Volume 1

Capítulo 6: Ensinamentos de Família

Senti minha consciência voltando lentamente e a dor latejante em minha cabeça sumindo. Parece que ele agiu de novo… meu médico pessoal.

Minhas pernas, meu estômago e meu peito. Todos eles já não machucavam mais. Uma maldição, mas também uma benção, era isso que significava ser um humano com um Dispositivo Biológico.

Minha visão se expandiu lentamente ao passo de que meus olhos se abriam. Pude ver de relance o lugar em que estava. Cavernoso, duas paredes rochosas… Tudo parecia tão vazio.

Ugh… — gemi ao sentir o baque de acordar depois de um desmaio.

O som que saíra da minha boca fez com que a garota que estava concentrada em minha frente virasse seu olhar para mim. Mesmo depois dessa queda, ainda estava viva.

Ao perceber que eu estava bem, soltou um suspiro de alívio e andou lentamente até meu corpo duro que não levantava. Apesar de estar totalmente curado, ainda sentia uma certa dormência.

— Ainda bem que você acordou, Akazawa! Eu estava preocupada que tinha falhado em te proteger. — Seu olhar parecia triste e lamentoso.

Bom, de certa forma ela falhou, mas não tinha muito o que fazer se ele tinha aquela armadilha preparada. Além disso, fui muito impulsivo, não esperava que ele tivesse aquela arma.

— Não cante vitória antes da hora, Lyra. — Em um tom sereno, adverti a garota. — Você já viu a altura desse fosso? 

Ela podia até estar animada pela minha sobrevivência, mas apenas olhando para cima se percebia que esse fosso era gigante. Eu era incapaz de ver o lugar de onde caímos nesse buraco infinito.

— Nós nunca vamos sair daqui… Não tem como escalar algo tão liso — lamentei com melancolia. — E esse desgraçado ainda vai atrás do meu pai…

Sim, foi isso que ele tinha dito. Como vingança pelo ataque de Lyra, agora toda minha família está em perigo. E nós aqui, presos em sua armadilha. Como pude ser tão idiota? 

Sem se importar com minhas inseguranças, a loira começou a levantar meu corpo com seus braços, me carregando como uma princesa.

— Não. Assim não vai dar. — Acenou negativamente com a cabeça. — Se minhas mãos estiverem ocupadas com você, não vou poder escalar.

— Você quer escalar isso!? As paredes são lisas demais e não temos suporte algum! 

No momento em que a questionei, Lyra nem mesmo se sentiu abalada. Na realidade, um sorriso nostálgico saiu de seu rosto. Como se já tivesse passado por isso antes.

— Meu pai já me jogou de buracos bem maiores que esse, Akazawa. Você confia em mim? Então segure nas minhas costas. 

Se confio nela? Depois de tudo que aconteceu, até duvido disso, mas, mesmo assim, eu tenho alguma escolha?

Agarrei os ombros de Lyra, permitindo ser carregado em suas costas. Tive que encolher meu corpo um pouco, pois ela era levemente mais baixa que eu.

— Agora, nós temos um suporte sim. — A maníaca por combates mostrou o que tinha em suas mãos: as duas pernas da cadeira em que estava sentada quando caiu.

— Você só pode estar louca! Como você vai escalar com isso?

— Bom… Se prepare.

E então, sem aviso, a loira saltou muito longe, abalando toda a estrutura do meu corpo. Isso doeu, viu?

Mas o que ela fez depois me surpreendeu ainda mais. No meio do ar, fincou uma das pernas da cadeira que estava segurando com toda força na parede, nos suspendendo no ar.

— Você realmente vai fazer isso. — Suspirei, totalmente chocado com seu plano.

— É claro que vou.

E então, a garota segurou a outra perna com força e fincou em um ponto mais acima da pedra, utilizando como suporte para sua perna. Isso seria repetido indefinitivamente até que estivéssemos no topo.

Sinceramente, não sabia o que me surpreendia mais: ela ter conseguido fazer buracos em uma pedra dura dessas ou as estruturas de madeira não terem quebrado quando isso foi tentado.

Mas, enfim, esse mundo se tornou tão estranho que prometo que nunca mais vou duvidar de nada nessa vida. Se isso conseguir nos tirar daqui, então que seja.

Depois de um tempo escalando, descobrimos que esse maldito buraco era ainda maior do que tínhamos imaginado. A viagem foi silenciosa por um bom tempo e na minha mente já haviam passado umas 2 horas.

Mas óbvio, isso era só o tédio falando. Estava cansado de ouvir o som alto da minha companheira fazendo buracos na parede. Era totalmente irritante.

Então, fiquei pensando sobre várias coisas. Sobre meu pai, se ele estava bem, como iria ficar o restaurante. Esses pensamentos me davam medo.

Eu tinha esse sentimento horrível de que chegaria tarde demais e estava ficando cada vez mais impaciente. Depois de um tempo, meu corpo finalmente voltou a ficar ativo, fazendo com que minha agitação se tornasse clara.

— Akazawa, você está bem? — perguntou Lyra com um tom despreocupado.

Ah… Desculpa. Eu só estou pensando em algumas coisas.

Hmmm… Você está se mexendo muito. Fique um pouco quieto. 

