Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 7 – Arco 3

Capítulo 63: Decepção.

Hideki



— Você me decepcionou de novo…

Decepção… algo que não conseguimos escapar não importa o que tentamos fazer, sempre… no final, de alguma forma alguém fica decepcionado com o que fazemos, cabe a nós como seres vivos decidir se isso importa ou não. Pra mim… a opinião dessa pessoa… às vezes é importante.

Abro meus olhos, na minha frente está o outro “eu” que recentemente estava falando comigo sobre a luta que estava acontecendo. Na minha volta está uma sala parecida com uma de julgamento.

— No final das contas você é realmente só mais um nesse mundo que não percebe o que tem dentro de você.

Eu estava quieto, ouvindo todas as coisas que deveria ouvir, ou pelo menos é assim que meu corpo estava agindo.

— Toda hora é a mesma coisa, você luta… desmaia, e no final das contas eu tenho que estar aqui te levantando pra seguir em frente, o que caralhos você é? Dependente emocional?

A única pessoa que até então conseguia me afetar diretamente era a Shiori, pois ela sabia exatamente o que falar pra mim na hora certa, e agora… existe mais alguém, e talvez nem seja algo tão complicado de se pensar…

Sim… eu mesmo.

No final das contas é como se eu fosse o culpado de tudo isso, ele me julga, me afeta diretamente pois sabe o que é preciso pra acabar comigo, afinal de contas… ele sou eu.

— É tudo sua culpa, somente porque você não foi capaz de proteger as pessoas que tanto falou que iria. Solveig, Yukiro, Shiori, olha o estado de todas, uma está morta e as outras duas estão em um caso terrível, tudo isso porque você NÃO CONSEGUE SEGUIR ORDENS SIMPLES!

Ele… está certo.

Não há desculpas para o meu lado, essas pessoas chegaram nesses estados terríveis por minha conta, foi o fato de eu nascer que trouxe uma terrível tristeza para essas garotas, Nina já me falou isso… meu pai me disse isso.

“Por que deveria eu seguir em frente? Já que na verdade… o erro está em mim.”

“O erro está na minha pessoa, e por conta disso todos os terríveis acontecimentos são culpa minha."

É isso o que devo pensar?

— Na sua mente o que eu devo pensar é que na verdade tudo é erro meu? Para assim meu corpo se tornar seu? — pergunto.

A minha pergunta tinha sido sincera, neste tribunal terrível, eu estava sendo julgado por traição a mim mesmo. As falsas pessoas que estavam em volta, analisando essa situação, ficaram surpresas com minha fala, como se na verdade eu estivesse piorando a minha situação.

— A nossa promessa quando menor… é nada pra você? — Hideki pergunta.

— A nossa… promessa?

— No fim você nem sabe o que prometeu, certo?

— Você… — sou interrompido por um martelo batendo. Era o jurí.

— Ordem, ordem no tribunal.

Uma sombra aparece como jurí.

— Não importa quem sou eu. O que importa é que irei remediar essa discussão toda e culpar quem deve ser culpado.

Uma multidão aparece envolta.

Era realmente como se eu estivesse sendo julgado por um crime contra a humanidade inteira, as pessoas que faziam parte dessa multidão começaram a falar coisas referentes ao fato de eu não conseguir aguentar lutar por tanto tempo, e por algum motivo… ter quebrado uma promessa.

— SILÊNCIO, SILÊNCIO NO TRIBUNAL.

Escuto o martelo mais uma vez.

— Deus da destruição, dê um passo à frente.

O outro “eu” dá um passo à frente.

— Qual sua acusação? — disse o júri..

— A minha acusação é referente a quebra da promessa feita a muito tempo atrás, meritíssimo.

— Espera… 

Tento falar algo, mas o júri bate o martelo.

— Acho que está esquecendo de uma palavra… senhor Hideki.

Parece que nesse julgamento meu nome é realmente Hideki, o outro é chamado de deus da destruição, talvez tenha algo aí no meio que tenha que ser esclarecido…

Os olhos das pessoas me julgavam intensamente, isso era terrível… olhar em volta era como estar olhando para um mato cheio de lobos, uma hora ou outra você só vira uma caça.

Isso era nada mais e nada menos que alguém me julgando intensamente, e essa pessoa era eu mesmo. Me julgava por todos os erros que cometi até então… talvez esse fosse o sentimento de decepção, queria ser mais forte do que conseguia. Queria ser maior do que conseguia… proteger pessoas que são mais fortes do que eu…

Entendi, no final das contas isso é uma luta contra meus erros.

