viajar por aí entendendo as pessoas para assim falar o que estaria tão errado assim… mas eu não posso. Não posso fugir do meu reino. A famosa realeza que todos veem como pessoas totalmente livres e perfeitas é terrível.

— Terrível?

— Sim. Nem pessoas daqui querem viver nessa vida, apenas… querem ser livres, mas sempre terá alguém maior que simplesmente não permite isso.

Liberdade… o que seria isso? Será que é um momento na sua vida onde pode escolher o que irá fazer sem ter alguém para realmente te parar? Ter liberdade… significa… ser você mesmo sem ter medo? Querer fazer o que é bom para você… sem atrapalhar outras pessoas? Viver em liberdade… é simplesmente ser feliz?

Eu… não conheço isso. Pois em toda a minha vida, as pessoas escolheram o que eu iria fazer… sem nem poder ter uma opinião, talvez o que eu estava pensando da Emilly seja uma mentira… na verdade…

— Emilly… você quer ter liberdade?

— Sim. Mais do que qualquer coisa… eu quero que todos tenham liberdade.

Um mundo onde as pessoas tenham liberdade… talvez seja o mais perfeito que podemos chegar.

Não irão ter pessoas para escolherem o que você irá fazer… apenas pessoas que poderão te ajudar a chegar onde quer, talvez seja isso o que é perfeição. Por mais impossível que seja chegar lá, ela ainda quer tentar… Emilly quer tornar o impossível em algo totalmente possível e isso é… uma visão do mundo que nunca tive.

Imagina poder sonhar e correr atrás de tudo isso que está na sua mente, talvez seja o mais perto de perfeito que o ser humano pode chegar… talvez seja o melhor que o ser humano pode fazer.

— Mas… é óbvio que nunca irei fazer isso sozinha.

Emilly assim se vira pra mim.

— Eu… acho que está tudo bem mesmo depois de todas as coisas que você fez… na verdade, contanto que eu te ajude a mudar e assim você siga seu próprio caminho… aí sim estará tudo bem.

— Seguir sozinha…

— Não… falei errado, eu irei seguir seu caminho com você, mas não irei ser o seu caminho, só irei ir do seu lado… então Any.

Emilly assim abre seus braços.

— Você… realizaria seu sonho comigo?

A declaração dela… era a melhor possível que eu poderia ter.

— Sim! Vamos realizar os nossos sonhos… JUNTAS!

Assim eu abraço Emilly… talvez a minha vida tenha chegado em um ponto que não poderia dizer somente por mim mesma que estou feliz, mas sim… por outra pessoa também.

Talvez eu cheguei no melhor possível, e isso seja o que eu realmente queria.

Eu sinto que… eu finalmente poderei realizar aquilo que eu queira… eu sinto que agora eu tenho um novo objetivo.

Eu quero… ser livre.



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