A sinceridade brutal da garota me calou por um momento, mas sabia que não ia conseguir ficar calmo se esse silêncio monótono continuasse, então decidi perguntar algo que estava me encucando faz um tempo.

— Você me conta muitas histórias do seu pai. Am… — Percebendo que entrei em um assunto meio pessoal, comecei a hesitar. — Você era feliz com a forma como ele te tratava?

— O que você quer dizer com isso? 

— Digo… você disse que ele te socava, que ele já te jogou de um buraco maior que esse. Isso parece terrível! 

Lyra deu uma pequena risada sem graça como se estivesse tentando me tranquilizar e disse em um tom descontraído:

— Meu pai tinha seu próprio jeito de me ensinar, mas é graças a ele que eu sou uma guerreira incrível agora. Apesar de que falta muito pra eu alcançá-lo…

Parando para pensar, faz sentido que ela teria muito orgulho de seu pai. Mas, mesmo assim, o jeito assustador como ela age veio dele, então não posso deixar de ter um pouco de receio sobre esse cara.

Sem falar que, no final das contas, ele abandonou a própria filha em um planeta totalmente desconhecido. Mesmo que ela ainda o ame, nunca perdoarei alguém que negou um lar a uma garota dessas.

— Ele deve ser um cara bem forte então, né?

No momento em que essa questão surgiu, os olhos de Lyra brilharam. Nunca tinha visto ela ficar tão animada assim nos poucos dias em que a conheci.

— Meu pai é o rei! Você tá de brincadeira? Ele não é só bem forte, ele é o mais forte de todo o universo! Você não faz ideia… Na sua presença mares se abrem, montanhas caem e… Ai! 

— O que houve? 

— Alguma coisa bateu na minha cabeça! Isso é… — No momento pude ver Lyra agarrando aquilo que estava acima dela.

— Uma escada, Lyra! Alguém veio salvar a gente!

Depois de um tempo processando a situação, a loira acenou com a cabeça e agarrou a escada de corda, subindo com muito mais facilidade até o topo do buraco.

E acima do fosso, estava aquela infeliz que ignorou todas minhas mensagens. Que deixou até a última hora para vir ao resgate. Que poderia ter evitado tudo isso.

Harrou… Tudo bem? — A língua desprezível de Kuroda soltou o pior inglês possível.

— Desgraça! Por que você só veio agora? 

— Eu venho te salvar e é assim que você me agradece? — Mesmo que parecesse indignada, seu sorriso despreocupado não mudou. — Eu estava na escola, se não percebeu. Ficar usando o celular é meio rude.

Como se ela se importasse com ser cordial! Sério, essa garota realmente me dá nos nervos. Eu falei que era urgente, pedi pra que ela cumprisse o favor e só agora ela me aparece aqui…

— De qualquer forma, o que que tá pegando, pessoal? — Colocou os braços por trás da cabeça de uma forma tranquila.

— Eu não tenho tempo pra você agora! Preciso proteger a minha casa! — Saí pela porta do escritório. — Vamos, Lyra!

Aaaaah… Saquei! Você quer que eu te leve para lá? — A desgraçada sugeriu.

Olhei ao redor e não vi o carro de Kuroda em nenhum lugar. Ela estava zoando com a minha cara.

— Você nem tá de carro!

Heh… Eu não preciso de carro. — E então, sem mais nem menos, a garota que eu havia deixado para trás estava na minha frente.

Tomei um susto com o demônio aparecendo do nada e caí para trás. Como diabos ela fez isso?

— Você apareceu do nada!

E então, Kuroda mostrou o relógio digital que estava em seu pulso. Com apenas um clique, ela desapareceu e reapareceu atrás de Lyra.

— Isso é… Pra que você tem um carro mesmo!? — E então balancei a cabeça, tentando ignorar a loucura. — Que seja, me leve de volta para a casa agora! Por favor…

— Certo, então você gastou o favor que eu te devia e… — A quatro-olhos começou a mexer no seu relógio como se estivesse programando algo. — Hmmmm… Sabe, eu também consigo ver o lugar que eu quiser antes de me transportar. Tem certeza que você quer ir lá agora? Porque, tipo…

Um frio desceu pela minha espinha. Será que tinha algo que eu não iria querer ver lá? Mas… não! Isso não importava! Precisava chegar em casa o mais rápido possível.

— Só me leva logo, porra! — gritei em uma mistura de raiva e receio.

— Ok…

Como se fosse mágica, o ambiente ao meu redor mudou, mostrando o fundo do restaurante. Estávamos no lugar certo. Mas nem meu pai, nem ninguém podia ser encontrado.

— Velho! Velho! — Chamei por ele o mais alto que eu podia.

Sniff! Sniff! — Lyra começou a fungar como se identificasse algo. — Vocês estão sentindo esse cheiro?

— Cheiro… de quê? — Dei a maior fungada possível para tentar entender do que ela falava.

— … Sangue.

Nesse momento perdi a minha respiração e engasguei. Não… Não podia ser… Isso é impossível!

— Aqui atrás do balcão… hmmm… — A loira passou o balcão e foi até a cozinha. — Oooooooh!

Ao ouvir sua reação, tirei tudo que tinha na minha frente e corri para a mesma direção. Mas o que vi naquele momento… me fez desejar que eu nunca tivesse feito isso.

— Paaaaaaaaaai!



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