Volume 1 – Arco 2
Capítulo 40: Ainda Há um Homem Aqui
Haldreth permaneceu por alguns minutos chorando sobre o corpo destroçado de Rostov.
— Ele tirou tudo de mim... — murmurou ele, cessando o choro. — Minha casa, minha única família... Eu vou acabar com cada um deles!
— Eles quem? — perguntou Ella, deslizando sua mão sobre as costas dele.
— Ceifadores. Eles invadiram depois que você entrou no Plano Espiritual.
— Espera... é por isso que você perguntou se eu tinha contado para alguém sobre o observatório. Você sabia que tinha alguém vindo para cá, por que não pediu minha ajuda? — exclamou Ella, conectando os pontos.
— Porque eu sabia que se eu te contasse, você não conseguiria ir para o Plano Espiritual. Ia querer lutar ao meu lado, se arriscaria contra eles. Fiz isso para te ajudar a encontrar seu pai logo!
— Eles estavam atrás de mim?
— Vieram atrás do meu dispositivo, Logan provavelmente os enviou. Fui burro... no momento em que você me devolveu o dispositivo, eu tinha que ter saído daqui. A minha pesquisa era o que me mantinha aqui.
— Você poderia ir para a UCC, eu converso com o Marc, ele te aceitaria na comunidade. Com o seu conhecimento, você seria de enorme ajuda para eles.
Haldreth pressionou uma sequência de botões no pescoço do capacete, fazendo-o se retrair, revelando seu rosto a Ella.
Era um homem branco, de cabelos loiro-escuros, com um corte social — provavelmente feito por ele mesmo, dado a qualidade.
Seu maxilar era delineado, com um nariz fino e lábios discretos. Era um homem bonito, se não fosse pelas diversas manchas acinzentadas e azuladas que marcavam seu rosto.
Não só isso, como todas as rachaduras que davam a impressão de um rosto fragmentado, como porcelana trincada.
Baseando-se apenas na aparência, Ella o daria vinte anos, embora tivesse mais de duzentos.
Ele enxugou as lágrimas e encarou Ella. Ela ficou surpresa — não imaginava que ele fosse assim.
— Esse capacete é péssimo para lidar com lágrimas. Eu não sou de chorar, pra falar a verdade, a última vez foi quando meu pai morreu — confessou ele.
— Eu sinto muito...
— Que idiotice, não é? — exclamou Haldreth, soltando uma risada nervosa. — Eu chorando por um robô. Ele não tinha sentimentos, era só um robô. Mas depois do meu pai e do meu melhor amigo... ele foi o único que me tratou como um ser humano de verdade.
— Você é um ser humano normal para mim — disse Ella, com um sorriso sincero. — Mais do que isso, você é uma pessoa admirável. Sei que fazia parte do nosso trato, mas em nenhum momento você me apressou a aprender as técnicas. Durante todo esse tempo, você me acolheu, me alimentou, me ensinou, e acima de tudo, foi um bom amigo. Isso é raro nos dias de hoje.
— Obrigado... eu realmente aprecio isso — respondeu ele, olhando para os destroços de Rostov.
— Na comunidade, eles são pessoas de bem. Você será visto como o herói que é. Como o homem que desafiou os Ceifadores e saiu vivo.
Haldreth esboçou um leve sorriso.
— Eu nem cheguei a te perguntar, me perdoe... conseguiu encontrar o seu pai?
— Sim... ele me deu um norte do que fazer agora. Preciso voltar logo à comunidade. A propósito, você conhece um tal de Doutor Yersin?
— Conheço. Ele era um aliado da família Bresset, consequentemente, aliado da CCV. Já cheguei a conversar um pouco com ele, mas foi mais uma troca de conhecimento. Por que a pergunta? Seu pai disse algo sobre ele?
— Sim. Foi parte do direcionamento. Por isso, pense na proposta que eu te fiz de vir comigo para a comunidade. Eu preciso voltar logo.
— Não tem como eu transportar o grandalhão lá embaixo até a comunidade, é uma distância enorme...
— Dê um fim digno a ele. Você encontrará outros espécimes. Se quiser, consigo convencer o Marc a te dar um laboratório próprio.
— É muito gentil da sua parte, Ella, mas... — Haldreth foi interrompido.
— Por favor, me deixe retribuir. Sinto que tenho uma parcela de culpa nessa história. Não faça minha dor ser maior, venha comigo.