— Nosso querido Hideki Hirai está sendo julgado pelos seguintes crimes… Lutar mais do que deveria, pensar mais nos outros do que nele mesmo, cometer erros contra a pessoa amada… entre outras coisas que não merecem ser citadas… Hideki Hirai, qual seu depoimento?

— O meu… depoimento?

Minha cabeça entra em um estado vazio. Não há nada o que deveria falar nesse momento, analisando bem esses “crimes” que cometi… é certeza que todos estão certos.

— Todos… erram. Não há exceção nisso.

Aos poucos essas pessoas que estavam apagadas começam a se transformar em mim, vejo que… é assim que me julgo.

— Todos erram, mas você não deveria errar com ela. — diz o jurí.

— Eu sei. Mas não há o que fazer… errar é normal em qualquer momento, eu juro que tentei fazer o que pude.

— Jurar não irá reduzir sua pena.

— E o que vai acontecer comigo? Vão me desativar desse corpo? Vão fazer tudo o que foi feito até então ser a coisa mais inútil do mundo?

Em flores que foram jogadas ao ar… vejo o outro eu aparecendo na minha frente.

— Eu irei dominar esse corpo. — disse o Deus da escuridão.

Sentia como se não pudesse deixar isso acontecer, mas por que? Por que não posso deixar isso acontecer? No final das contas… ele sou eu, nossas ideias podem ser as mesmas no final das contas, mas sinto que se deixar tudo isso acontecer… será como o fim do mundo, não… o fim do universo.

Decidir as coisas por si mesmo é extremamente difícil. Então por que eu deveria seguir tão confiante com o que está acontecendo? Como se a ideia dessa pessoa que está na minha frente não fosse nada bom?

O júri bate o martelo mais algumas vezes, pedindo carinhosamente um extremo silêncio no tribunal.

— Sentem-se, todos. Deus da escuridão, se afaste, pois ainda nem chegou o seu momento.

— Peço perdão, júri.

— A próxima vez que isso acontecer, darei você como culpado.

Shiori me ensinou que devemos confiar em nós mesmos, e sinto que a ideia dessa pessoa na minha frente não condiz com o que ela quer.

Shiori não quer proteção, ela quer alguém que consiga confiar em si mesmo ao lado dela, e eu devo ser essa pessoa. Mesmo que minha confiança seja extremamente falha às vezes, ainda sim há alguns resquícios de uma autoestima.

— Acha mesmo que pode dominar algo que nem ao menos conseguiu viver? — pergunto.

Enquanto dava as costas pra mim, o Deus da escuridão se virou com uma cara extremamente irritada.

— Hahaha, você não pode estar falando sério…

— Estou.

— SILÊNCIO NO TRIBUNAL. — pediu o júri.

— Isso aqui não é brincadeira, Hideki… você é a pior pessoa para sair pro lado de fora e viver ao lado dela.

— Shiori nunca quis uma pessoa que apenas vivesse por ela, na verdade ela só precisa de uma pessoa que consiga ajudá-la nas coisas enquanto consegue seguir sua própria vida.

Seus olhos se irritaram de novo, como se tivesse acertado em cheio.

— Você…

— E ainda mais, ela não deseja alguém que apenas vai ligar para um prazer momentâneo.

Duas pessoas aparecem para segurar a pessoa extremamente raivosa na minha frente.

— O QUE VOCÊ SABE DE MIM, EM SEU DESGRAÇADO? TUDO AQUILO QUE PLANEJAMOS DESDE O INÍCIO FOI NADA PRA VOCÊ?

— Pra mim foi algo, mas eu acho que PRA VOCÊ foi nada. Acha mesmo que não percebi as coisas que queria fazer comigo numa situação triste?

Estalando a língua, o Deus da escuridão se acalma um pouco.

— Isso não é uma briga, não sei o que se passa na sua mente para levar isso como uma. — digo.

— Não é nada demais, ok? Me sinto invejado de saber que alguém como você consegue viver ao lado de Shiori, enquanto nós aqui temos que apenas observar os seus erros e tentar seguir em frente com isso.

— Quando está observando algo, é muito mais fácil apontar os erros, mas quando se vive o momento, ver o erro… é quase impossível. 

— Você nem sabe o que está falando.

— Posso não saber, mas estou tentando ao máximo aprender com meus próprios erros… eu estou tentando.

— Pare de tratar tudo como se fosse algo bom… NÃO É BOM ERRAR!

— Eu sei que não é bom.

Boto a minha mão direita no cabelo dele.

— E é exatamente o que você está fazendo…

— Não vai repetir aquilo, né?

— Não vou. Não quero negar a sua existência, apesar de estar errando… quero que aprenda com o que está fazendo, só assim irá entender o meu lado.

Seus olhos se reviram e param de me observar totalmente.

— Afinal de contas, você é igual a todos… apenas um ser humano comum que não entende o que pode acontecer se não ser perfeito.

— Realmente, eu não entendo, por que não me explica melhor?

— Não posso. Não quero.

— Vai continuar me negando mesmo tentando falar com você?

— Sim, afinal de contas, eu sinto inveja de você conseguir fazer coisas que eu nem ao menos pensava em fazer.

Sentir inveja de uma pessoa é quase algo normal e que todos sentem em algum momento na vida… certamente entendo esse sentimento. Mas, de alguma forma devemos seguir em frente, e se queremos o que aquela pessoa tem… temos que lutar por isso. 

E com isso em mente chego a uma certa conclusão:

Ele não consegue chegar onde quer.

Para chegar onde ele quer terá que passar por mim, um gigante obstáculo na vida… então entendo o fato de me odiar mesmo que fizemos um pequeno acordo quando menor.

O deus da destruição chegaria em um ponto onde queria até mesmo destruir suas promessas, e é por isso que eu não deixo ele passar por cima de mim, mesmo querendo que ele chegue onde quer.

A minha cabeça começava a dar voltas no mesmo assunto, onde eu queria poder ajudá-lo, mas era impossível quando o objetivo dele era praticamente o mesmo que o meu.

— Veja o quanto você é… injusto com todos nós.

Meus olhos viram em direção a ele como se fosse algo… instantâneo.

— Consegue viver ao lado dela sem nenhum problema, consegue fazer o que quiser… nós apenas podemos te olhar de longe sem poder fazer nada, apenas falar com você, mas até isso dá pra ignorar.

— Cala a boca…

— Você não sabe o que é dificuldade, pode simplesmente deletar o que quiser, esse é seu poder, mas prefere ficar assim, perdoando aqueles que estão envolta de você… para de ser uma farsa.

Ele, diferente de mim, tem um objetivo que só irá beneficiá-lo.

— Se é para lutar com isso… prefiro mil vezes sofrer e morrer agora mesmo, assim… nem eu nem você poderá controlar esse corpo. — digo.

Seus olhos entraram em desespero, eu tinha acertado em cheio em uma ferida intensa no coração dele, o deus bate com tudo na mesa e a deleta da existência.

— O QUE VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FAZENDO FALANDO DESSE JEITO COMIGO? O PRIMEIRO A CONSEGUIR CONVERSAR COM ELA.

— Que? Você, o primeiro a conversar com ela? Não fale nada desse jeito, você não chegou nem perto de conseguir conversar com ela.

Me levanto de uma cadeira e assim dou de costas para o deus.

— Se me dá licença… eu preciso terminar uma luta que comecei.

— Você… só me decepciona.

— Não me importo com o que você acha, apenas irei seguir em frente e ficar com a pessoa que amo enquanto resolvo meus próprios problemas.

Já chega, não quero mais ficar aqui, não quero ficar em um lugar onde não consegue olhar pra frente.

— Quando você… conseguir seguir em frente, quem sabe eu consigo deixar você controlar um pouco esse corpo.

Ele começa a enlouquecer e se prepara intensamente para me atacar, mas quando avança com tudo… ele para no ar, como se uma barreira tivesse impedido de continuar.

— O que… é isso?

— Você nunca vai chegar perto de mim, essa é a diferença entre nós dois, uma pessoa que consegue seguir em frente, e outra que fica presa no passado.

— Não me faça rir.

— Hm, você é…

A pior pessoa do mundo.

Dou as costas e toco na parede preta que estava ali, deletando tudo daquela sala.

— VOCÊ VAI PAGAR POR ISSO, HIDEKI!

— Estou ansioso pra ver o que você vai fazer.

— Você… ME PAGA!

Ando em direção ao que parece não ter fim, uma sala inteiramente branca que aos poucos se torna ciano.

— Adeus… deus da escuridão.

Como um efeito, meu mundo volta a ser aquela luta que estava acontecendo em volta de mim. Essa era a forma que tanto me julgava dentro de mim mesmo, talvez só dessa forma eu consiga seguir em frente, ignorando tudo isso e fazendo com que toda essa luta acabe de vez.

Viver juntamente a ela também é um desejo meu… mas apenas irei realizar isso… da minha forma.

Vamos voltar ao que estava acontecendo, vamos voltar a lutar contra essa deusa e terminar tudo isso de uma vez, para que assim todos descubram a verdade por trás da própria vida.

Esse será… o início de uma nova era.

 



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