— E o Icrow? Sei que ele é uma criatura do Vazio, mas tanto você quanto eu nos apegamos nele. Ele também é um amigo.
— Eu vou dar um jeito.
— Você vai dar um jeito? Ella, eu trabalhei na CCV, você não tem noção do ódio que eles nutrem por criaturas do Vazio. Temo que isso será algo que você não conseguirá.
— Eu vou dar um jeito. Confie em mim! — respondeu Ella com firmeza no olhar.
Ella se levantou e estendeu a mão para Haldreth.
— A sua confiança me assusta às vezes — disse ele, agarrando a mão dela e se erguendo.
Eles desceram até o subsolo do observatório. O infectado estava feroz como sempre — já não era mais um ser humano. Apenas uma alma em eterno sofrimento, um prisioneiro do seu próprio corpo.
— Eu nunca te contei isso, Ella, mas ele não é apenas um espécime qualquer, é o meu melhor amigo. Ele me salvou de uma mordida nos primeiros dias da infecção de Rithan. Logo no início disso tudo... — disse Haldreth, com a voz embargada — Antes dele se transformar, prometi que o traria de volta. Eu fiz uma promessa. Não consigo fazer isso!
A criatura rosnava contra Haldreth com ferocidade, tentando mordê-lo a todo custo.
— Você não pode ficar aqui mais, sabe disso! No fim, só está impedindo a alma dele de descansar em paz. Dê a ele a paz que ele merece — disse Ella, oferecendo seu revólver para ele.
Haldreth o pegou com mãos trêmulas e colocou-o na testa do infectado, encarando-o seus olhos profundamente.
Ele lutava contra as correntes, tentando mordê-lo com todas as forças.
— Connie, você lembra de quando nós fizemos juntos o Exame Águia? Mesmo sendo meu quarto exame, você me salvou daquela Nagaja — disse ele, rindo com pesar. — Mas a gente deu azar, justo no ano em que fomos aplicar para a vaga no esquadrão de Águias de Rubra, o mundo resolve acabar.
Connie começou a emitir alguns sons guturais estranhos, como se tentasse falar.
— N-Ni... Ko... Lai.
— C-Connie? Você... disse meu nome? — exclamou ele, abaixando o revólver.
A voz de Connie não era humana. Tinha um tom ecoante e profundo, com uma ressonância de vozes sobrepostas.
— Você... irmão... sempre.
Haldreth e Ella ficaram atônitos. Um infectado havia recobrado a consciência na frente deles.
— Eles... eles conseguem recobrar a consciência diante de um forte estímulo — exclamou Haldreth, sorrindo incrédulo. — I-isso é um marco para minhas pesquisas! Significa que a infecção astral controla todo o corpo, mas a mente ainda é preservada de certo modo.
— C-como isso é possível? Meu pai sempre me dizia que eles eram como mortos-vivos — respondeu Ella, boquiaberta.
— Irmão... sempre, juntos.
— Eu estou aqui Connie, sempre vou estar aqui por você — disse Haldreth, empolgado.
— Mas... e se isso não for consciência? E se for só uma lembrança remanescente?
— Connie, q-quantos dedos você está vendo aqui? — Haldreth levantou três dedos.
Um silêncio tomou conta da sala, Ella e Haldreth estavam ansiosos; uma simples resposta poderia mudar o rumo de tudo.
— Três...
— Ele é racional, Ella... ele ainda pensa!
— É, parece que sim — respondeu Ella, ainda em choque.
— Se você realmente é grata por tudo que eu te fiz, por favor, me ajude a levá-lo para um lugar seguro.
Ella levou o polegar à boca, mordendo sua unha enquanto pensava no que fazer.
— Ele é enorme, como vamos descer a montanha com ele?
— Eu posso construir um carrinho de mão de madeira. Deve ser o suficiente para carregá-lo.
— Não tenho forças para empurrar uma carroça com esse brutamonte em cima. Ele pesa quanto, duzentos, trezentos quilos?
— É, por aí. Quando humano, o Connie era bem grande e forte, agora nessa forma, parece que ele triplicou de tamanho.
— Consigo levantar no máximo cem quilos. Eu poderia amplificar minha força através da Vontade, mas isso queimaria o carrinho. Não só isso, e se ele perder a consciência e nos atacar? Você tá protegido com uma armadura impenetrável, mas eu não tenho nada.
— Não se preocupe com isso. Eu mesmo posso empurrar o carrinho. Quanto ao risco de ele perder a consciência, eu tenho propofol. Só não sei se funcionaria nesse estado que ele está.
— O que é esse propofol?
— Um anestesiante geral, apaga um humano em segundos. Agora... nele, só testando pra saber. Mas antes, preciso ter certeza de que você vai me ajudar a levá-lo para a UCC. Você sabe o que nos espera na floresta...
— Se a anestesia funcionar, eu ajudo. Caso contrário, não vou me arriscar em sofrer um arranhão e virar uma infectada.
Haldreth caminhou até um armário de vidro, retirando uma seringa e um frasco de propofol. Aspirou o líquido com precisão, até encher toda a seringa e se aproximou de Connie com cautela.
— Connie, irmão... ainda está aí? Você vai sentir uma leve picada e vai apagar, mas juro que não vou te abandonar — afirmou Haldreth, pegando em seu braço lentamente.
— Consciência... difícil... mas... Connie, confiar em... você.
— Ótimo. Só mantenha o controle mais um pouco — disse Haldreth, procurando a veia do amigo.
— Não é mais seguro você ativar seu capacete de novo? E se ele perder a consciência e te atacar?
Haldreth olhou para Ella com um sorriso tranquilo.
— Ele não vai.
Com precisão, ele injetou todo o propofol no braço de Connie e recuou lentamente.
— Eu nunca apareci para ele sem o capacete. Acho que foi um gatilho de memória que ativou a consciência dele — exclamou Haldreth, ao lado de Ella novamente.
Ambos ficaram esperando o propofol fazer efeito. Menos de um minuto depois, o corpo gigantesco de Connie adormeceu/
Haldreth suspirou aliviado.
— Funcionou... No entanto, o efeito do propofol é breve, no corpo dele, deve durar cerca de meia hora. Precisamos ser rápidos, pode me ajudar a levar ele pra cima?
Juntos, com um esforço tremendo, retiraram as correntes que prendiam Connie e o ergueram — Haldreth segurando seu braço esquerdo e Ella o direito.
— Puta merda... que pesado — reclamou Ella, colocando o braço dele sobre o ombro para usar o próprio corpo como apoio.
Degrau por degrau, subiram com uma enorme dificuldade até o andar principal do observatório.
Assim que o deitaram no chão, Haldreth se concentrou, e através da sua Vontade, moldou um carrinho de mão enorme, inteiramente de madeira — rodas funcionais, eixo e suporte. Tudo criado em dez segundos.
— Como você fez isso? Quero dizer, você fez tudo se encaixar perfeitamente numa velocidade absurda, como?! — indagou Ella, surpresa.
— Quando você utiliza sua Vontade por mais de um século, você se torna um mestre — respondeu, rindo. — Além do mais, construir virou uma habilidade essencial num mundo como esse. Mas pra falar a real, se você vive em uma comunidade, sempre vai ter pessoas para fazer esse tipo de serviço. Por isso que é bom não ser um eremita como eu.
— Logo você será um deles.
— Eu espero que sim. — Haldreth sorriu levemente para Ella.
Ele rapidamente subiu até seu quarto e pegou tudo que lhe era valioso, guardando todos seus pertences numa mochila grande e colocando ao lado de Connie.
— Você está pronto? — indagou Ella, desencostando da parede e indo até o carrinho.
— Estou — respondeu Haldreth, ativando seu capacete novamente. — Nunca imaginei que deixaria esse lugar... sentirei falta da vista.
— Nunca é um adeus. Quando tudo acabar, você pode voltar para cá e reconstruir novamente.
— Você é uma garota de muita fé. É raro ver isso nos dias de hoje.
— Bom, nos dias de hoje, a fé é talvez a única coisa que ainda podemos ter, não é?
— É, eu acho que sim.
Haldreth também colocou Icrow no carrinho, ainda desacordado. Juntos, os três começaram sua descida da montanha.
Ella já havia derrotado o rei dos mandris. Talvez a floresta, agora, não será um problema tão grande para eles.
Mesmo a mil metros de altitude, a mente de Ella estava no chão. A única coisa que pensava era em encontrar a mulher que poderia acordar o doutor Υersin.
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